Clau e Isadora
Fotos: Divulgação / Ricardo Brunini

Definir um gênero musical, por si só, já é algo complicado. Para chegar a uma conclusão, costumamos nos agarrar a determinadas características que se fazem bastante presentes. O rock tem a presença constante da guitarra elétrica, enquanto o funk brasileiro tem sua característica batida. No entanto, são diversas as nuances que impõem questionamentos sobre os limites de cada um. A situação fica ainda mais complicada quando chegamos no R&B.

Consolidado enquanto gênero durante os anos 40, este gênero foi englobando características de outros e consolidando uma nova perspectiva musical. Tem jazz, tem blues e até referências na música gospel norte-americana. Com o passar do tempo, ele foi se desenvolvendo e absorvendo outras referências, como o soul e elementos rítmicos do hip hop. Isso sem levar em conta os subgêneros, como o doo-wop e o neo soul.

Essa jornada de quase 80 anos de consolidação ainda causa confusão em muitos, mas existem artistas comprometidos a abraçar essa causa e tentar deixar mais claro a influência do R&B para o atual mundo da música. Dois exemplos disso são Clau e Isadora, artistas que fazem parte de uma nova cena musical brasileira que se afirma R&B.

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Tivemos a oportunidade de conversar com elas sobre o R&B, suas raízes e seus frutos, resultando em uma divertida aula sobre o gênero. Confira abaixo:

 

O que é o R&B atualmente?

Mais do que simplesmente “rhythm and blues” (expressão que dá origem à sigla), explicar o R&B é uma tarefa árdua que mostra uma fluidez singular.

Clau: Eu diria que o R&B tem muita influência da música romântica, da “sofrência”. Acho que é um elemento muito importante do R&B. Ele traz também elementos da música negra, mas a temática, resumidamente, eu vejo como isso: romance, sedução e até a parte mais triste do amor.

Isadora: Complementando o que a Clau falou, eu acho que ele acaba flertando bastante com a sensualidade, além do romantismo. Ele acaba trazendo essa fusão interessante de elementos. Eu acho isso muito interessante, principalmente aqui no Brasil. Nos Estados Unidos, o R&B é muito comercial. Aqui temos a fusão do R&B com o rap, trap, pop, funk… Acho bem bacana essa junção de elementos que ele traz.

Mas o Brasil, culturalmente antropofágico como poucos países conseguem ser, incorporou alguns elementos do R&B quando consolidou características para um popular gênero por aqui: o pagode. Como bem nos exemplificou Carol Biazin, as linhas melódicas de um gênero, especialmente no que diz respeito à voz, conversam bem com a estética do outro. Elas explicaram um pouco sobre essas semelhanças.

Clau: O Brasil não tem muito essa cultura de R&B, especialmente porque o R&B do Brasil é o pagode. No final dos anos 90 e no início dos anos 2000, não apenas a temática, que era muito presente no pagode, mas até o lifestyle, as roupas, o estilo. Os pagodeiros eram os caras do R&B lá de fora. A regatinha branca, a faixinha na cabeça, calça larga… Então, mesmo cantando música romântica, eles estavam no pique das ruas e dessa influência também.

Isadora: Como letra também, né?

Clau: Isso. Traz a sensualidade, o romantismo. O pagode já trazia isso lá pela virada do milênio. Tem também o charme, que, no Brasil, é como ficou conhecido o R&B para fazer dançar e mandar passinhos.

Isadora: Tem a nossa música popular aqui, e nos EUA o R&B é a música popular deles. Então essa conexão acaba fazendo sentido.

É curioso pensar que as referências do R&B por aqui não eram tão consolidadas há um tempo. Por mais que as características aparecessem em um grande hit ou outro, o R&B não se afirmava como tal no Brasil, aparecendo timidamente e quase que de forma inconsciente dentro das canções. Dito isso, de onde será que Clau e Isadora tiraram suas referências?

Isadora lembrou que sempre foi uma cantora eclética motivada a explorar outros territórios. “Vi que o mercado estava aberto e que tinha espaço para isso”, comentou. Por conta disso, sua sonoridade essencialmente pop também bebe de outras fontes, misturando elementos orgânicos como eletrônicos, mas ela ressalta que quer levantar a bandeira do R&B.

Para Clau, as misturas também são um ponto importante. “É tornar isso mais acessível para o público brasileiro”, destacou. Não à toa, seu primeiro grande sucesso foi feito em parceria com um grupo de hip hop. “Pouca Pausa”, de 2018, mistura versos de rap com melodias cantadas no refrão. Rapidamente, nos remete a parcerias internacionais que marcaram o pop da virada do milênio. E, se considerarmos a época em questão, referências boas não faltam.

 

Ja Rule, Ashanti, Brandy, Ne-Yo…

As diferentes fases do R&B internacional fizeram nomes de referência como Anita Baker, Lionel Ritchie, Whitney Houston, Diana Ross e mais. Os nomes que vieram mais tarde, lá entre o fim dos anos 90 e início dos anos 2000, certamente beberam dessas fontes ao misturar novos elementos e criando um R&B que foi acompanhado por toda uma nova geração. Esses já nem tão novos talentos, por sinal, viraram referências para a sonoridade de novos artistas, sendo para muitos o primeiro contato com o gênero.

Isadora: Para mim, um artista que define bem o R&B é a Brandy, que fez mais sucesso ali entre o final dos anos 90 e início dos anos 2000. Sou apaixonada pelo trabalho dela, mas tem muita gente boa que também define o gênero para mim. Tem uma galera que também mais neosoul, que traz algumas características bem similares.

Clau: Eu não conseguiria definir com um artista só, mas, para mim, nas minhas referências, o que me influenciou a gostar muito de R&B foram nomes como Usher e Ne-Yo. Essa época acabou definindo para mim o que é o R&B e a música romântica, com esse determinado tipo de vocal. Eu comecei curtindo bastante, ainda pequena, músicas de nomes como Ja Rule, Ashanti… Eu adorava escutar a Ashanti cantando os refrões. Isso acabou influenciando bastante a minha trajetória, porque eu comecei a minha carreira justamente cantando com a galera do rap. Só que eu nunca tinha me colocado como rapper ou algo do tipo.

Isadora: Na verdade, nesse período em que o hip hop viveu uma grande ascensão comercial, ele começou a tocar no mundo inteiro. Eu me lembro que muito do que tocava nas rádios essa esse hip hop. Então, eu acho que marcou muito essa geração, de fato.

Isadora e Clau fazem parte de uma geração que cresceu em contato com a MTV e o TVZ. No entanto, quando o assunto era o pop, as referências eram os clipes gringos. O poder do audiovisual, tal como a programação de rádios, potencializou o desejo delas de sonhar com o R&B.

Com o passar do tempo, a produção musical brasileira, com cada vez mais foco no audiovisual, também passou a ganhar mais espaço. Hoje, conforme elas reforçaram, a possibilidade de um jovem se sentir mais inspirado pela música nacional do que pela música gringa é bem maior. Não sabemos exatamente o que esperar, mas sabemos que vai ser diferente e ótimo para a nova leva de artistas que está por vir.

E se estamos falando do Brasil, é caminho natural falar sobre as misturas. Aliás, como o R&B conseguiu se “infiltrar” aqui?

 

Que venha o novo pop!

Falar de pop no Brasil não é nenhuma novidade, mas a comparação ao pop internacional é relativamente recente. Através das misturas, temos visto cada vez mais gêneros ganharam público e, não raramente, a crítica. A MPB, eternamente associada à estrondosa bossa nova, terá que abrir seu leque se quiser continuar a se manter “música popular brasileira”. Temos o estrondoso sucesso pop de nomes como Anitta, Ludmilla e Pabllo Vittar, isso sem entrar no mérito de sucessos do sertanejo e do novo funk.

E estamos cada vez mais vendo a importância de “sair da caixinha”. É o que faz novas vertentes musicais como o bregafunk. Talvez seja este o momento perfeito para o R&B entrar de vez, misturando referências e, ao mesmo tempo, marcando presença no cenário nacional.

Isadora: Você vê, por exemplo, a Ariana Grande, que é uma artista mainstream, que usa a estrutura do R&B, mas é essencialmente pop. Isso vale também para a Beyoncé que, para mim, é a rainha do gênero. Acaba sendo um conceito super abrangente. Acho que isso que é o bacana. Aqui no Brasil, isso tem se traduzido assim. A própria Ludmilla é um bom exemplo disso. Ela começou no funk, mas tem alguns sons bem R&B. A IZA e até a própria Anitta mostram essas referências também.

Clau: Eu acho que o ponto é a gente dar esse nome. A galera pode até sentir que tem essa pegada, mas não identifica com o nome R&B. É por isso que a gente está aqui também, na real: para assumir e falar sobre isso. Já acontece no Brasil. Não é algo que está sendo inventado agora, mas é mais uma questão de falar sobre e de dar o nome, para as pessoas saberem o que é.

Isadora: Cada vez mais, a gente precisa ir colocando a nossa identidade e fortalecendo essa cena. Existem vários artistas que estão nessa pegada, então é super importante que essa galera se junte, faça parcerias… Isso tudo ajuda!

Clau: Normalmente é assim com os gêneros musicais que crescem. Não são um ou dois artistas. É um movimento da galera se unindo para fazer acontecer.

O trabalho dessas duas artistas ilustra um pouco o potencial desse novo pop, inclusive de se tornar o novo “pop raiz” do Brasil daqui a alguns anos. “Pouca Pausa“, de Clau, traz bastante disso ao misturar o hip hop com o R&B. Isadora, em seu trabalho autoral, mergulha em referências que clareiam a nossa percepção sobre quem ela é.

Ao mesmo tempo, este não é o caminho mais óbvio para seguir na música brasileira. Nesse sentido, também é importantíssima a atuação dos artistas e de seus fãs. Apesar de o pop nacional não estar acostumado com artistas que batem na tecla do R&B pra se afirmar, Clau e Isadora relataram que nunca sentiram estranhamento por parte dos seus fãs. Talvez seja porque eles, internamente, gostam do R&B, mas é importante o apoio do público para ajudar a “manter a engrenagem girando”.

 

De agora em diante

E qual será o destino do R&B no Brasil? Tivemos pinceladas de referências R&B de sucesso ao longo dos anos 2000, por exemplo. Em 2005, o hit “Senhorita“, parceria entre o grupo Motirô e Cabal, tomou conta das rádios com sua atmosfera envolvente e sensual. No ano seguinte, Negra Li fez sucesso com “Você Vai Estar na Minha“. As referências também ficaram claras em hits nacionais da última década, especialmente na consagração de artistas como IZA.

Para as artistas, que se afirmam como R&B, o sucesso repentino foi inesperado, mas uma surpresa boa que mostra o quão eclético é o ouvinte brasileiro e o potencial que esse movimento tem para dar certo. Sobre o destino do gênero em terras tupiniquins, as cantoras contaram:

Isadora: A tendência é, de fato, o R&B continuar nessa ascensão, até por conta da quantidade de artistas que eu vejo no mercado. Mas eu ainda tenho grande dúvida se esse estilo vai, de fato, virar comercial aqui tal como ele é nos EUA, entende? Eu sinto que estamos no caminho certo. Temos que continuar fazendo a nossa parte, com amigos e essa galera boa. Não tem como termos uma bola de cristal, mas temos como continuar trilhando a nossa verdade. Temos que continuar nessa batalha e ampliar isso para as pessoas cada vez mais, trocando referências e falando sobre. Tudo isso acaba expandindo nosso conhecimento.

Clau: O que vai acontecer também é o Brasil criar o seu próprio R&B. Não só misturando e não só pegando do gringo, mas criar o nosso próprio gênero. Isso é uma coisa que está se construindo bastante e está evoluindo bastante. Eu acho que isso vai chegar ao grande público também, tocando nas rádios, nas TVs… Precisamos ter a nossa identidade do R&B.

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