Warpaint
Foto por Mia Kirby

Por Nathália Pandeló Corrêa

Quando o Warpaint fez sua última turnê, o mundo era um lugar diferente. Os últimos shows foram em 2019, num mundo pré-Covid. O disco mais recente, então, datava do longínquo 2016. Elas hibernaram, sem pressa.

Não que estivessem à toa. Emily Kokal, Jenny Lee Lindberg, Stella Mozgawa e Theresa Wayman se mantiveram ocupadas com projetos solo, filhos, a vida. Quando a pandemia bateu, as quatro haviam acabado de dar uma pausa nas gravações de Radiate Like This, quarto trabalho que só viria a sair mais de dois anos depois. Nesse meio tempo, o foco foi de gravar o restante dos instrumentos e refinar, repensar, retrabalhar.

Até que chegou a hora de botar no mundo mais um disco que soma ao som plural da banda de Los Angeles. Entre o post rock, o indie rock, o experimental, o dream pop e a psicodelia, surge um som etéreo, como um familiar abraço – mas sem abrir mão de experimentar, explorar, incomodar.

Falamos com a cantora e guitarrista Theresa Wayman sobre esse novo momento da banda, os desafios de produzir parte do álbum à distância, a ansiedade pela volta aos palcos e muito mais. Confira abaixo!

TMDQA! Entrevista Theresa Wayman

TMDQA!: Oi Theresa, obrigada pelo seu tempo! Estou empolgada pra falar desse novo disco. Radiate Like This parece uma progressão natural pra vocês, tanto liricamente quanto sonoramente, porque o tempo passou e pelo momento em que vocês estavam na vida. Mas também mostra vocês amadurecendo e lidando com coisas como maternidade, envelhecer e mais. E é normal, não dá pra só pegar de onde vocês pararam quase seis anos antes. Como vocês mantêm esse DNA – o disco soa exatamente como algo do Warpaint -, mas também se mantêm progredindo?

Theresa Wayman: Acho que é algo natural pra mim, não é algo consciente ou um método. Sempre íamos ser quem somos, então vamos ter esses elementos que sempre tivemos, com os quais começamos, mas também estamos crescendo, mudando, nossas influências mudam ao longo do tempo. Ou algumas permanecem iguais, mas do nada você nota que nunca entendeu música country e agora ama, por algum motivo (risos), ou o que seja. As coisas mudam na sua vida, e não é algo previsível. É isso que acontece, nós passamos por fases diferentes, nos influenciamos por coisas novas e mudamos.

TMDQA!: E graças a Deus por isso!

Theresa: (risos) Sim! Concordo!

TMDQA!: E vocês não tiveram pressa com esse disco, porque estavam ocupadas com a vida e também não tinha como fazer turnê. Então vocês ficaram aperfeiçoando o álbum em casa. Se o tempo não era necessariamente um fator de urgência, o que determina quando um projeto está pronto, que é hora de parar de mexer e botar no mundo?

Theresa: A essa altura do campeonato, a gente já tinha demorado o suficiente. Tínhamos tempo, porque não queríamos lançar nada enquanto não desse pra sair e tocar ao vivo. Então como saber se algo está pronto? Acho que prazos ajudam muito com isso! Porque dá pra mexer nas coisas pra sempre. E chega num ponto em que você pensa em algo e quer tentar, mas aí não funciona muito bem, não precisa de mais nada. Não há uma resposta muito certa pra essa pergunta.

TMDQA!: É tipo um instinto.

Theresa: É. Você sabe que está pronto quando sabe. E é bom termos umas às outras, pra lembrar, “não, o que você estava fazendo antes estava bom, não precisa ficar tentando outras coisas”. 

TMDQA!: Às vezes a gente precisa se libertar.

Theresa: É, o tempo todo! (risos) Isso é um bom conselho pra tudo na vida. Você consegue controlar enquanto está moldando uma canção, mas você nunca está ditando a essência de uma música. Ela decide isso por você, e é preciso abrir mão disso e ouvir, com certeza.

TMDQA!: E falando nisso, agora vocês estão por aí, fazendo shows e as pessoas estão ouvindo pela primeira vez essas músicas ao vivo. Dá pra dizer que quando vocês fizeram uma turnê pela última vez, o mundo era diferente. Como tem sido essa experiência pra banda? Dá pra sentir uma fome diferente de música, de conexão?

Theresa: Sim, eu com certeza sinto que os públicos estão mais felizes de estarem ouvindo música e estarem em um show, e nós estamos mais gratas de estarmos tocando. Pudemos estar do lado de fora disso e lembrar o motivo de fazermos o que fazemos, ao invés de estar só na labuta. E agora que estamos voltando a fazer shows, a sensação é de que é um espaço muito importante, estar tocando ao vivo, e você sente isso. Eu sinto muito mais, o valor de fazer isso para o bem da minha alma, e me conectar com as plateias. Tive algumas das experiências mais incríveis de sentir o poder de nós, como grupo, fazendo música e estando em sintonia uma com as outras, se conectando com as pessoas ouvindo… e sentir que estávamos num momento incrível juntos. E não há nada igual, é algo muito especial de se ter, e eu valorizo muito.

TMDQA!: E são coisas que a gente tinha como dadas, né? 

Theresa: Você acha que são garantidas quando você está na estrada há 10 anos, praticamente sem parar, sabe? E você começa a ficar cansada e se torna algo do dia-a-dia, e é fácil não valorizar, com certeza.

TMDQA!: Estávamos falando do tempo, e entre um álbum e outro, você lançou seu disco solo. Você acha que fazer isso por conta própria de alguma forma te preparou para a parte do trabalho remoto nesse novo disco?

Theresa: Nós fizemos a maior parte do disco em estúdio, gravamos em 2019 até fevereiro de 2020. Fizemos duas grandes sessões e uma sessão curta. Então tínhamos bateria, baixo, muitos arranjos escritos, era tipo 75% pronto. Não tinha guitarra, vocal, sintetizadores, essas foram as coisas que gestamos ao longo da pandemia. Basicamente paramos em fevereiro de 2020 porque a Emily estava grávida e todo o lance da pandemia aconteceu. Estávamos em uma trajetória pra lançar em 2020, basicamente.

TMDQA!: Só um pequeno atraso no meio do caminho.

Theresa: Isso! E que todo mundo consegue se identificar, ainda bem.

TMDQA!: Pelo menos estamos nessa juntos.

Theresa: Com certeza, estamos nessa juntos.

TMDQA!: Eu estava pensando que o Warpaint pode ser muitas coisas ao mesmo tempo. As pessoas podem chamá-las de experimental ou pop. E Radiate Like This também é muitas coisas juntas, é aí que está a beleza do disco. E vocês não parecem trabalhar com álbuns conceituais, parece que é algo de ir onde a música leva. Queria que você contasse um pouco do processo criativo nessa fase, se vocês vão improvisando ou se começam com algo mais estruturado.

Theresa: A gente não improvisa tanto agora. Em geral a gente começa com uma música inteira que alguém já trouxe ou começamos com um loop que indica onde as coisas vão dar. Então trabalhamos juntas, mas não compomos igual fazíamos em 2004, 2005. Naquela época, nunca tinha uma música que alguém fez sozinha na guitarra e trouxe pra banda. Era sempre um improviso e perceber que tinha duas partes do improviso e juntar isso… era um processo longo fazer as coisas assim e aos poucos fomos nos distanciando disso, pra ser mais concisas com as nossas músicas. Mas como você disse, a gente nunca começa com um conceito pra um disco. Só juntamos ideias e coisas que gostamos, trabalhamos nisso juntas e isso se torna um álbum só porque estamos trabalhando nessas coisas juntas. Eu gosto da ideia de ter um conceito pra algo, escrever com um conceito em mente seria um jeito divertido de fazer algo diferente. Volta ao que você falava antes. Como você progride e ainda soa como algo novo, mesmo soando igual? É assim. Aqui está uma ideia, algo que nunca fizemos. E ainda estaremos buscando algo que nunca fizemos para criar o diferente.

TMDQA!: E vocês soam novas a cada vez, acho que é esse o objetivo.

Theresa: É isso.

TMDQA!: Bom, agora pode me dizer se ficar pessoal ou político demais, mas queria que você comentasse todo o lance da Suprema Corte americana reverter o caso Roe v. Wade (que legalizou o aborto nos EUA). Vimos muitos artistas se manifestando e parece que não importa quantos Warpaints temos, as mulheres ainda têm um longo caminho a percorrer. Queria saber o que você pensa sobre isso e sobre o que significa para as mulheres na América.

Theresa: Com certeza, parece uma grande regressão, não entra na minha cabeça. Anos atrás, pensando na política, no nosso país e no mundo, a gente sabia que as coisas estavam ruins, mas você imagina que as pessoas estão ficando mais inteligentes e que vamos progredir. Eu nunca previ que teríamos passos que parecem para trás, achei que já tínhamos saído da era das trevas com esse assunto. Tipo, ninguém deveria me dizer que porra eu posso ou não posso fazer com meu corpo. Isso não diz respeito a mais ninguém. Há tantas nuances a essas circunstâncias que tentar colocar uma regra enorme sobre isso parece só ignorante e é uma loucura. Estamos num momento em que todo mundo tem palanque, todo mundo tem seu próprio canal, todos podem dizer algo… e será que isso está ajudando? Agora todos precisam falar sobre as coisas, porque todo mundo fala. Nem sei em que direção me mover para conseguir promover alguma mudança, ou para progredir. Para cada coisa “certa” ou positiva, o oposto é dito também. Estamos numa inércia estranha. Eu sinto que estou num sonho ruim e fico pensando que vou acordar e pensar “ainda bem que essa coisa estúpida não aconteceu” (risos).

TMDQA!: Os brasileiros talvez se identifiquem com isso.

Theresa: Mesmo? Vocês têm uma situação igual?

TMDQA!: Não, nem estamos perto de ter aborto legal.

Theresa: Então é totalmente ilegal?

TMDQA!: Só é legal em caso de anencefalia, se a vida da mãe está em risco ou se ela foi estuprada.

Theresa: E isso parece funcionar ou costuma gerar problemas?

TMDQA!: Não funciona. Tivemos o caso de uma menina de 11 anos, grávida após um estupro, que foi forçada a manter a gestação por muitos meses. 

Theresa: Nossa…

TMDQA!: Pois é. Olha, sei que o nosso tempo acabou, só queria terminar de um jeito mais leve! Podemos começar a campanha “come to Brazil”?

Theresa: Sim, por favor! Nos avisem o que podemos fazer pra ajudar.

TMDQA!: É? Tem mais shows por vir?

Theresa: Está devagar… O clima está bem diferente. Todo mundo que tinha shows cancelados nos anos parados, agora está voltando, querendo suas vagas. Todo mundo que lançou discos na pandemia e esperou, também está buscando essas posições. É um momento estranho e leva um tempo entre estar totalmente parado e estar no ritmo da turnê. Definitivamente está mais lento esse ano do que num ano de lançamento, mas acho que a América do Sul pode estar nos planos pro ano que vem. Ainda não temos muito planejado pro resto desse ano.

TMDQA!: Ano que vem a gente se mobiliza então.

Theresa: Acho que vai ser bom a gente passar mais tempo escrevendo música. Isso parece a coisa certa a se fazer agora, ao invés de ficar tentando fazer shows num ambiente que não está legal. Até os preços de gasolina estão nas alturas, logisticamente está diferente. Ainda tem gente se infectando com Covid. Então por que não seguir o ritmo das coisas e focar em escrever mais música? Isso nunca é ruim.

TMDQA!: Nós nunca vamos reclamar.

Theresa: Que bom! (risos)

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