Passava das 20h de uma quinta-feira quando conversei com o Felipe Ricotta. Depois de uma certa dificuldade com a plataforma de conversa por vídeo, consegui ver e ouvir o músico, que falava direto da sacada de um hotel caro em Salvador, na Bahia, sem máscara no rosto ou personagens na manga. Com o violão na mão e cheio de energia mesmo ao fim do dia, Felipe foi direto ao assunto sem eu precisar fazer uma pergunta. Ele tem muito a dizer.

Ricotta tem mais de uma década de bagagem com sua turnê de rua, cheia de temporadas, na qual toca em lugares como árvores, muros e rotatórias a qualquer hora do dia, em qualquer cidade sul americana, de graça e para quem quiser ver. Geralmente, ele usa uma máscara para esconder a identidade, mas nem sempre. Quando nos falamos, Felipe tinha acabado de voltar do Paraguai, onde ainda se aventurou pelos cassinos para voltar ao Brasil com uma grana no bolso — além de voltar com mais histórias pra contar e mais shows (no plural) no histórico. Mas além disso, e talvez tão importante quanto, ele também tem um catálogo extenso na música, hoje não mais disponível nas plataformas digitais. Isso porque, hoje, Felipe propõe um dos maiores boicotes da música brasileira.

E ah, talvez você o conheça como Kiabbo, o ex-colega de 15 Minutos, programa da finada MTV Brasil, com Marcelo Adnet. Mas esse papo fica pra outra hora.

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Arquivo pessoal

Mesmo tendo deixado o passado pra trás, criar personagens para espalhar sua arte continua sendo especialidade. Depois de codinomes como Ademiro Noronha, que usou para vender seu disco em formato de flyer, agora Ricotta se apresenta como o Meme Humano. Segundo ele, é uma figura que tem em si uma porrada de traços do entretenimento e, é claro, sai por aí mascarado. Chega a ser irônico na época em que vivemos, e mesmo assim faz todo sentido.

Felipe Ricotta contra a indústria

Enquanto continua realizando a turnê Serviço Essencial nas ruas por aí, a qual registra (e “desregistra”) em uma conta “temporária” no Instagram, Ricotta se propôs a realizar um projeto ambicioso: 300 músicas em 3 anos. Acha impossível? Pois saiba que está acontecendo. Por onde passa, segundo o próprio, “nos melhores hotéis do país”, o artista compõe canções calibradas por suas experiências por aí. O seu objetivo é dividido em várias vertentes, todas suportadas pelo caminho que vem trilhando há anos. O principal, de acordo com Ricotta, é mostrar para a indústria o combustível criativo que ela estaria  perdendo — já que, como citei lá em cima, ele não está lançando esse material de fato em lugar algum. E isso ele faz não só com suas quase 300 músicas até agora, mas também com a forma como chega nas cidades em que toca.

A galera da TV não acredita quando eu digo que paro uma cidade. Eu paro mesmo, em toda cidade. Eles não conseguem acreditar que o Meme Humano, hoje em dia, é mais popular que o Kiabbo.

E para de verdade. Em publicações já deletadas de seu diário virtual, Felipe mostrou diversas postagens e vídeos que quem o assiste publica. Já virou papo tanto no boca a boca, quanto em páginas de Facebook, portais de notícia locais e até no jornal. “Às vezes eu alegro o dia de uma pessoa, às vezes de dezenas. É sempre assim”, ele completa.

O próprio formato de sua turnê é um ato de protesto, inclusive. Sem se amarrar em datas pré-definidas ou regras de casas de shows e produtores, o músico faz sua própria agenda, toca no próprio ritmo, quantas faixas achar necessário e no horário que lhe cabe melhor. Não há de fato uma divulgação, ele apenas aparece e… causa, é claro.

Já ao falar sobre seu boicote com o projeto de 300 músicas, o próprio Felipe Ricotta afirma que essa afirmação não vem da arrogância, e nem por ser achar “melhor que os outros artistas da cena”. Na verdade, ele enxerga sua missão como uma forma de ajuda, também, aos seus colegas de arte. O objetivo secundário é não se curvar aos atuais moldes do mercado de streaming, que dão pouca ou nenhuma liberdade de escolha aos músicos, além da baixa remuneração. Ousado? Ambicioso? O tempo vai dizer. A verdade é que Ricotta tem se arriscado no lugar de quem não pode, ou não quer fazer o mesmo. Na nossa conversa, o músico afirmou já ter feito reuniões com figurões da indústria, citando ainda uma certa “fama ruim” que tem no meio dessa galera. À frente de convites para voltar à TV ou até apostar na carreira musical com um contrato, pouco condizente com suas vontades e condições, ele disse “não”. Pra muita coisa e pra muita gente.

As plataformas até alocam uma grana nos artistas menores, mas ignoram todos eles. ‘Foda-se essa galera, se esse cara não vende, então foda-se’. E nos escritórios só dá ex-membro de banda indie que fica lá sentado, ditando quem é ou não um artista genial. É o que ele escuta em casa? Não é, cara. Eles só querem ganhar o dinheiro deles e deixam de lado os artistas que eles mesmos gostam.

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É importante citar que, além de showman e compositor (hoje na música de número 278, vale dizer), Felipe Ricotta também trabalha com terapia alternativa através de massagens e sessões de conversa. A ocupação extra acaba rendendo experiências que, é claro, acabam em música.

Felipe se mantém firme no objetivo e ainda não tem nenhum plano de lançar essas canções tão cedo e de forma independente. Ele confia no resultado final.

Eu não tenho que ir lá puxar o saco dessa galera. Eles precisam perceber que tá rolando algo legal e ir atrás. Não tem que ser o contrário o tempo todo, não tem que ser essa lambeção de bunda pra conseguir viver de música. Hoje é tudo na politicagem, tudo nos moldes dos engravatados de escritório. Chega.

Para quem quer ter um gostinho do que está se encaminhando para ser um dos maiores lançamentos da música nacional, é só seguir a conta de Ricotta no Instagram. Além de trechos das centenas de canções, ele também posta (e “desposta”) relatos sobre seus shows de rua, além de histórias fictícias de uma mente inquieta. Em boa parte das vezes, ainda que possa ser difícil distinguir, é tudo verdade.

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