Juliana Linhares
Foto por Clarice Lissovsky

Integrante dos grupos Pietá e Iara Ira, Juliana Linhares é uma “nordestina retirante”,  vivendo no Rio de Janeiro desde 2010. A trajetória solo de Juliana Linhares começou ainda
em 2020, com o Perdendo o Juízo, após a artista descobrir que teria de tirar os quatro
dentes do siso numa única vez.

Depois do experimento solo nas três canções do EP, Linhares decidiu dar um mergulho maior, desta vez com o ótimo álbum Nordeste Ficção, que chega com direção artística do jornalista Marcus Preto e produção musical de Elísio Freitas.

Em 41 minutos de audição, é possível atravessar as localidades e momentos históricos diferentes dentro da ideia imaginária que muitos têm do Nordeste, desde o símbolo de cactos do sertão até as entranhas deste nordestino que carrega resiliência em suas veias.

Conforme as canções se desenrolam, é possível perceber a celebração, a narração das dificuldades e as homenagens aos clássicos de décadas anteriores. Logo na segunda faixa, Juliana “Eu não posso mudar o mundo, mas eu balanço o mundo”, e este é apenas o começo do disco.

Além das releituras dos clássicos e dos estereótipos, a arte, ou melhor, a ficção deste disco, se apresenta como uma forma de manifesto, não apenas pela possibilidade que traz ao apontar críticas sociais, mas também pela capacidade de terminar em ritmo de folia, apresentando um ciclo que pode terminar de maneira esperançosa, com outros finais possíveis.

Conversamos com a Juliana sobre sua trajetória solo e seu disco de estreia. Confira abaixo!

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TMDQA!: Depois que você “Perdeu o Juízo” com seu EP do ano passado (seu primeiro trabalho solo) veio o disco?

Juliana Linhares: Eu sou uma pessoa que vai abraçando as oportunidades enquanto estou fazendo, a minha vida sempre foi assim. Eu já estava com vontade de fazer esse disco há alguns anos, mas aí eu fui adiando, até que veio a pandemia, e aí eu disse pra mim mesma “acho que chegou a hora de não adiar mais o meu disco”.

Eu comecei a produção do disco e nisso eu recebi um convite de uma aceleradora de mulheres (Pólen Aceleradora), que queria fazer um lançamento de 5 EPs de mulheres do RN produzidos por outras mulheres.

Eu disse sim, só que foi uma loucura… mas foi um processo de aprendizado. Parece que foi um ensaio doido pro disco.

TMDQA!: Desde o EP, você se assumiu como uma compositora, mas não tem uma faixa no disco que seja assinada apenas por você, sozinha. Isso foi proposital ou acabou acontecendo espontaneamente?

Juliana Linhares: Eu sou uma pessoa que vem do teatro, e o teatro tem uma visão do colaborativo muito forte, eu tendo a incluir pessoas quase sempre nos meus processos. Tem algumas canções do disco que são muito minhas, mas em um determinado momento eu quis dividir pra gente ver o filho crescer junto. E também tem um lado de uma
compositora muito insegura, muito jovem.

Eu confesso que em algumas canções eu tava indo bem, mas eu sentia que precisava de apoio… e que bom que tive. Eu tive muita força pra um primeiro disco, isso me deixou mais segura do que se eu tivesse lançado tudo sozinha.

TMDQA!: Ainda nessa parte das composições, o Chico César assina duas faixas neste disco, mas a colaboração entre vocês começou ainda em 2015, no primeiro disco da Pietá. Conta um pouco dessa relação de parceria entre vocês.

Juliana Linhares: Chico faz parte da minha vida de várias formas há muitos anos. Na época do Pietá, o Chico era uma escolha muito das três cabeças, pra mim era muito legal ter alguém dividindo sotaque comigo numa banda carioca. E aí agora, ano passado, fiz um espetáculo com a trilha inédita toda do Chico, aquilo me inspirava muito. Fiquei com ele presente na cabeça depois de muito tempo, aí eu pensei “será que ele não topa fazer uma
música comigo? Ele faz tanta…”

Dito e feito. O meu diálogo com o Chico ultrapassa a canção e vai para as nossas conversas mesmo.

TMDQA!: Você é um tipo de cantora que tem uma presença de palco muito forte, você vem do teatro, tem uma interpretação muito forte também. Como foi lançar um disco sem ter essa etapa do processo?

Juliana Linhares: É horrível em todos os sentidos. É ruim porque o corpo perde treino, vai ficando triste, desacostumado, ao mesmo tempo dá uma ansiedade do retorno. A energia do palco é de cura, equilibra minha cabeça. Tô sentindo falta de outras vivências menos virtuais, mas ao mesmo tempo eu não consigo me afastar do virtual agora, eu acho que é uma linguagem que precisa ser explorada pra gente continuar vivendo.

TMDQA!: O disco parece ter duas “vertentes” diferentes. Tem horas que repagina clássicos, como “Tareco e Mariola” (do Petrúcio Amorim) e outras que “ressignifica” estereótipos de instrumentos/melodias.

Dentro disso, o que você diria que é mais trabalhoso ou desafiador? Repaginar um clássico? Ou “ressignificar” um estereótipo? (Por exemplo, uma pessoa que escuta a sanfona do Mestrinho em uma das faixas, repensa o estereótipo que tinha em mente até então desse instrumento)

Juliana Linhares: Eu acho que quando você pega um clássico e tenta colocá-lo de uma
forma diferente, acaba juntando essas duas coisas. Você nunca imagina que uma música tem tanta possibilidade, tanto caminho. A música não é “a música regional” ou a música do Nordeste, ela é a música. E aí quando você pega uma música dita regional, e você vai ali e desconstrói, você atinge uns ouvidos que estão mais contemporâneos, mais acostumados com a sonoridade de agora, e você faz eles olharem pra um clássico de uma forma diferente.

Eu queria a desconstrução do estereótipo, mas não queria abandonar o que a gente tem do Nordeste, e negar aquilo como uma coisa inferior ou equivocada, porque não é sobre isso. Então, ao mesmo tempo que eu queria desconstruir, eu também queria abraçar.

TMDQA!: A ideia então não foi desconstruir estereótipos, mas sim no sentido de atentar as pessoas para essa discussão começar a ser pensada?

Juliana Linhares: É tipo assim, “vamos começar? Vamos abrir um pouquinho essa fresta?” E aí a gente vai numa rede enorme e plural, assim como Durval Muniz (no livro “A invenção do Nordeste e outras artes”) queria, que através das artes (e não da minha música, mas através de tudo), a gente olhasse pra essa questão e fosse reinventando outras versões de Nordeste.

Eu acho que o disco consegue trazer essa discussão à tona e abrir um pouco a cabeça das pessoas pra isso. Mas voltando à questão, eu não sei o que dá mais trabalho, eu acho que o que dá mais trabalho é a ponte, de não cair num lugar de “nariz empinado”;
nem abandonar aquilo que já existe.

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TMDQA!: O disco abre com a frase “Não quero ir pra Marte, quero ir pro Ceará” e durante a audição realmente passamos por uma trajetória. O trabalho traz vários elementos à tona, e na última faixa termina em ritmo de folia. Pensando nos dias caóticos que vivemos hoje, você diria que o disco termina como uma espécie de final feliz, assim como vemos nas ficções?

Juliana Linhares: É uma tentativa de terminar pra cima, é completamente pensado aquilo ali. Era o meu desejo de quando chegasse no fim do disco você terminasse sorrindo. É a sensação que a gente precisa, tá muito difícil.

O “Frivião” pra mim era uma mistura de protesto com um carnaval de Olinda, do frevo. Eu queria que as pessoas acabassem o disco com a lembrança e a memória ativada da rua, da rua como liberdade, da rua como grito, da rua como alegria. Dessa lembrança de vida que a gente precisa continuar querendo. Além de toda a ideia da questão do Nordeste, mas de vida mesmo.

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