Gilberto Gil na ONU em 2003
Reprodução/YouTube

Mês passado fui ao show do Sérgio Mendes em Los Angeles, nos Estados Unidos. Hollywood Bowl, uma das casas de show mais icônicas da Califórnia, lotado. É grande a emoção de ver milhares de pessoas, entre brasileiros, americanos, e pessoas de outras nacionalidades, prestigiando a música brasileira.

O evento me fez refletir sobre os impactos positivos que a música brasileira já teve para o país no âmbito internacional e no potencial da indústria em meio à política internacional. Em outras palavras, no potencial do soft power da música.

Enquanto o hard power representa o poder econômico e militar, visível a todos, o soft power (ou “poder brando”) nada mais é do que a capacidade de um país de persuadir outros a fazer o que este quiser sem força ou coerção, mas sim através de ferramentas intangíveis, como a arte, a cultura, linguagem e determinados valores.

O uso da música como soft power pela comunidade internacional não é novo. Primeiros relatos datam do século XVII, coincidindo com o nascimento da ópera na Europa e sua exploração pela diplomacia internacional.

Na contemporaneidade, são vários os exemplos de circunstâncias em que a música foi utilizada como ferramenta política internacional.

soft power da música brasileira

No início dos anos 2000, o Brasil acertou em cheio ao investir em cultura para posicionar-se como o líder da América Latina. Um exemplo disso foi o excelente trabalho de Gilberto Gil à frente do Ministério da Cultura.

Enquanto Ministro, Gil cantou em 2003 na ONU com o secretário-geral Kofi Annan, para homenagear os bombardeios na sede da ONU em Bagdá, e em 2005 na Praça da Bastilha.

Antes disso, por óbvio, a bossa nova teve — e ainda tem — um impacto gigantesco na percepção do mundo sobre o Brasil. Mais recentemente, Anitta fez muito bem ao lançar o single “Girl From Rio” e direcionar o mainstream para o Brasil novamente. No entanto, tais iniciativas isoladas de players da indústria deveriam merecer atenção, reconhecimento e amparo especial do Estado.

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Os Estados Unidos são exemplo de sucesso no uso dessa ferramenta há anos para concretizar seus desejos em território internacional. Nos anos 40, durante a “Política da Boa Vizinhança”, a turnê de Carmen Miranda operou como um estreitamento de laços entre o Brasil de Getúlio Vargas e os EUA de Franklin Roosevelt. Na mesma época, a pedido do governo norte-americano, a Disney criou o personagem Zé Carioca cantando samba, agradando o governo brasileiro, e promovendo a interlocução cultural entre os países.

Já nos anos 60, durante a guerra fria, o Departamento de Estados dos EUA organizou e patrocinou turnês internacionais de músicos do jazz com o objetivo de projetar uma imagem do “mundo livre” a partir de valores e identidades pluralistas. Louis Armstrong teve uma turnê patrocinada pelo governo norte-americano em 1965. Até Nina Simone teve agenda similar.

Outro movimento interessante do governo norte-americano foi o patrocínio de dez bandas em 2011 para escrever canções em oposição ao governo de Hugo Chávez na Venezuela, através do National Endowment for Democracy.

Os EUA também tentaram secretamente patrocinar a cena underground de hip-hop de Cuba para apoiar o movimento jovem contrário ao governo de Raul Castro, além de ter financiado festivais do gênero no Oriente Médio.

Do Eurovision ao K-Pop

Há diversos outros exemplos interessantes: o sucesso do Eurovision na Europa; a promoção de concertos de ópera pela China em países vizinhos para projetar uma imagem de harmonia, o patrocínio da ONU a Yo-Yo Ma para atuar como “mensageiro da paz”, entre tantos outros.

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Talvez o melhor exemplo de sucesso do uso da música como soft power seja o K-Pop, fenômeno cuidadosamente costurado pelo governo sul-coreano para promover o país e a sociedade sul-coreana, que acabou virando sucesso comercial absoluto.

Esse movimento da Coreia do Sul tem até nome: “Hallyu” (ou “onda coreana”), uma ferramenta deliberada de soft power, na qual o governo atuou diretamente pela amplificação cultural do país — com sucesso. Tudo começou nos anos 90, quando o país teve um presidente extremamente atento ao setor cultural, que culminou com a edição de uma lei de incentivo à produção cultural.

Inclusive, o exemplo da Coreia do Sul é interessante pelos vários pontos históricos coincidentes com o Brasil: um país que passou por uma redemocratização no final dos anos 80, o relaxamento da censura, além das grandes leis nacionais de incentivo (no Brasil, a Lei Rouanet), que nasceram em um espaço de tempo muito próximo.

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Portanto, qual a diferença de resultado entre os dois países? A prioridade que cada país dedicou para a música e a cena cultural.

Brasil e o poder da música

O poder da música é imensurável em todas as camadas da existência: como forma de expressão artística e cultural, consciência de um povo, reflexo da sociedade, como indústria, como paixão, como forma de vida. A História mostra que música não é só a trilha sonora da sociedade, mas também ajuda a moldá-la, infiltrando-se em questões e mudanças relevantes na política e no comércio internacional.

No Brasil, temos um capital cultural e musical gigantesco. Que tal pensarmos em formas de amplificá-lo e de quebra ainda resgatar o nosso merecido prestígio internacional?

Arthur Deucher Figueiredo é advogado com base em Los Angeles e São Paulo. Mestre em Direito e Política da Mídia, Entretenimento e Tecnologia pela Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA) e em Direito Constitucional pela PUC-SP. Membro da diretoria da Câmara de Comércio Brasil Califórnia.

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