Tina Bell
Foto por Scotty Ledgerwood (via Zora)

NirvanaPearl Jam, Alice in Chains, SoundgardenStone Temple Pilots, Screaming Trees… o que todas essas bandas têm em comum? Além de serem ícones do movimento Grunge, todas são compostas majoritariamente por homens brancos.

Isso não é uma exclusividade dos grupos citados acima. Todo o movimento que dominou os anos 90 foi muito associado a jovens homens brancos, com suas camisas de flanela e suas músicas que misturavam de forma majestosa os sentimentos de raiva, tristeza e conflito que permeavam suas vidas.

Mas quem influenciou tudo isso foi uma mulher negra, a vocalista Tina Bell, do Bam Bam. Formado em 1983, o grupo tinha raízes no Punk e era sem dúvidas um dos nomes mais marcantes da época com sua sonoridade única que serviria como base para tantas outras bandas — afinal de contas, a grande maioria dos artistas Grunge tinham alguma relação com o Bam Bam.

Matt Cameron (Soundgarden, Pearl Jam), por exemplo, foi baterista da banda logo no ano de sua formação, na escalação que era completada pelo marido de Tina, Tommy Martin, nas guitarras e pelo baixista Scotty “Buttocks” Ledgerwood.

Rumores dizem que Kurt Cobain (Nirvana), chegou a ser roadie da banda, e muito se fala como um dos grupos mais influentes da região, Melvins, abriu apresentações para o Bam Bam. Vale lembrar que muita gente diz que Kurt também teria sido roadie dos seus ídolos, mas o líder do Melvins, Buzz Osbourne, teria desmentido isso.

De qualquer forma, outros membros de Pearl Jam e Alice in Chains eram figurinhas carimbadas nos shows de Tina e companhia, que arrastavam multidões de músicos influentes para bem perto do palco.

Além disso, a banda Bam Bam é considerada como a primeira a gravar no lendário estúdio Reciprocal Recording, onde o Nirvana viria a trabalhar em demos para os discos Bleach e Incesticide.

Lá, Tina Bell e sua trupe gravaram o EP Villains (Also Wear White), de 1984, lançado meses antes do primeiro EP do Green River, grupo que é normalmente chamado de “inventor” do Grunge.

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Tina Bell, racismo, machismo e as origens do Grunge

Acontece que Tina Bell não era nada do que a mídia queria vender na época como a imagem do Grunge. Em entrevista com o Zora, Scotty Ledgerwood conta como a vocalista “já tinha tudo que eles queriam”, inclusive “um espírito Rock and Roll mais verdadeiro do que praticamente todos os caras da cidade”. Ele resume:

Tudo que eles tentavam fazer, ela era naturalmente.

Mas, nos shows, mesmo em meio às apresentações históricas que movimentavam a cidade, Bell era constantemente vítima de ataques racistas. Ledgerwood se recorda de “alguns skinheads” se referindo a ela com termos ofensivos, o que inicialmente servia como combustível para a cantora:

Por algum motivo alguns skinheads estão ali na frente, chamando ela [da ‘palavra com N’]. E de repente, a Bell pega um estande de microfone e começa a balança-lo pela sua cabeça como se fosse um laço. […] Ela balançou aquela porra em volta da cabeça e quando chega na quarta vez, ela bateu naquele filho da puta. […] Ela acertou aquele merda bem na têmpora da cabeça. Partiu como se fosse um melão. E o outro cara do lado dele também recebeu isso, eles caem, e nós ficamos tipo, ‘Que porra foi essa?’.

A apresentação continuou e acabou sendo o “show mais impactante da carreira” dos músicos, em uma incrível demonstração de resiliência. Mas, infelizmente, até mesmo as pessoas mais resilientes têm seus limites.

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O fim do Bam Bam

No final dos anos 80, o Bam Bam chegou a fazer uma turnê internacional e ganhar uma certa notoriedade, mas o fim de seu relacionamento com Martin e a situação exaustiva de forma geral fizeram com que Tina “sumisse” em 1990 e abandonasse o grupo. O baixista explica o que aconteceu:

Ela simplesmente tinha tido o suficiente. Por quase oito anos ela tinha quase que literalmente se eviscerado pelo público. […] Às vezes você precisa ser meio babaca para se proteger. E a Bell não era lá uma grande babaca. Ela era uma pessoa de coração puro e que tinha muita dificuldade em acreditar que as pessoas não conseguiam aceitá-la por algo tão estúpido como a sua raça.

A partir daquele momento, a vocalista se ausentou completamente de tudo. Seu filho com o guitarrista Tommy Martin, o diretor ganhador de Oscar TJ Martin (Undefeated), acredita que isso aconteceu por ela ver que o gênero que ela ajudou a fundar estava rendendo milhões e milhões de dólares para algumas bandas enquanto ela continuava presa ao underground, sem seu devido reconhecimento.

Tina Bell: apagada da história do Grunge

Dizer que Tina Bell foi esquecida é uma injustiça. A cantora foi apagada, deletada da história a não ser por uma camiseta que Matt Cameron usou na capa do disco Anthology: the Complete Scores, lançado pelo Pearl Jam em 2017.

Apesar disso, Cameron foi, de certa forma, parte do problema. O baterista passou a ser praticamente o único motivo pelo qual o Bam Bam era lembrado, como aconteceu no documentário Everybody Loves Our Town. Por lá, o autor diz inclusive que a banda era instrumental e destaca a presença de Matt na bateria, simplesmente deletando Bell da história.

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Pearl Jam na capa de Anthology: the Complete Scores

Ledgerwood se pergunta como isso é possível, tentando manter aberta a possibilidade de que o apagamento não teria sido totalmente intencional:

Como diabos ele poderia ter uma lembrança de quão ótimos eram o Bam Bam e seu baterista, e não [lembrar] dessa mulher inacreditavelmente bela, que incendiava, essa deusa explosiva do Rock and Roll?

Mesmo que ele achasse que ela não era boa, não se lembrar da única mulher negra em toda a porra da cena é… bom, é como aquela velha piada sobre os anos 60: se você acha que esteve em Seattle nos anos 80, na cena Grunge, e você não se lembra da Tina Bell e do Bam Bam, então provavelmente não estava naquela porra de lugar.

Justamente por isso, o baixista acredita que Tina morreu por conta de um “coração partido”. Seu falecimento, aliás, foi em 2012 — anos antes de Cameron finalmente fazer algum tipo de homenagem ao seu legado — e teve como causa oficial uma cirrose hepática depois de anos lidando com o alcoolismo e a depressão.

Aos 55 anos de idade, Tina faleceu cerca de duas semanas antes de ter seu corpo descoberto, em mais uma prova de como ela realmente estava totalmente isolada e esquecida. E, infelizmente, parece que ela mesma escolheu permanecer assim depois de uma vida de decepções.

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De acordo com seu filho, ela jogou fora — sem a ciência da família — todos os seus pertences, incluindo letras, poemas, diários, músicas, vídeos e quaisquer outras lembranças do Bam Bam. Quando faleceu, Tina Bell tinha em sua posse apenas um aparelho de DVD, um pôster e uma cadeira.

Além, é claro, da dor de ter sido pioneira em um dos movimentos mais importantes do Rock and Roll e não ter sido reconhecida nem mesmo por aqueles mais próximos. Você pode conhecer mais sobre o Bam Bam ouvindo o catálogo todo da banda no Spotify.

Vale lembrar ainda que a publicação Zora, especializada em histórias incríveis de mulheres negras, tem um artigo em inglês a respeito da história de Tina Bell — citado acima como fonte para a entrevista de Ledgerwood — e você pode acessá-lo na íntegra por aqui.

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