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Foto por Lucas Lima / UOL

Em 2013, Tom Zé lançou Tribunal do Feicebuqui, um dos EPs mais geniais da década. O trabalho veio ao mundo em resposta à repercussão de sua locução para uma propaganda da Coca-Cola. Era a antecipação da cultura do cancelamento, tema tão presente nos anos que viriam.

Naquela ocasião, a voz das redes sociais e a distribuição de ataques tiraram o sono de Tom Zé, que então optou por doar todo o cachê que recebeu pelo comercial para a banda de música de Irará, sua cidade natal, no interior da Bahia. Em entrevista ao TMDQA!, que você confere mais abaixo, o músico falou sobre o seu julgamento digital e o apoio que encontrou em outros artistas.

Tribunal do Feicebuqui foi lançado meses após o ocorrido. O disco acabou repercutindo mais do que a própria peça publicitária, que muita gente só foi atrás depois de conhecer as músicas. No fim das contas, era a Coca-Cola quem estava fazendo propaganda do Tom Zé.

Oito anos se passaram desde então e o EP foi finalmente reeditado e chega às plataformas digitais com status de clássico contemporâneo da música brasileira. Essa é a primeira vez que as faixas são disponibilizadas em streaming. Na época de seu lançamento, o trabalho saiu em compacto de 7 polegadas e foi liberado para download gratuito, o formato mais popular daquele período.

Tom Zé e suas testemunhas no Tribunal do Feicebuqui

O disco uniu o veterano Tom Zé a artistas emergentes daquela geração, como Emicida, Tim Bernardes (O Terno), Marcelo Segreto (Filarmônica de Pasárgada), Gustavo Galo (Trupe Chá de Boldo) e Tatá Aeroplano. Trata-se, também, da estreia na música do então “apenas” jornalista Marcus Preto, que depois assinaria a direção de álbuns importantes de Gal Costa, Erasmo Carlos, Nando Reis e outros. A motivação para que os meninos se juntassem ao mestre tropicalista foi a repercussão da propaganda nas redes sociais.

Os ataques proferidos pelos internautas indignados com o comercial foram compilados, selecionados e os melhores resultaram em “Tribunal do Feicebuqui”, faixa que abre e batiza o EP. A compilação dos versos foi feita por Tatá Aeroplano, Gustavo Galo e Marcelo Segreto, a partir de uma ideia de Marcus Preto. Emicida entrou no jogo com a rima que colocou o ponto final, cunhando o termo “Tribunal do Feicebuqui”.

A segunda faixa, “Zé a Zero”, traz letra de Marcelo Segreto e música de Tom Zé e Tim Bernardes. Estudioso do universo tropicalista, Segreto escreveu os versos da canção citando músicas de diferentes fases da carreira de Tom Zé, como “O Abacaxi de Irará” [1972], “Xiquexique” [1997] e “Parque Industrial” [1968], entre outras.

Já Tim Bernardes, autor de “Papa Francisco Perdoa Tom Zé”, recorreu à personagem de “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso, para compor sua marchinha carnavalesca. O tema foi proposto por Tom Zé, que pediu a ele: “Você bem que podia escrever uma música pedindo ao papa para me perdoar”. Em 24 horas, música, letra e arranjo estavam prontos. A execução ficou por conta d’O Terno, banda de Tim Bernardes.

A última música do trabalho é “Taí”, um jingle que o próprio Tom Zé escreveu para uma campanha do guaraná homônimo, quando era contratado da agência de publicidade DPZ, no final dos anos 1970. A agência optou por não usar o jingle, pois achava que um rock seria mais adequado para vender o produto à juventude. Mais de 30 anos depois de criada, a versão de Tom Zé saiu da gaveta. Ganhou estrofes extras, compostas por Marcelo Segreto, e um arranjo no batidão do funk carioca executado pela Filarmônica de Pasárgada.

O álbum, que ainda recebeu uma linda capa desenhada pela cantora Mallu Magalhães, foi composto, gravado e cantado coletivamente no estúdio Vale do Silício, instalado no quinto andar do prédio em que Tom Zé vive até hoje, no bairro de Perdizes (SP). Todo o processo de composição e gravação aconteceu durante o mês de abril de 2013.

Confira nossa conversa com Tom Zé após o player.

TMDQA! entrevista Tom Zé

TMDQA!: Olá, Tom Zé, como você está?

Tom Zé: Sofrendo, como todos, mas com a alegria de ter amigos.

TMDQA!: Finalmente “Tribunal do Feicebuqui” chegou aos streamings! O EP foi lançado em 2013 e disponibilizado para download gratuito na época, mas só agora chegou nas plataformas digitais. A que se deve essa demora para a estreia do EP nesses canais? E algum motivo para a faixa bônus “Irará Iralá” ter ficado de fora da reedição?

Tom Zé: Quem ficou com as decisões, e com toda a razão, foi o produtor Marcus Preto. Ficamos aqui, seguindo, na medida do possível, as instruções dele.

TMDQA!: Atualmente, se fala muito sobre a Cultura do Cancelamento, e você sofreu com isso muito antes da popularização dessa distribuição de sentenças virtuais. Hoje os artistas já sabem que convivem com esse risco. Como foi acordar e se descobrir “cancelado” há quase 10 anos atrás?

Tom Zé: Respeito tudo [o que houve].

TMDQA!: Os ataques vieram pela Internet e a resposta foi um dos EPs mais geniais da década, com participações de uma nova geração de artistas que ganharam bastante visibilidade justamente na era digital. Poderia falar um pouco sobre esse processo de transformar a sua condenação no tribunal do feicebuqui em um disco? E como foram surgindo tantas colaborações incríveis naquele momento?

Tom Zé: Eu estava com esses jovens competentes, de Emicida a Tatá Aeroplano, e todos iam trazendo ideias brincalhonas que os inspiravam. Já nem sei precisar de onde vieram as ideias que reunimos para o disco. Eles chegaram a mim porque estávamos discutindo justamente a importância dessas mídias novas que, na verdade, eram mais bem conhecidas por eles. Isso criou vários outros tipos de colaboração, que foram uma bênção.

TMDQA!: E como é olhar pra esse acontecimento hoje em dia, com o distanciamento do tempo, onde o cancelamento, obviamente, já prescreveu?

Tom Zé: Aquela propaganda que deu o problema, a da Coca-Cola, acabou tendo a melhor destinação, pois doei o cachê à Escola da Banda 25 de Dezembro, onde fiz meus primeiros estudos em Irará.

TMDQA!: Falando nisso, ficamos sabendo que você foi expulso da escola de música de Irará nos anos 50. Que história é essa, Tom Zé? Queremos saber mais sobre esse acontecimento!

Tom Zé: É que, segundo o diretor, que era muito amigo de meu pai, o povo da cidade dizia que eu, como filho de dono de loja, não toparia sair tocando pela rua. Hoje vocês podem calcular quanto e como eles estavam enganados. O fato é que, na conversa comigo, ele explicou que, por tal previsão, o público acreditava que eu estava ocupando o lugar de outras pessoas. Fiquei extremamente envergonhado, quando ele falou sobre essa suposição, porque vocês sabem que eu sou tímido e naquele tempo era muito mais. Devolvi o saxofone e parei de frequentar.

TMDQA!: Estamos há quase um ano passando por um momento delicado que acertou em cheio o setor cultural. Eu gostaria de saber como tem sido esse período de isolamento para você. Tem aproveitado para compor e trabalhar em projetos futuros? Ou tem sido um momento de aproveitar para refletir e descansar?

Tom Zé: Neste período de isolamento, eu estou trabalhando com [o diretor de teatro e cinema] Felipe Hirsch e o arranjador Fernando Catatau. Hirsch está fazendo um musical que foi inspirado numa canção de meu disco Imprensa Cantada [de 2003] e se chama “Língua Brasileira”. Tenho trabalhado muito.

TMDQA!: Seu mais recente trabalho de estúdio foi “Sem Você Não A”, um álbum-fábula com letras de Elifas Andreato, lançado em 2017. Depois desse presente em 2021, que foi a chegada de “Tribunal do Feicebuqui” nas plataformas, podemos ficar atentos para mais novidades na sua carreira?

Tom Zé: Pretendo gravar um disco com as músicas compostas para a peça “Língua Brasileira”.

TMDQA!: Por fim, Papa Francisco já perdoou Tom Zé?

Tom Zé: Não há dúvida. O Papa é tomzezista e não abre.

TMDQA!: Tom Zé, muito obrigado por tirar um tempinho para essa conversa.

Tom Zé: Quem agradece sou eu. Felicidades cada vez maiores para o Tenho Mais Discos Que Amigos!

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