Jamie Cullum

Por Nathália Pandeló Corrêa

O encontro do clássico com o pop guia o som de Jamie Cullum há cerca de 20 anos, quando o pianista britânico estreou em Twentysomething (2003). Desde então, ele vendeu mais de 10 milhões de discos, foi indicado aos prêmios BRIT e Grammy e se tornou um radialista de sucesso, com uma década à frente de um programa na BBC Radio 2.

À essa altura do campeonato, o que poderia ser uma aposta de lucro fácil se tornou um desafio criativo: compor 10 canções natalinas, totalmente originais porém sem abrir mão dos elementos que tornam as festas de fim de ano tão familiares. Recorrer a covers seria compreensível – considerando a série “The Song Society”, em seu canal de YouTube, onde reimagina canções de outros artistas. Mas quando se propôs a lançar um disco de Natal, em março, Cullum não pensava que o mundo ainda estaria mergulhado na pandemia de Covid-19 e que estávamos prestes a embarcar no dezembro mais esquisito dos últimos tempos.

O clima de incertezas no ar não mudou os planos do músico, que vê em The Pianoman at Christmas uma oportunidade de manter a bola rolando – afinal, ele teve de brecar a turnê de seu disco Taller no início do ano, já confirmada em alguns palcos icônicos. Ao invés de ver as limitações desse percurso, Jamie Cullum decidiu ir com tudo e criar arranjos grandiosos para big bands, reunindo um total de 57 músicos no Studio 2 em Abbey Road. O resultado é um som clássico e atemporal que remete imediatamente às festividades.

The Pianoman at Christmas abraça todos os clichês da temporada natalina, mas os subverte. Fala das centenas de músicas sobre Papai Noel em “So many Santas” (e seu barrigão, em “The Jolly Fat Man”), faz inuendos sensuais com pisca-pisca (“Hang your lights”) e se pergunta como é que trenós voam (“How do you fly”). Sem se levar muito a sério, as letras buscam na sinceridade um contraponto ao lado açucarado do período de festas, seja falando de encontros sob o visco, seja remetendo à solidão, como em “Christmas Caught Me Crying”.

O álbum chega às plataformas de streaming nessa sexta-feira (12) e tem a missão despretensiosa de servir de trilha sonora para o Natal desse ano, mas também outra, um pouco mais ousada: sobreviver no imaginário popular dos próximos anos e décadas como um verdadeiro clássico do gênero. Conversamos com Jamie Cullum por telefone sobre esses e outros aspectos.

Confira abaixo:

TMDQA!: Oi Jamie, obrigada por seu tempo! Você conhece bem músicas natalinas, claro, mas nós estamos prestes a ter um Natal sem precedentes – pelo menos para a nossa geração. Não sei se lançar um disco natalino era algo que você sempre quis, mas penso que fazer isso durante uma pandemia não era o seu cenário ideal. Como você imagina as pessoas aproveitando esse disco nesse período de festas esquisito que estamos tendo, e de alguma forma isso afetou seus planos de lançamento?

Jamie Cullum: Quando eu estava fazendo o disco, estava tentando pensar nele como algo que sobreviveria para além desse Natal. Acho que quando você faz um álbum, você pensa nele saindo e tendo sucesso, dando tudo certo, e tendo uma vida própria depois disso. Mas com um disco de Natal, em especial nesse, em que eu estava buscando uma sensação de ser algo atemporal, um som muito elegante, eu esperava que ele fosse além. Com coisas de Natal, acho que é a ideia de fazer parte de uma tradição. Sei que tenho várias tradições na minha casa e tenho certeza que você também tem, e uma delas é colocar pra tocar os mesmos discos todo ano. E eu adoraria que esse disco se tornasse parte das tradições natalinas de outra pessoa todos os anos, que pareça algo novo e não as mesmas músicas de sempre, mas soe clássico e bem natalino. Enquanto fazia, eu não pensava que a gente ainda estaria nessa bagunça (risos). Em março, abril, eu achava que tudo isso teria passado há tempos no fim do ano. Dá pra dizer que é a época errada, claro. Mas acho que também que se deixássemos de fazer tudo que fazíamos, onde iríamos parar? Ao lançar um disco, as pessoas estão trabalhando, ocupadas, gerando algum tipo de negócio. Sei que muita gente adiou seus lançamentos até que isso tenha passado. Eu não acredito nisso, acredito em estar sempre fazendo coisas. Já estou pensando no disco que virá depois desse, eu vou fazendo as coisas e seguindo em frente. Estou com muito orgulho desse disco de Natal, tanto quanto de qualquer coisa que já fiz. Acho que tem uma profundidade e uma textura, e espero que as pessoas aproveitem, seja qual tipo de Natal estejam tendo, e sirva de conforto no que, você está certa, será um Natal muito estranho para todos nós.

TMDQA!: E você será a trilha sonora para o Natal de muita gente, e sem dúvida isso é muito válido. Agora, quando eu li as palavras “Jamie Cullum” e “disco de Natal” na mesma frase, fez sentido, porque a sua música combina muito com todos aqueles elementos que a gente imagina nesse tipo de canção – as orquestras, o jazz, tudo remete aos clássicos. Mas você é um artista muito voltado pro pop. Como equilibrar o que as pessoas esperam de um disco natalino e trazer a sua própria identidade para esse projeto?

Jamie: Acho que isso foi parte da diversão, saber a forma como álbuns de Natal devem soar. Você tem sinos, e no caso dos discos de Natal que amo, você tem muitos instrumentos ao vivo, e idealmente ele soa muito sofisticado e elegante, e eu queria que soasse bem aberto e cinemático. E você sabe sobre o que as letras serão, em todas as músicas que você ouve, é difícil ter uma abordagem diferente do Natal em cada música – a alegria, a tristeza, etc. Então trabalhar com uma estrutura preestabelecida é um desafio divertido pra qualquer escritor, porque de alguma forma suas limitações te abrem para criar algo. E os melhores filmes de Hollywood foram criados assim, dentro dos limites de um gênero, do que era esperado, e eles “sub julgaram” esse gênero. Há elementos desse som que são subversivos, de uma forma que você não esperaria, mas dentro da estrutura do Natal, e isso foi parte da alegria de juntar tudo isso.

TMDQA!: E dá pra sentir isso.

Jamie: Que ótimo!

TMDQA!: Mas você conhece bem o processo de recriar músicas de outros artistas, então seria bem seguro só escolher uns clássicos e regravá-los. Como você canta em uma das músicas, você tem umas 300 canções sobre Papai Noel na ponta dos dedos, ou algo assim. Mas você decidiu pelo caminho original. O que você acha que faz de uma música um clássico natalino moderno hoje em dia?

Jamie: Sim, claro! A resposta verdadeira é que é muito difícil saber, e acho que “All I want for christmas is you” é o clássico mais recente, e as pessoas amaram quando saiu, mas acho que no ano passado é que se tornou o sucesso enorme que é agora. Leva um tempo para que uma música de Natal pareça estar na sua história, e acho que é a parte bonita disso, de criar algo e escrever uma canção. E você espera que eventualmente deixe a pertencer a você, e sim a outra pessoa. E com músicas de Natal, é assim: elas te deixam, saem para o mundo e não ficam com você. Isso pode levar muitos anos. Adoro esse aspecto da composição em si, especialmente quando se fala em música de Natal. A receita pra mim acho que é de ser deliciosamente composta, tem que ter lindas mudanças de acordes e uma das coisas que amo em músicas de Natal é que, pra ficar um pouco técnico, você sempre tem um movimento dos 5 acordes para um acorde e volta para o começo. Todos queremos essa sensação de voltar para casa no Natal, todos queremos essa sensação de sermos amados e estar rodeados de amor e em casa e a sensação de pertencimento. Queremos isso sempre, mas muito mais no Natal, e as melhores músicas têm esse clima de resolução, não necessariamente a tensão aumentada nas músicas. As melhores canções natalinas parecem uma longa jornada para casa. E se você consegue incluir isso numa música, e é o que eu tento fazer, acho que você tem uma boa música de Natal.

TMDQA!: Agora, quando Taller saiu, imagino que você não fizesse ideia que “The Age of Anxiety” seria algo tão amplificado atualmente – nós passamos de viver dentro de casa “às vezes”, como diz a música, para o tempo todo. Sei que é uma composição bem pessoal, mas é de fácil identificação. Suas músicas são sobre coisas bem íntimas, mas você acha que com maturidade e já fazendo isso há um tempo, fica mais fácil se expor e falar de coisas como saúde mental?

Jamie: Não sei se fica mais fácil, mas você tem mais ferramentas à sua disposição para se expressar. Eu não teria condições de escrever “The Age of Anxiety” 10, 15 anos atrás. Eu meio que criei três áreas distintas dessa música – o pessoal, o universal e o político, e aí foi o caso de ir refinando tudo isso. Essa música me levou um ano para escrever. Não trabalhava nela todo dia, mas fui refinando ela ao longo de um ano todo. Eu queria que ela fosse uma música que tinha muito a falar, mas que não ficasse com uma mão muito pesada. E isso é algo que leva muito tempo para se fazer, então acho que tive a tenacidade, a vontade de fazer a música dar certo, e quando ela não parecia estar, eu continuava trabalhando. Algumas canções você escreve em meia hora, e outras você leva um ano para escrever, e foi o caso dessa.

TMDQA!: E curiosamente, você não podia ficar ansioso pra terminar ela.

Jamie: Exatamente (risos).

TMDQA!: Tá certo, Jamie. Obrigada por seu tempo e um ótimo Natal pra você.

Jamie: Pra você também!

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