Baio

Por Nathália Pandeló Corrêa

Chris Baio é, normalmente, um homem ocupado. Entre ser baixista do Vampire Weekend, o lançamento de um EP do CYM – seu projeto experimental de krautrock com o produtor britânico e DJ Mike Greene (aka Fort Romeau) -, e o podcast The Road Taken, onde divide os microfones com o companheiro de banda Chris Tomson e entrevista músicos em turnê, ele agora chega ao terceiro disco solo. Dead Hand Control foi lançado no início de 2021 como um balanço agridoce do estado do mundo. Diante do caos, Baio convida a se apegar ao que é possível controlar: as nossas atitudes e como lidamos com as pessoas à nossa volta.

Isso não quer dizer que Chris Baio esteja alheio ao que acontece no mundo lá fora. Aliás, está acompanhando as notícias sobre o Brasil ao longo dos últimos anos e até se interessa pelo mercado editorial daqui.

Não sem motivos, já que sua esposa, Scarlett Peckham, é escritora bem sucedida, com dois livros publicados no país pela editora Arqueiro: “O Duque Que Eu Conquistei” e “O Conde Que Eu Arruinei”. Ele cita os títulos com um misto de curiosidade e orgulho: “Ela dá mais entrevistas para o Brasil do que eu”, conta.

Gravado ao longo de 18 meses nos 13 estúdios de Damon Albarn em Londres, assim como com seu pessoal na C+C Music Factory – os dois Cs fazem referência aos proprietários, Chris Baio e Chris Tomson -, em Los Angeles, Dead Hand Control leva o nome de um suposto sistema de mísseis soviéticos projetado para destruir os EUA (“Dead Hand”), e uma estratégia legal para tentar controlar os beneficiários de seu testamento após sua morte (“Dead Hand Control”).

Baio escreveu todas as canções do álbum, com exceção de “O.M.W.”, a balada final de quase 10 minutos escrita em colaboração com Ezra Koenig, também do Vampire Weekend. O álbum apresenta um pequeno elenco de colaboradores ecléticos, incluindo o guitarrista George Hume, o baterista Robby Sinclair, Buzzy Lee do Future Classic e a integrante da turnê Greta Morgan, no vocal de apoio. O álbum foi gravado por John Foyle, e mixado por Lars Stalfors (St. Vincent, Still Woozy). A música eletrônica tão presente nos primeiros EPs ganha outras inspirações aqui: techno, o art rock e uma pitada de funk.

Dead Hand Control traz um Baio mais leve, menos ansioso. A preocupação palpável de Man of the World, o álbum anterior, deu lugar à serenidade de quem sabe que não detém os códigos nucleares que poderiam arruinar o mundo ou a caneta que poderia assinar tratados ambientais e salvá-lo.

O artista conversou com o TMDQA! direto de sua casa, em Los Angeles, sobre esse atual momento, seus quase 10 anos de carreira solo, o que anda ouvindo e mais. Confira abaixo:

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TMDQA!: Oi Chris, como você está? Na Califórnia, certo?

Chris Baio: Estou sim. Estou em Los Angeles agora. Vou levando bem. Está um pouco diferente psicologicamente… Não é necessariamente algo positivo que a gente está nessa há um ano, acho que fez aniversário uma semana e meia atrás. Mas eu sinto que a gente vai sair dessa, que a pandemia vai caminhar para um fim. Posso imaginar um mundo onde eu posso ir ouvir música ao vivo de novo, o que não era o caso há um ano atrás. Me considero sortudo porque estou saudável e posso ficar em casa, seguro e tudo isso.

TMDQA!: Nossa, imagino. Pra nós ainda não há uma luz no fim do túnel, ainda falta vacina…

Baio: Achei que o Brasil estava produzindo muitas vacinas, não?

TMDQA!: Não é bem assim, conseguimos produzir uma quantidade, mas não na velocidade necessária atualmente.

Baio: Sinto muito por isso.

TMDQA!: Enfim, vamos falar de coisa boa (risos).

Baio: Isso, vamos! (risos)

TMDQA!: Então, eu estava te stalkeando no Instagram mais cedo e fui ver que você postou sobre a masterização do disco ter ficado pronta uns 8 meses atrás ou mais. Você ficou aguardando um momento mais tranquilo por conta da pandemia, ou foi só trâmite de gravadora que fez levar mais tempo? Queria só saber se teve um momento que você falou “foda-se, vamos ficar em casa mesmo, pelo menos teremos música como companhia”.

Baio: (risos) Olha, eu acho muito empolgante e muito legal que tantos artistas estão fazendo discos na quarentena e os lançando – discos que nem existiriam normalmente estão saindo. Eu achei incrível que a Taylor Swift lançou não um, mas dois discos que ela compôs e gravou no último ano.

TMDQA!: E ainda ganhou Grammys por isso.

Chris: Exato, acho incrível. Nick Cave e Warren Ellis lançaram um disco muito incrível mais ou menos um mês atrás que fizeram em quarentena, super rapidamente. Se chama Carnage e eu amei, estou ouvindo muito. Mas eu não sou assim. Eu não consegui fazer nada no início do isolamento. Eu não conseguia focar em fazer música. Não conseguia focar em escrever canções ou qualquer outra coisa. Na verdade, eu terminei esse disco – escrever todas as letras, gravar todos os instrumentos e vocais, em janeiro de 2020. Então eu não sabia nada sobre Covid, sobre como seria minha agenda. Eu achei que estaria em turnê durante a primavera e tudo mais.

Eu terminei, levou um tempinho pra mixar e masterizar, então acabou tudo no fim de julho. Acontece que com as minhas músicas e os meus álbuns solo, já notei que é melhor dar um tempo pra gravadora organizar o lançamento e eles conseguirem trabalhá-lo. Não estou em um lugar com meu material solo em que eu posso simplesmente soltar um disco (risos) – até gostaria de estar, imagino que seja bem legal, mas não é o caso. Pelas minhas contas, eu faria turnê até outubro do ano passado. Então quando terminei o disco, eu pensei “ok, quero finalizar tudo e ter um tempo para o lançamento, então posso lançar em janeiro de 2021 e fazer a turnê”. E obviamente não dá pra fazer isso agora, mas esse sempre foi o plano. E é muito louco porque um milhão de coisas mudaram na minha vida, na vida de todo mundo, no último ano, mas é louco que o meu disco saiu exatamente quando eu queria que saísse, que é janeiro desse ano. É meio engraçado.

TMDQA!: Nossa, realmente. Mas eu estava pensando que é difícil não notar o quão diferente é o seu som solo dessa pequena banda chamada Vampire Weekend, especialmente levando em conta seus primeiros EPs. O seu trabalho solo seria uma válvula de escape pra tudo que você deseja expressar, mas não seria possível num contexto mais coletivo?

Baio: Sim, 100%. Adoro essa pergunta, é ótima. Acho que se eu estivesse completamente satisfeito e achasse que tudo que eu quisesse expressar e explorar musicalmente eu pudesse fazer tocando baixo na banda, eu não sentiria que precisasse fazer outras músicas. Pra mim, o começo dessa intenção de ter um projeto solo é que eu amo ser DJ, amo música eletrônica há uma boa parte da minha vida. Eu tocava como DJ e começava a imaginar o tipo de música que queria tocar e a partir de certo ponto não há como voltar atrás, é tipo, “Ok, eu sei que tipo de música quero fazer”. E se eu sei como a música deve ser, eu preciso fazê-la.

Eu comecei a compor músicas pela primeira vez em muito tempo. Escrevi uma canção em 2012, quando já fazia 9 anos que eu não escrevia ou cantava nada – eu compunha umas músicas horríveis, muito vergonhosas quando era adolescente (risos). Mas em 2012 escrevi uma canção chamada Sister of Pearl e fiquei tipo “certo, amo essa música, sinto que preciso jogá-la no mundo. Preciso terminá-la. Preciso fazer um disco e lançá-la”. Acho que o objetivo de qualquer pessoa que faz música ou um disco é que ela consiga se manter de pé sozinha, encontre seu próprio público, que as pessoas se conectem com ela e se sintam menos sozinhas passando um tempo com ela. Pra mim é algo que sinto que preciso expressar, preciso compartilhar.

TMDQA!: Falando em colocar sentimentos no mundo, sei que seu último disco foi um produto de seu tempo, no sentido de que refletiu a política turbulenta, desde o Brexit até a eleição americana de 2016. Esse também é, mas de certa forma, é mais leve. As músicas e os clipes chegam até a ser engraçados. Não sei o quanto você acompanha de notícias, mas aqui no Brasil podemos nos identificar muito bem com essa temática de turbulência política…

Baio: Ah, eu sei, eu acompanho as notícias sim.

TMDQA!: Então você sabe como é! Mas minha pergunta é: como escrever a partir do caos e não deixar todas as músicas pesadas e sem esperança?

Baio: Bom, acho que você já citou na sua pergunta, mas o meu segundo disco, “Man of the World”, foi feito muito rapidamente. Eu estava morando em Londres na época, e estava lá quando o plebiscito do Brexit aconteceu e eu me senti muito deprimido, muito triste e estranho por ser um estrangeiro privilegiado morando em um país que tinha acabado de votar contra seus próprios interesses por não gostarem de estrangeiros e outros. E obviamente veio a eleição presidencial americana, então eu escrevi todo o disco e gravei em mais ou menos seis semanas. Estava reagindo a algumas coisas, então tem algumas músicas bem específicas, tipo uma sobre mudanças climáticas, outra sobre política reacionária, enfim, eu estava reagindo a eventos muito específicos. E não é um disco pra cima. Até tem algumas músicas alegres, mas no geral é um disco ansioso.

Estava me sentindo extremamente ansioso sobre a direção que o mundo ia – o que não significa que não havia motivos para estar ansioso antes disso, ou que o mundo fosse perfeito. Aí 2016 aconteceu, então a direção que íamos me trazia muita ansiedade. Então depois de fazer esse disco, que foi muito reativo e muito muito específico sobre meus medos, eu queria me rebelar contra isso e que o próximo álbum fosse sobre um mundo diferente. E pra mim é bem difícil definir qual é a emoção oposta. Por exemplo, feliz e triste são dois opostos perfeitos, mas qual é o oposto de ansioso? Acho que calmo seria uma possibilidade, mas eu diria que esperançoso é outra. Então eu queria fazer um álbum que fosse o oposto emocional do anterior, pegando ideias muito parecidas sobre a instabilidade das coisas. Eu nunca me preocupei na vida com armas nucleares até a última eleição presidencial, então me peguei pensando muito nisso, ficava imaginando o que aconteceria em uma situação extrema, se uma ogiva fosse acionada, se houvesse uma guerra assim.

E o que eu tentei fazer foi buscar algo esperançoso, que é o que eu consigo controlar como indivíduo. Eu consigo controlar como eu sou para as pessoas na minha vida. Consigo controlar como sou para minha família, amigos e minha comunidade, e essas questões globais, que existem arsenais que podem destruir o planeta, são coisas sobre as quais não tenho nenhum controle. Você pode ser bom com as pessoas à sua volta, então esse foi o tipo de processo que eu segui nesse álbum e como criei o conceito de Dead Hand Control. Não chega a ser um disco conceitual puro, as letras são principalmente sobre ser bom com as pessoas na sua vida ou em um nível individual. Essa é a mensagem de Endless Me Endlessly, Take if from me, Never, Never Never por exemplo, então tem esse conceito espalhado por todo o disco.

TMDQA!: Verdade, de certa forma aparece em todas as músicas. Agora, ainda sobre seu último disco, acho que dá pra dizer que você não é mais um “Man of the World”, no sentido de que, bem, continuamos em casa. Você chegou a fazer turnê com o Vampire Weekend pra promover Father of the Bride, o que deve parecer uma vida atrás. Então queria saber o que você tem em mente em termos de formato ao vivo. Sei que você chegou a fazer talk shows e tal, mas como você tá equilibrando o que dá pra fazer e o que não dá? Você comentou que o disco saiu exatamente quando queria, mas não deu pra fazer a parte da turnê que você tinha em mente.

Baio: É, o lance é que… estou em casa, com saudade de tocar ao vivo, mas é perfeitamente possível que eu não consiga fazer shows desse álbum, o que, sabe, aceito bem. Claro que eu preferiria tocar ao vivo, mas também acho que estamos todos com fadiga de isolamento – e esse talvez seja o eufemismo do século. Mas agora que estamos entrando no segundo ano disso, acho que dá pra dizer que no ponto em que estamos, apresentações remotas me deprimem. Todo mundo faz o que precisa fazer pra sobreviver, não estou julgando ninguém, se você faz lives no Instagram e isso traz algo de bom pra você e para os seus fãs, isso é lindo. Mas pra mim, se surgisse uma oportunidade, talvez eu até fizesse, mas na grande parte, não estou interessado em fazer essa coisa remota, sozinho em um quarto, cantando minhas músicas.

Dá pra olhar de duas formas, mas basicamente a música que mexe comigo, que me toca, me faz sentir menos sozinho. Me sinto menos sozinho nesse mundo quando ouço uma música que amo. Me sinto menos sozinho nesse mundo quando vou a um show com um bando de outras pessoas que amam música e estão lá comigo. Mas quando assisto apresentações remotas, me sinto mais sozinho (risos), porque sou lembrado do fato de que não há fãs, não há pessoas no mesmo cômodo. Eu tive a sorte de conseguir montar uma apresentação para o Seth Meyers e foi legal pra mim porque tive a companhia de vários amigos ao redor do mundo. Meu amigo George, que toca guitarra no disco, ele entrou tocando de Londres. Meu amigo Robin, que toca bateria no disco, tocou direto de Paris. Buzzy Lee e Greta Morgan, que cantam no disco, elas estavam em dois lugares ao ar livre. Um amigo em Nova Iorque e um amigo em LA tocaram… E pelo menos, com essa performance, me senti um pouco menos sozinho, porque você tem várias pessoas ao redor do mundo tocando a mesma música, e algumas delas nunca se encontraram. Mas para responder à sua pergunta, ficar excessivamente fazendo apresentações remotas e cantando sozinho num cômodo depois de um ano… Já estou cansado e não ia querer me assistir fazendo isso. Espero conseguir tocar alguns shows com esse disco, mas se não der, tudo bem. Espero que as pessoas consigam se sentir menos sozinhas ouvindo o álbum.

TMDQA!: Aliás, falando nisso, você e o outro Chris – CT – estão planejando um spin off do podcast, algo tipo “The Road NOT Taken”?

Baio: (risos) Não vamos fazer um “The Road Not Taken”, mas quando pudermos fazer turnê de novo, vamos fazer uma segunda temporada de “The Road Taken”. Estávamos falando sobre isso e sentimos falta. Acho que vamos fazer outra temporada desse programa. Talvez daqui a 1 ou 2 anos, vamos ver…

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TMDQA!: Também vi que você postou outro dia perguntando às pessoas que música estava trazendo consolo pra elas nesse momento difícil, então queria devolver a pergunta pra você: quais discos ou artistas têm te feito companhia no último ano?

Baio: O da Kelly Lee Owens, “Inner Song” – ela é uma excelente musicista eletrônica galesa, e eu amei esse disco. No meu primeiro álbum eu tentei equilibrar a parte vocal com a instrumental, porque eu amo música instrumental, e esse disco dela faz um melhor trabalho nesse sentido do que eu jamais poderia fazer na minha vida toda. Acho que é uma obra prima, amo esse disco. Também sou grande fã do álbum de Róisín Murphy, Róisín Machine. De novo, música eletrônica muito divertida, influenciada pelo disco e house. Esses são meus discos favoritos que saíram ano passado.

Adoro um novo duo de clássico instrumental, chamado A Winged Victory for the Sullen. Sou muito fã da música deles e lançaram um disco em 2019 chamado The Undivided Five, e quando eu estou em casa, gosto de botar uma música instrumental, fazer um chá, ficar lendo à noite, em especial quando está mais frio em LA, como agora. Fazer isso perto da lareira é basicamente a minha atividade favorita durante as noites de semana. Adoro a música que eles fazem e lançaram esse álbum que é meio trilha sonora, talvez duas ou três semanas atrás, então tenho ouvido esse, que tem sido bem divertido também. Essas foram as coisas que me ajudaram a seguir em frente nesse processo todo.

TMDQA!: Boa! Agora, se você pensar bem, ano que vem já faz 10 anos desde seu primeiro lançamento solo. Está planejando algo especial – talvez uma edição deluxe, algo assim?

Baio: Nossa, boa pergunta. É, meu primeiro EP – não o disco completo -, o Sunburn, está completando 10 anos. Não sei, não tenho nada planejado, mas deveria pensar nisso. Não havia me dado conta, mas ele saiu em abril de 2012. 10 anos lançando material solo, isso é louco… Realmente não tinha pensado em nada, mas agora que você falou, vou começar a pensar em alguma coisa, ainda tenho um ano pela frente.

TMDQA!: Quem sabe você não faz uma live no Instagram?

Baio: (risos) Verdade, vou fazer!

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TMDQA!: Nesses quase 10 anos, tem algo que você aprendeu sobre si mesmo nesse processo e que não fazia a mínima ideia quando começou?

Baio: Acho que o que eu mais aprendi em termos de lançar meu próprio material e divulgar música solo e fazer turnês… é que é preciso ser paciente, e que se algo não encontrar um público imediatamente, tudo bem. Me lembro quando meu primeiro EP, Sunburn, saiu, e eu ficava preocupado, pensando “as pessoas estão ouvindo? Alguém se importa?”. E até hoje as pessoas vem me falar que amam a música “Sunburn Modern”. Eu estava nervoso e ansioso em termos de lançar material solo porque naquela época já fazia parte de uma banda grande, então aprendi a ser paciente e calmo. E que lançar música para o mundo é algo belo e de muita sorte, então deveria ser divertido e não algo que te deixa preocupado. Então é isso que aprendi e amadureci nos últimos anos.

TMDQA!: Tá certo, Chris. Somos sortudos também de ter as suas músicas novas. Obrigada por seu tempo e quem sabe não te vemos aqui no Brasil no ano que vem?

Chris: Eu ia adorar!

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