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Foto: Divulgação

É inquestionável que o momento de pandemia nos propiciou reflexões e constatações sobre nós mesmos. É o simples olhar no espelho, a revisão de uma lembrança ou a saudade que aperta no peito. É o arrependimento de não ter dito algo quando teve chance, ou de ter falado o que não devia em certo momento. Restringir o contato com o mundo exterior fez com que desbravássemos nosso interior.

Foi o que fez a cantora Tiê, em um processo pessoal que resultou no lançamento de seu quinto disco (ou sexto, se considerarmos o álbum comemorativo DIX). Kudra é fruto de um processo imersivo que fez com que a cantora reencontrasse algumas ideias de músicas não desenvolvidas anteriormente. Misturando os achados com novas ideias, composições e arranjos, ela consolidou uma nova narrativa que passa por temas como maternidade, adaptação e superação.

São seis composições inéditas, que contemplam a produção musical de André Whoong, Gianni Salles, Flávio Juliano e Adriano Cintra. O trabalho também conta com uma forte parte visual, com direção de arte assinada por Rita Wainer, fotografia de Rodolfo Magalhães, styling de Carol Roquete e arte de Ana Ariette. Isso tudo sem contar nas participações especiais. Além da contribuição de Filipe Catto em “E Daí?”, a faixa-título conta com vocais de Amora, filha mais nova de Tiê.

 

“Estava me questionando sobre várias coisas em relação ao rumo da minha carreira”

Tivemos a oportunidade de bater um papo com Tiê dias antes do lançamento do disco. Ela nos falou sobre questões que permeiam o disco e sobre todo o processo pessoal que deu origem ao seu novo trabalho. Aliás, foi um disco produzido e idealizado de uma forma diferente dos demais, e muito disso se deu por conta da pandemia.

Confira abaixo o papo na íntegra:

Tiê
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TMDQA!: Você tem pouco mais de 10 anos de carreira. Passou rápido, né? Como você avalia esse seu tempo de estrada e a sua evolução enquanto artista nesse tempo?

Tiê: No ano passado, eu lancei um disco em comemoração aos 10 anos da minha carreira. Mas eu não me senti muito celebrando, apesar de ser um disco comemorativo. Estava me questionando sobre várias coisas em relação ao rumo da minha carreira. Em Janeiro, cheguei a melhorar um pouco, mas aí veio a pandemia (risos). Na hora que eu estava melhorando, mudou tudo. Este ano acabou servindo como uma sessão de terapia. Eu posso dizer que, mesmo sendo uma cantora “quase famosa”, como minhas filhas dizem, eu acho que tenho uma história bonita, principalmente em relação à minha ligação com meus fãs. Nesses 11 anos, alguns fãs me acompanham desde o início. Isso me dá muita gratidão mesmo, de fazer músicas do jeito que eu queria. Eu acho que eu me permiti ficar entre o pop e o indie e, ao mesmo tempo, deixei as coisas simplesmente acontecerem.

TMDQA!: Imagino o quão gratificante tudo isso deve ser, principalmente levando em conta que, junto a nomes como Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci, Céu e mais, você é enquadrada nessa cena da “Nova MPB”, que ganhou força no início da última década e que permanece muito ativa e influenciando muitos artistas.

Tiê: Com certeza. Tem momentos em que eu pensava “Que merda, não fiz nada até hoje”. O humor varia muito, muito mais nos tempos atuais, em que tudo está muito diferente. A cada dia, temos uma notícia pior. Então, tudo oscila muito, mas eu ainda vibro muito com o meu trabalho. Fico ansiosa. Acho que consigo trazer essa coisa da música ser real, mesmo que existam coisas sobre as quais eu não seja completamente um livro aberto. Eu acho que eu consigo manter um bom equilíbrio. Eu sinto que consigo ser eu mesma dentro da artista que eu sou.

 

“Optei por traçar novos caminhos”

TMDQA!: Diferente dos outros discos, que têm uma média de 11/12 músicas, Kudra conta com seis faixas apenas. Eu sei que esse foi o disco que você produziu em menos tempo, mas por que você optou por um disco mais enxuto?

Tiê: Esse disco foi feito sem pretensão. Eu fui procurando canções que não foram trabalhadas anteriormente. A gente sempre tem umas ideias que não são desenvolvidas na hora e que só depois ganham um novo olhar. Fez parte de um processo terapêutico sobre o qual eu me questionei muito. Eu me mudei para uma casa menor, doei um bando de coisas… Nesse processo, eu encontrei algumas ideias antigas no meu HD que não haviam sido elaboradas e surgiram ideias novas. Primeiramente, na verdade, pensei “Por que lançar disco?”, “Por que lançar agora?”. Depois, ao mesmo tempo, pensei “Por que não lançar?”.

Eu estava me questionando muito, porque sinto que existe uma ideia de “receita de sucesso” que acaba não funcionando pra todo mundo. São umas regras que funcionam para o mainstream. Para nós, que somos menores, não faz diferença. No final das contas, resolvi fazer o disco para lança-lo logo. É um disco no qual estou sem banda na apresentação, porque não tem mais show. Tem toda uma relação com tudo que estamos vivendo. Os momentos são outros, e isso me incentivou a fazer um disco mais enxuto, mas eu confesso que tenho outras músicas para lançar em breve. Pode ser que seja um disco mais curto justamente por eu já ter lançamentos para logo mais, sabe?

TMDQA!: De onde veio a ideia de nomear o disco de “Kudra”? Qual a origem dessa palavra? Ela significa “amor”, certo?

Tiê: Se você pesquisar “kudra meaning”, aparece algo sobre a Tanzânia, mas é tudo meio misterioso. É nome também de uma cidade na Índia, de uma família… Como eu estou com um novo visual nesse disco, completamente diferente de tudo que eu já tive, optei por traçar novos caminhos. A Amora, minha filha, canta comigo em uma das faixas. Me deu vontade de dar esses mistérios, de envolver questões familiares, sabe? Foi para um lado mais misterioso, porque tem uma sonoridade que remete a essa ideia. É algo um tanto místico, mas, no fundo, a cor do disco e o nome significam “amor”, que está presente nessa calma que ele transmite.

 

“Parece que o tempo passou de maneiras diferentes”

TMDQA!: A faixa na qual você canta com a Amora, por sinal, é a que dá nome ao disco. Ela diz respeito a uma canção que ainda não havia sido propriamente desenvolvida ou foi uma ideia inédita surgira durante a quarentena?

Tiê: É uma ideia que já tinha rolado no passado e que vimos, para esse disco, com um outro formato. A canção renasceu, e a Amora ter feito parte foi completamente de improviso. Foi tudo meio natural, assim como a participação do Filipe Catto. “E Daí?” é uma música sobre a qual nós trabalhamos há um tempo. É uma parceria nossa de letra. Como sempre fomos amigos, cantando e fazendo shows juntos, resolvi chamar ele para cantar nesse disco. Inclusive, eu quase deixei essa música para ele cantar sozinho, mas, como o disco ficou tão curtinho, pensei em entrar também.

TMDQA!: Como foi esse processo de gravação, digamos, mais “caseiro”, por conta de tudo que tem acontecido no mundo? Foi muito diferente das suas gravações anteriores? Como você encarou tudo isso?

Tiê: O estúdio é na casa do meu namorado, do André Whoong, que assina a produção de várias das faixas. A gente grava tudo aqui. Já foi um selo meu, e agora virou um estúdio. Mas o fato de que as escolas estão fechadas fez com que o processo se tornasse mais caseiro, porque as crianças acabam estando mais próximas de tudo. De resto, as pessoas gravaram de casa. A gente ficou alguns dias no André fazendo esse processo. O disco foi tomando forma aos poucos, mas foi de fato um processo diferente. É o meu primeiro disco que não vai ter show, por exemplo. Eu não sei como vai ser. Passou rápido, mas ao mesmo tempo parece que demorou tanto… Não faz nem um ano que eu lancei um disco, e cá estou eu lançando outro. Parece que o tempo passou de maneiras diferentes.

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“Eu vejo a minha música como uma terapia”

TMDQA!: A gente passa por um momento delicado em vários sentidos, mas você diz que é importante colocar as músicas para fora. Qual é a função da música em tempos de pandemia? Como você vê essa responsabilidade, enquanto artista, de nutrir seus ouvintes com arte?

Tiê: Eu acho que existem artistas com uma função mais política, outros com função mais de entreter e tem artistas com função de abraçar, de acalantar, como uma terapia. Eu acho que eu estou mais no lugar desse último. Como artista, sinto que o lugar em que eu me sinto mais feliz é quando sinto que ajudei alguém. Talvez, por eu ter letras muito sinceras e “faladas”, as pessoas se encontrem nesse lugar de questionamento e de aceitação. Eu vejo a minha música como uma terapia. Não é algo super pop, de entretenimento, para dançar e suar. Também não é uma música política, por mais que eu tenha meus posicionamentos.

TMDQA!: O disco, no geral, passa por temas positivos, como a questão da maternidade, adaptação e coragem para seguir em frente. É um grande abraço no final das contas. O que é o tal “Lado Bom”, fazendo menção a uma das faixas, que a gente precisa entender?

Tiê: São temas sobre os quais eu acabo falando constantemente, porque eu sempre me vejo nesse lugar também. São essas subidas e descidas que a gente tem, mas temos que tentar ver o lado bom das coisas. A gente tem uma tendência de se boicotar, e quero justamente ajudar a enxergar o outro lado. Eu acho que o disco acaba, por isso, tendo uma mensagem positiva. Eu me forcei a ser mais positiva nesse momento, para não enlouquecer nesses momentos difíceis. O nosso “Lado Bom” é isso. Não tem como prevermos o futuro. A gente tem que viver o dia a dia e tentar aceitar todos os defeitos. Não foi bom nesse dia? Torça para que no dia seguinte seja melhor. A gente não controla nada. No dia a dia, além de ajudar os outros, nós precisamos nos ajudar também.

 

“Atribuir um olhar cinematográfico pode ser algo legal”

TMDQA!: No dia 17 de Outubro, você vai promover um evento online no Youtube para uma apresentação audiovisual sensorial que tem a ver com as músicas do disco, certo? O que você pode adiantar sobre isso pra gente?

Tiê: Claro! A ideia era não fazer uma live ou um “clipão” gravado. A gente vai misturar alguns momentos gravados com outros ao vivo. Vai ser um filme sobre o disco, percorrendo as músicas e, no final, vou entrar ao vivo para conversar com as pessoas. Ainda não está pronto, mas a gente pretende fazer algo poético e sensorial, que dê às pessoas a sensação de uma coisa boa para sentir mesmo o disco. Essa vai ser minha apresentação.

TMDQA!: É uma técnica boa, porque foge dessa questão, já um pouco saturada, das lives.

Tiê: A gente vai deixar de fazer live? Não, até porque não tem outra opção. Também acho que algumas coisas começaram agora, durante a pandemia, e não vão embora tão cedo. Mas, fiquei pensando: será que precisa ser uma live ou pode ser uma coisa mais bonita e poética? Eu posso explorar isso também. É algo que eu nunca fiz antes, mas atribuir um olhar cinematográfico pode ser algo legal. Tenho uma equipe maravilhosa. Meu cabelo está maravilhoso (risos). Acho que tem tudo para dar certo!

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