O período da pandemia mexeu com todos os alicerces do mundo e mostrou a música como um dos grandes fatores que ajudou a manter a sanidade nos períodos de isolamento social e isso não foi diferente para o cantor e compositor Rafa Martins.

Se para o público os shows através das lives foram uma válvula de escape, para os artistas a privação das turnês trouxe consequências brutais, mas também períodos de inspiração e muita criação.

Esse período forçado se mostrou exatamente assim para Rafa, conhecido por seu trabalho como vocalista, compositor e guitarrista nos últimos dez anos com os Selvagens à Procura de Lei.

Durante o primeiro lockdown no ano passado, com a paralisação da turnê da banda que havia acabado de lançar o quarto disco Paraíso Portátil, Rafa retornou de São Paulo para Fortaleza e usou o período de reclusão em que nos encontrávamos para dar vida a uma série de composições que acabaram por virar um disco solo.

Nos últimos dias conhecemos o primeiro resultado dessa fase inspirada de Rafa através da ótima “Barco no Seu Mar” que foi escolhida pra ser o primeiro single.

A faixa traz linhas super agradáveis de um folk bem embalado no violão na companhia das vozes de Marina Brasil, namorada do cantor, que fez sua estreia em grande estilo no mundo da música dividindo os ótimos versos da canção.

A música ganhou um belo vídeo clipe em plano sequência e os próximos singles já estão no calendário do planejamento de Rafa para serem lançados, assim como o disco na íntegra.

Batemos um papo com o cearense que faz parte de uma das bandas mais importantes da geração e que já nos deixou com um gostinho de ansiedade para ver os próximos passos dessa empreitada que começou com o pé direito.

TMDQA Entrevista Rafa Martins (Selvagens à Procura de Lei)

TMDQA: Olá, Rafa, sempre bom ter você por aqui! Vamos começar com a curiosidade de saber quando começou a decisão de dar vida a mais um projeto na sua carreira, dessa vez única e exclusivamente com a sua visão artística?

Rafa Martins: Não foi algo que eu pretendia fazer ou tinha desejo, pelo menos não agora, mas aconteceu. Com a pandemia, saí de São Paulo com a Marina e vim passar um tempo em Fortaleza, afinal os shows da banda tinham sido cancelados e não havia previsão de retorno das nossas atividades na estrada. Nessa minha vinda pra Fortaleza, as únicas coisas que trouxe foi meu violão, interface de áudio e meu computador. A única coisa que me restava naquele momento era compor, fazer musica, produzir, meio que foi a saída que achei pra não me entregar ao pessimismo e angústias que esse momento tao desafiador trouxe pra todos nós. Chegou num momento em que eu me vi com muita música, tinha feito 23 em 2 meses, todas elas eram esquema voz e violão, bem na onda do folk que eu tava ouvindo bastante. Percebi que tinha um material ali que tava vivo, forte e além disso tava ativando muitas coisas boas na minha essência como compositor. Fazia tempo que não tinha tido tanto tempo livre pra compor de forma despretensiosa, sem esperar nada em troca, apenas fazer música como eu gostaria naquele momento. Daí comecei a mostrar as músicas pra poucos amigos próximos, só pra compartilhar esse meu laboratório, e essas pessoas foram me encorajando a gravar, registrar, porque aquelas músicas tinham tocado elas. Um deles foi o Paul Ralphes, produtor do último disco dos Selvagens e que virou um grande amigo e conselheiro. O Paul foi um dos que me encorajou muito e disse que eu tinha que gravar aquele material porque estava muito bom. Encarei como um bom motivo pra botar o projeto pra frente, porque ele me conhece musicalmente e soube ali decifrar uma nova faceta minha como artista, compositor. Nas palavras do Paul, minhas musicas são “aesthetics” haha. Curti.

Ao longo do processo fui aceitando e me descobrindo como “solo”, demorou meses pra eu me colocar nesse papel, mas é isso que tem acontecido desde então. Tenho pra mim que esse disco é o inicio de uma carreira solo.

TMDQA: Creio que o processo de “um novo início” seja um bom desafio para quem passou quase metade da vida dedicado apenas a carreira com os Selvagens à Procura de Lei. Quais as principais diferenças dos processos criativos das suas músicas em carreira solo e o processo de criação que envolve a banda?

Rafa Martins: É tudo muito, mega diferente! A liberdade é maior, mas os riscos também. Agora sou eu comigo mesmo, tenho que tomar decisões que somente eu vou conseguir tomar e assumir as consequências disso sozinho. No meu disco por exemplo, assumi o desafio de compor tudo, produzir tudo, gravar todos os instrumentos e participar da mixagem, etc, etc. Foi um processo solitário, mas que eu me divertia muito sozinho mesmo. Na banda tudo isso se dilui muito, porque é um grupo, tem a amizade no meio, os integrantes se dividem e se ajudam a pensar e realizar. Sem falar que na banda a opinião final é a opinião dos 4. Acho que sempre lidei bem em estar num grupo, contribuir com minhas ideias e fazer as coisas acontecerem, mas de certa forma eu me reconheço muito como compositor e pra quem faz parte de banda e compõe, sabe que muito do seu material vai ficar na gaveta ou esperando uma oportunidade pra musica ser gravada, etc. Tanto que no disco tem 2 músicas que não entraram em disco e foram pra gaveta. Possivelmente nunca iriamos gravá-las por não se encaixarem no formato da banda.

TMDQA: Barco no Seu Mar tem um refrão muito cativante e uma letra de muitas reflexões, é isso mesmo? E sobre o resto do disco, qual a pegada dele?

Rafa Martins: Pode ser, é isso que as pessoas tem vindo me falar mesmo! Os versos meio que flutuam entre o escapismo x realidade e o refrão chega com uma mensagem de apoio/companheirismo pra encarar tudo isso. Quer dizer, conta a minha história na quarentena. O disco em geral tem sim essa pegada de letra feita em isolamento, mas não quis aprofundar diretamente isso e deixar que ele vire uma obra datada, marcada por esse momento. Tanto que a escolha do repertorio eu fiz pensando nisso e muitas outras músicas ficaram de fora, propositalmente ou não, por conta disso.

O disco vem com músicas puxadas pelo violão, as guitarras estão totalmente em segundo plano, apenas floreiando e dando o brilho. Tem musica só voz e violão, outras muito arranjadas, outras com beats, outras com duetos. Muita coisa diferente, mas todas conversando entre si. Acho que por isso o Paul chamou de “aesthetic”!

TMDQA: Você acabou promovendo também a estreia da sua namorada Marina Brasil que participa com você cantando no single. A Marina estará presente em outras faixas? Como se deu a ideia de se juntar a ela no primeiro single?

Rafa Martins: Foi muito legal a forma como aconteceu, porque não foi nenhum pouco forçada. Acontece que a Marina canta o dia inteiro, desde que a conheço ela gosta de cantar e isso vem de família, porque a avó e a mãe são do mesmo jeito. Dai o que rolou foi que enquanto eu tava compondo “Barco No Seu Mar” ela tava do meu lado, ouvindo e acompanhando. Eu ia cantando baixinho, escrevendo, revendo os acordes e tudo, e ela ia cantando junto no refrão, acompanhando de forma distraída, olhando o celular. Mal sabia ela que eu tava ligado ali e depois de uns dias essa cena se repetindo eu perguntei se eu podia gravar a voz dela pra colocar na sessão da musica. Dei uma leve mixada ali e quando fui ouvir, senti algo novo, foi bom demais. Senti uma força, talvez por que a música tenha essa temática de casal, quarentena, e ela é quem tava do meu lado, então meio que quando a voz dela entrou a letra ganhou uma vida muito grande, transcendeu o texto. Ela canta em outra música, que deve ser o último single antes de lançar o álbum e, segundo os amigos que ouviram o disco, uma das musicas mais legais do álbum!

TMDQA: O clipe em plano sequência de Barco no Seu Mar chama atenção pela beleza do cenário e pela dificuldade que aparenta ao necessitar de ensaios e uma pré-produção detalhada. Como se deu o processo de gravação?

Rafa Martins: O vídeo tem esse poder de criar uma narrativa e trazer questionamentos como “pera, como eles fizeram isso?”. Mas, sendo bem sincero, não foi extremamente planejado e ensaiado. Eu tinha a ideia desde o início de fazer um clipe em plano sequência de Barco e aí quando contei pro Dário Matos (diretor) ele falou “beleza, mas pra isso a gente vai precisar de uma locação muito incrível, que dê pra câmera passear a vontade e criar uma história” daí na mesma hora veio a casa da minha avó. Sim, essa casa é da minha avó, onde cresci e tenho total familiaridade com todos os cômodos. O Dário sabiamente convidou o Felipe Pinto que dividiu a direção e fez a câmera. Só que detalhe… conheci o Felipe na noite anterior à filmagem! Então assim, foi algo que eu sabia que ia dar certo, mas ao mesmo tempo não sabia. Fizemos oito takes e o sétimo virou o clipe. Os ensaios foram durante a filmagem e tudo foi feito em uma tarde.

Quando vimos depois nem acreditamos, conseguimos!

TMDQA: Mesmo sem poder traçar tantos planos em relação a volta dos shows, o que você tem imaginado com a sua carreira solo quando tudo finalmente voltar ao normal?

Rafa Martins: Quero fazer shows, mostrar as músicas ao vivo, elas têm força de palco. Quero continuar produzindo, lançando músicas. Quero que as músicas cheguem longe. Quero que o projeto continue sendo um laboratório de criatividade e expressão artística e sempre com leveza. Pra mim é muito natural, porque todo dia eu penso em música, faço música, componho, produzo. A caminhada já tem sido muito prazerosa.

Aonde vou chegar com tudo isso? Não sei, mas já me sinto realizado.

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