Rafa Castro
Rafa Castro. Foto por: Lorena Dini

Rafa Castro começou cedo na música. Aos doze anos de idade recebeu o convite para participar do coral de sua escola mas, com o tempo, a interpretação cantada foi ficando de lado, conforme Rafa construía sua carreira como instrumentista.

Em 2014 e 2016 ele lança dois discos que registram sua marca de poesia e potência como instrumentista. Mas é no seu quarto disco, Teletransportar, que ele decide abraçar de vez o lado das canções. Em junho de 2021, ele lançou um curta-metragem que conta a história de três faixas deste disco: “Teletransportar”, “Cacos de Vitral” e “Cicatriz”. O projeto foi feito em película, filmado na cidade de São Paulo e revelado em Nova Iorque.

Rafa não apenas “Teletransporta” como também mostra histórias e outros finais possíveis. Tanto em seu disco como no curta-metragem, vemos de maneira clara e cristalina o poder da sua poesia, além dessa arte que salva e abre brechas para sonhos de um futuro melhor.

Hoje no TMDQA! conversamos com Rafa Castro para falar de sua trajetória e do lançamento recente do seu curta-metragem. Confira abaixo!

TMDQA! entrevista Rafa Castro

TMDQA!: Eu imagino que deve ter pessoas que já te conhecem pelo trabalho de instrumentista e outras que chegaram agora, com esse último disco de canções. Queria que você falasse um pouco de como a sua relação com a música foi mudando com o tempo…

Rafa Castro: Eu acho que na verdade essas mutações foram amadurecimentos na linguagem, na maneira de expressar aquilo que eu sou. Hoje eu sinto que sou mais honesto, mais fiel com a minha origem… com o fio que conduz toda a minha sensibilidade.

Hoje eu sinto que eu consigo expressar melhor a minha arte e a minha história através da música. Eu sempre quis ser um contador de histórias através da música. E o caminho que eu fui fazendo e naturalmente foi acontecendo na minha vida, foi só de esmiuçar e transformar para que isso acontecesse da melhor maneira.

Rafa Castro, Capa disco "Teletransportar"
Capa do álbum ‘Teletransportar’, de Rafa Castro — Foto: Lorena Dini

TMDQA!: Agora me conta com mais detalhes da sua história com a música em si.

Rafa Castro: Quando era muito novo, aos 12 anos, um professor de música da escola me ouviu cantar e ficou encantado. Minha primeira experiência de música com o público foi cantando na frente de um coral da escola.

Depois disso ele convenceu meus pais que eu precisava estudar violão, e que eu devia continuar cantando. Nisso, comecei a tocar violão e me interessar mais por música e teoria musical. Aí fiquei no violão até a adolescência. Mas no violão eu não conseguia expressar tudo que eu estava ouvindo e sentindo. Apesar de ser um super companheiro até hoje, sempre foi uma coisa muito misteriosa.

Com 19 anos eu sentei a primeira vez no piano, eu tive um amigo pianista que me incentivou. Nisso, minha cabeça explodiu! Tudo que eu tinha aprendido até ali fez sentido. Em dois meses eu já estava tocando muito mais do que eu tocava no violão. Vi ali um potencial gigante de me expressar. Eu conseguia dizer coisas com o piano que estavam na minha cabeça há muito tempo.

Dentro da música instrumental minha carreira foi meio meteórica (risos). Em pouco tempo estava tocando com pessoas muito importantes. Só que essa passagem para o piano fez com que eu emudecesse a minha voz. Eu sempre compus cantarolando melodias, mas nas apresentações eu fui deixando que o piano tomasse a frente…

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TMDQA!: Pegando esse gancho, queria que você falasse um pouco disso. O disco “Teletransportar” foi lançado em abril de 2020. Suas composições trazem um recorte muito fiel da pré-pandemia e do momento presente também.

Como foi essa decisão de fazer um primeiro disco abraçando o lado das canções? É algo que se soma a uma necessidade de “gritar” também por tudo que vem acontecendo politicamente?

Rafa Castro: Total. Teletransportar nasceu de uma vontade de externalizar coisas muito pulsantes, latentes. Eu assumo a parte das letras também. Isso foi muito importante porque eu consegui gritar com mais verdade ainda. Coisas que só eu conseguiria falar pela minha voz e pela minha cabeça.

O terceiro disco marca a minha vinda pra São Paulo, fala muito da minha vontade de fazer essa transição de uma maneira respeitosa com a minha trajetória. Eu queria que o piano estivesse lado a lado com a minha voz e que não fosse de uma maneira desrespeitosa. Fronteira foi essa transição, esse caminho em que eu precisava resgatar a minha voz. E Teletransportar foi o grito que estava preso na garganta: pra dizer coisas políticas, sobre meio ambiente, minha relação com espiritualidade e várias outras coisas.

TMDQA!: Inclusive, você diz que “transita por São Paulo”. Me explica melhor essa sua relação com a cidade (que também é o cenário do curta). Você acha que a cidade de SP é uma “passagem” de fase para você?

Rafa Castro: Eu não sei se é uma passagem, só sei que São Paulo é uma parte importantíssima na minha vida. Minha relação com São Paulo é com essa mãe que a gente precisa aprender a conviver, aprender a não deixar a nossa voz ser apagada. E a minha vinda para cá permitiu que eu tivesse acesso a estúdios, músicos, compositores, artistas fantásticos, que eu jamais teria no interior. Eu sou de uma cidade de menos de trinta mil habitantes. É uma cidade maravilhosa, mas que tem dificuldades ao acesso de formações e informações.

E a minha passagem por SP significa isso. Profissionalizar minha carreira nos sentidos amplos, burocráticos, mas também de exibição. Hoje eu não me vejo fora de SP, mas de tempos em tempos tenho crises e preciso fugir daqui. Preciso respirar ar puro no meio do mato. Não sei se essas crises vão se intensificar, por enquanto eu me dou bem, sou apaixonado.

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TMDQA!: Seus videoclipes já trazem uma estética e uma linguagem bem cinematográfica. E agora você lançou esse curta-metragem para auxiliar a contar a história de algumas faixas do disco. Era uma vontade antiga sua? Nasceu durante a divulgação do disco?

Rafa Castro: Então, quando eu comecei a compor, quando eu comecei a tocar piano, eu comecei a compor trilha sonora de teatro e cinema. Essa foi a maneira que eu aprendi a compor. Eu aprendi a ser um contador de histórias através da música. Sempre tive o sonho, desde que eu comecei a compor e a fazer a minha carreira, que eu inspirasse a música e fizesse o inverso também.

Quando eu comecei a finalizar Teletransportar, eu já tinha essa ideia muito forte de fazer um filme sobre o disco. As primeiras reuniões que eu tive com o diretor foram antes de eu lançar o disco. A gente já tinha tentado vislumbrar algumas histórias, até chegar nesse formato. Então é uma coisa que sempre esteve muito presente e eu quero continuar fazendo isso. Eu quero conduzir mais a minha carreira para esse ambiente imagético, quero que a música inspire a imagem também.

TMDQA!: O curta tem uma ligação muito forte com esse sentimento de nostalgia que estamos sentindo, né. Essa saudade de estar em movimento pela cidade, enquanto as ruas estão todas vazias.

Em uma das canções do álbum você diz “Um corpo forjado por cacos quebrados como num vitral/Meu passado quer falar”, parece até uma síntese da pandemia. Talvez uma das maneiras de encarar esse momento (e de lidar com o saudosismo) seja entender que não vamos retornar para um “velho normal”, né?

Rafa Castro: As composições do disco falam sobre isso antes mesmo da pandemia acontecer. Mas eu acho que, dessa maneira que estamos vivendo, é uma maneira de acabar com a nossa existência por aqui. E eu acho que a pandemia, de alguma maneira, trouxe a possibilidade da gente encarar o futuro de um novo jeito (não que isso seja positivo).

Precisamos construir a nossa relação com a terra, natureza e as pessoas de uma maneira mais humana, diversa, respeitosa. Mas eu, infelizmente, sinto que as pessoas querem voltar para a velha normalidade. Esse é o ponto que me entristece… de acreditarmos numa possível evolução da sociedade como um todo, mas imaginar que as pessoas querem voltar às velhas vidas.

Mas eu acho que tanto a arte, como a gente enquanto pensador de novas formas, precisa alertar que acabou. Não queira voltar, construa novas maneiras, novas relações. Tanto com as pessoas, como com a maneira que você consome as coisas (em todas as camadas). O clipe fala sobre isso também.

Teletansportar: filme Rafa Castro
Foto: Reprodução

TMDQA!: No seu próprio curta-metragem, o vídeo termina com o protagonista dormindo (ou sonhando, quem sabe). O “recado” disso para mim é que talvez ainda precisamos sonhar novos caminhos…

Rafa Castro: Sim, super! Eu acho que a decisão de me colocar dentro da casa, de ser aquele fantasma cantando para a família é um pouco disso que você falou. É o papel da música, da arte, dessa tentativa de não perder a dimensão poética da vida. De que a música conduz a uma possibilidade de vida, de esperança, de teletransportar…

Não só a arte, mas o afeto, a chegada dele, o encontro com a família é o que move aquela pessoa. O dinheiro é só uma maneira de sobreviver, mas o que faz o coração bater é a arte, o afeto. A dança tem uma coisa anterior que é o grito de desespero, a expressão de cansaço. A arte atravessa esse clipe de diversas maneiras.

No fim, com a cena dele sonhando ali… a minha ideia com o diretor era tentar deixar em aberto algumas coisas. Primeiro, deixar em aberto se ele ainda era professor ou não, porque isso não se fala né. Tudo pode ter sido um sonho com uma família, talvez ele possa ser uma pessoa solitária… não sei. Deixamos em aberto coisas para as pessoas imaginarem.

TMDQA!: Por fim, sabendo dessa sua relação forte com o audiovisual também, como você imagina as primeiras apresentações presenciais do disco? Já pensa em utilizar projeções ou algum outro recurso?

Rafa Castro: Eu estou sonhando com a vacina primeiro (risos). Sendo realista, eu tenho tentado sonhar em camadas… como não tem uma possibilidade tão aos meus olhos. Então para não me gerar muita ansiedade, eu tento construir uma coisa de cada vez. Eu sonho todos os dias com os shows, mas não consigo imaginar ainda. Sinto que ainda preciso contar muitas histórias sobre essas músicas..

Eu não sei como vai ser realmente, mas com certeza eu quero que o cinema esteja presente dentro dessas apresentações. Preciso pensar mais sobre quando isso estiver ao alcance dos olhos. Eu ainda quero produzir outro clipe para esse disco… tem coisas que estão mais latentes agora… até as coisas se encaminharem para um processo presencial.

Eu acho que a gente está tão sedento pra assistir um show… Vai ser tão potente, a presença de pessoas no palco, com luz bonita, com som bom, que isso por si só já vai ser arrebatador. As camadas que virão, como projeções, ou coisas que vão somar, vão potencializar muito, mas assim, a presença de alguma figura no palco, cantando, e a voz ressoando nas caixas de som… já vai ser motivo de emoção tremenda por alguns bons meses.

Confira o curta-metragem de Teletransportar abaixo.

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