Tuatha de Danaan - In Nomine Éireann

Por Carolina Monteiro

Para nos mostrar que há mais além deste rascunho, ele cantou sobre os gnomos, fadas e a mãe natureza. Nos contou histórias dos duendes, gigantes e o belo amante da rainha. Descrevendo culturas e criando personagens com diferentes vozes (que quase podemos enxergar), Bruno Maia – compositor, vocalista, guitarrista, flautista e bandolinista da banda Tuatha de Danann – nos leva para outras realidades através da música.

Dizem que quem ouve a banda mineira, fundada em 1994, é transportado para uma terra antiga e nova, podendo dançar com as criaturas mágicas da floresta. Com toda a qualidade e minúcia da parte musical que trazem, chegou um novo álbum em Novembro, o In Nomine Éireann.

Conhecida mundo afora pela criatividade, qualidade e perspicácia, Tuatha tem letras inspiradas na mitologia celta e arranjos que entrelaçam o peso do metal à vivacidade do folk, com liberdade. Ao Bruno, perguntei como é a experiência de criar essas músicas. Com a sua voz grave e gentil, me deu a resposta que eu não sabia lidar: “O processo de composição meu não tem um… um modus operandi, um ritual, uma forma definitiva de compor assim não, sabe?” Ao que tudo indica, eu estava me deparando com uma pessoa criativa até em seus métodos.

Mas peraí, como assim não tem?

https://www.youtube.com/watch?v=ar9oEVGtjWw

De Varginha, Minas Gerais, Bruno Maia vendeu milhares de discos mundialmente, fazendo turnês de shows sold-out pela Europa com o Tuatha. Em 2005, foram melhor banda estrangeira no torneio “Metal Battle” do Wacken Open Air, festival europeu de referência para o público.

Então, pensando em uma banda que produz músicas de alta qualidade atendendo contratos de mercado, e contando causos como os melhores mineiros fazem (de fazer queixo gringo cair), esse “não tem” poderia se tornar um esquema trabalhoso. Aos poucos, Maia mostra que produzir músicas de forma artesanal para cumprir uma agenda de indústria cultural é um desafio que não precisa ser caótico.

Para ele, é uma combinação de inspiração e transpiração, mas nem sempre elas vêm das mesmas formas. Bruno descreve que vem no processo algo de “fadesco”, então se junta “a parte mágica, que vem com essa inspiração que você não sabe de onde surge, com, depois, esse conhecimento técnico.”

Sobre o domínio dos instrumentos musicais, conta mais precisamente a forma que começa a construir uma música. “Às vezes também componho no banjo ou bandolim, só que geralmente a maior parte é no violão ou no piano. Muitas vezes acontece só vindo a ideia na cabeça. Vem a melodia inteira na cabeça, já com a harmonia que está acontecendo”.

E é nesse “vem a melodia inteira na cabeça” que emerge uma das condições fundamentais do ato de compor para Bruno, que é a liberdade. Segundo ele, “é muito difícil eu falar assim: ‘cara, eu vou sentar para compor’, isso não aconteceu ainda.”

É assim, cai do céu?

Bom, não. A inspiração é uma primeira parte, espontânea e imediata. Bruno a descreve como uma velha conhecida: “essa tal de inspiração como a gente fala, quando você tá sem fazer nada, tá andando na rua, tá acordando, sei lá, tá em qualquer lugar e vem aquela ideia da música toda na sua cabeça acontecendo.”

Depois disso, é não deixar essa ideia fugir e, a partir da primeira impressão, trabalhar, já que “às vezes você não tem um instrumento na mão, mas já tem uma ideia de como aquilo vai soar”. Então chega a etapa não miraculosa, que exige domínio técnico e teórico da música, com alguma paciência para a experimentação.

O compositor descreve o mundo depois da inspiração como uma “parte mais racional”. “Chamam de transpiração. Pega esse conhecimento que a gente já tem, toda essa instrumentalização, e pode fazer o melhor arranjo, as convenções dos instrumentos”. A partir daí vêm as mutações pelas quais essa versão mais consistente da música passa, podendo “mudar ali uma parte da harmonia, talvez um acorde relativo, ou mudar totalmente o campo harmônico dentro daquela ideia primeira para poder fazer a música ficar mais interessante.”

E a obrigação de produzir?

Bruno Maia, do Tuatha de Danaan

Depois do lançamento do disco Trova di Danú (2004), alguns problemas fizeram com que as coisas não fossem para frente. “Aí, sim, rolou uma pressão de fazer coisa nova. Precisa fazer.” A partir daquele ano, Bruno se dedicou a novos projetos, como o Braia, e a banda teve um hiato. Vieram a lançar, anos depois, o vídeo acústico e o álbum Dawn of a New Sun veio em 2015.

“Não sei se foi um bloqueio que, justamente por ser imposto, o negócio para ‘fazer virar’, nós não conseguimos produzir. Eu não consegui fazer nada. Travou.” Para destravar, Maia se distanciou um pouco dos projetos pessoais. É mais fácil ser técnico, segundo ele. “Eu produzo bandas, então faço arranjos para os outros”, “aí vejo como uma coisa muito mais fria e mecânica na qual eu uso mais o meu conhecimento técnico e teórico, e consigo aplicar isso”.

Como sabemos, a banda também é um compromisso em equipe, além de contratos. Então pergunto sobre a organização dos integrantes do Tuatha de Danann para compor, e Bruno se lembra que as primeiras músicas muitas partes. “Vixe, mas tinha mesmo… Tem música antiga nossa que tinha onze partes”.

É nesse momento que a gente, do lado de fora, fica chateado porque sabe que tem partes que nunca ouviu. “Às vezes algum cara tinha um tema no meio, uma parte instrumental para colocar, aí anexava, e por isso as músicas ficavam muito grandes. Na verdade, a gente nunca foi uma banda de compor no ensaio, fazendo jam. Já aconteceu uma ou duas vezes no máximo, mas das cinquenta músicas que a gente tem, se foram duas, foram muitas, saca?”

Mundos fantásticos tão reais

Bruno Maia tem músicas povoadas de personagens vivos e cenários mágicos, que nos mostram cultura e história. Para construir tudo isso, o compositor não para de alimentar sua mente. Ele é mestre em literatura, e leitor atento – desses que gostam de revisitar filósofos e papos literários.

Pois é, em algum momento da entrevista, ele tirou Walter Benjamin, como se fosse com uma pinça, de uma palavrinha que eu disse.

Aliás, Benjamin é o filósofo que revisita a história através do papel político da arte. Tuatha de Danann não vive no mundo da fantasia, como os de pouca imaginação podem achar (porque vivem tristes sem imaginar). Tuatha vive de história, e bem fundamentada, com alegorias ou sem. Contam-nos sobre a luta dos heróis contra a tirania, a Inconfidência Mineira e a colonização. Às vezes são causos que queremos ouvir e, outras vezes, são os que precisamos ouvir.

Encerrando a entrevista com Bruno, há de se notar ao menos três principais fatores para a
criatividade e competência. Pudemos ver que, como autor, é necessária uma imaginação
abastecida através da atenção ao mundo, o que nele habita, nas pessoas e suas histórias, na leitura. Na verdade, uma mente que não para de aprender, curiosa, está sempre viva.
Também é preciso ter o domínio da técnica e ferramentas, porque conhecendo a teoria e tendo prática, há cada vez menos limitações. Isso é importante para transformar o primeiro esboço que a intuição entregou. E, por fim, é crucial ter um propósito claro para criar, compreendendo que a arte tem um objetivo maior que si na história.

Para todos os adoradores da música, que ficam imaginando como suas canções preferidas foram feitas, aos que sabem pouco, muito ou nada, aos que trocam o tom para evitar pestanas e aos que guardam rascunhos de letras no caderninho do fundo da gaveta: o processo de compor é pessoal, como qualquer outro ofício que dependa da criatividade.

Então Maia nos deixa as pistas de uma mente livre para criar, sendo que uma das mais
poderosas, é ler. E isso ele não disse, mas não é difícil de enxergar.

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