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[RESENHA] No segundo volume de “Zulu”, Zudizilla se mostra mais confiante no (e próximo do) sucesso

Por João Hermógenes (@_jhermogenes)

Julio César foi um imperador romano nos anos pré-Cristo, que ascendeu ao poder após liderar seu exército à vitória na guerra civil contra seu rival político, Pompeu, se tornando um sinônimo tanto para líder de uma nação quanto para grande comandante militar. Jesus Cristo, bem, não precisa ser apresentado. Estes dois nomes são usados no título da obra de outro Júlio César, o Zudizilla, para exemplificar os conceitos de confronto e amor para o segundo capítulo da obra de Zulu.

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Zulu: de César a Cristo (Vol. 2) é uma sequência fiel do primeiro disco da trilogia, onde o personagem – que é o que dá nome principal do título, mas ao mesmo tempo é o autor – busca encontrar seu lugar em diversos sentidos diferentes. Os sentimentos de frustração e esperança do disco inicial aqui são novamente muito bem explorados e colocados, mas o que muda é a posição do eu-lírico na jornada: houve visível avanço, até pela vida de Zudizilla, que hoje já se encontra estabelecido em São Paulo e na cena após deixar Pelotas em busca de melhores condições (jornada esta que estava no início três anos atrás).

“Afortunado”

A melhor forma de entender De César a Cristo é prestando atenção no áudio que o abre, falas fortes da mãe do artista: Zudizilla trava suas batalhas pessoais, estando “triste” longe da família, que ficou no Sul, mas tem também suas bênçãos a este ponto, com conquistas que valem a pena ser celebradas. Após esta mensagem o álbum se inicia já em alto nível, com um beat de boombap forte baseado em duas notas de piano que soam como um “anti-jazz” e Zud explorando sua caneta, que não para de impressionar conforme o álbum progride, mesmo quando o instrumental faz a transição para o lado mais melódico. Tudo isso dito rolou ainda na primeira canção.

Outra canção que conta com mudança de beat é “SALVE”, onde Zudizilla traz outra temática importante do disco: seu desejo de botar o rap do Sul no mapa nacional, mais especificamente Pelotas, de onde o rapper é natural. A faixa que é um trap extremamente cativante, com kicks de 808 batendo forte o tempo todo e os flows e vocais do MC sendo tão bons quanto, mostrando até um lado mais comercial que o habitual. É interessante perceber a mudança de discurso nos refrães, onde logo de início há maior insegurança quanto ao sucesso, e na segunda passagem este é tratado como pura realidade.

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Zudizilla e os feats. de respeito

Além do talento de Zudizilla, temos alto número de convidados nesse disco, e muitos em nível tão alto quanto o anfitrião. Ainda na sequência inicial temos “RA UN NEFER”, referência ao líder espiritual pan-africanista, que tem uma excelente entrada da baiana Cronista do Morro; logo após esta Matrix vem como uma pedrada, tirando elementos do trap e do drill para dar a liberdade para Zudizilla brilhar e ainda chamar Coruja BC1, que é basicamente o MC feito para esse tipo de track: agressiva em beat, letra e flow. O ar condicionado daquele estúdio deve ter trabalhado muito para evitar um incêndio.

Talvez o melhor de todos os feats do disco venha para NP Vocal, entregando melodias incrivelmente pegajosas em sua participação em “LANDAU”, uma faixa onde o produtor nos leva de volta aos anos 70 com o beat feito para uma discoteca.

O momento central do disco traz uma virada conceitual com o trio “TUDO AGORA”, “SKIT (AZUL NEON)” e “HORA DOURADA”, onde primeiro temos basicamente uma explicação para o modus operandi na primeira parte do álbum (de urgência, por ver a situação da população preta no país) e depois a virada para uma nova abordagem (com base no amor e mais esperança), com destaque para as excelentes participações de B.art e Thiago Ticana, que brilham sem precisar cantar. Outra faixa muito importante para o álbum é “RUMOS”, por ter Zudizilla explorando com extrema habilidade sua caminhada no rap antes de entregar a track para o maior feat em termos de projeção: Emicida. Embora o veterano MC não impressione tanto quanto vinha fazendo, sua participação é boa para manter a barra da faixa no alto até que Serginho Moah entrega um incrível refrão.

O fim do álbum é perfeito com “OYA”. O instrumental, complexo, tem destaque principal no violino de Iza Machado, mas o que realmente rouba a cena é a letra, faltando adjetivos que façam jus à sua grandeza. A track é uma ode de Júlio a sua mãe, fechando o circulo do disco: o amor que a mãe do artista manda a ele no início é devolvido a ela ao final.

Como um todo, há muito pouco de negativo para se pontuar. Zudizilla abriu seu processo aos convidados e eles vieram apenas para engrandecer sua obra, que claramente foi muito bem pensada, amarrada e trabalhada. O que é triste é apenas a proximidade do fim da história de Zulu, mas que venha o melhor fim possível. No amor ou na guerra, como César ou como Cristo, um artista deste nível está destinado ao sucesso.

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