Jehnny Beth
Foto por Johnny Hostile

Jehnny Beth é um nome que você conhece provavelmente por sua relação com o Savages, ótima banda de Punk que já teve passagem pelo Brasil e é constantemente lembrada como grande expoente da nova geração do gênero.

No entanto, a vocalista tem um outro lado, no mínimo tão profundo quanto, que expõe com força em sua estreia solo, To Love Is to Live. A obra chegou para mostrar como ela pode ir além do que se espera, com canções poderosas e recheadas de conceito que poderão muito bem estar enquadradas em algum museu por aí se isso fosse possível.

Se você assistiu ao seriado Peaky Blinders, já deve se lembrar imediatamente da canção acima, que esteve por lá. A parceria foi além, já que o ator e cantor Cillian Murphy (Thomas Shelby no seriado) foi um dos convidados a participar do trabalho, junto com Joe Talbot (IDLES).

Em um simpático papo online em plena quarentena, Jehnny nos atendeu com exclusividade para falar um pouco mais sobre essa nova iniciativa e, claro, sobre o seu excelente trabalho de estreia. Confira a seguir!

Entrevista com Jehnny Beth

TMDQA!: Oi, Jehnny! Como você está?

Jehnny Beth: Eu estou bem! E você?

TMDQA!: Por aqui tudo ótimo. Queria começar te dizendo que fui pego de surpresa pelo seu novo álbum; esperava que os singles seriam as melhores músicas, mas a verdade é que ele é inteiramente bom!

Jehnny: Obrigada!

TMDQA!: O que te inspirou a deixar o Savages de lado por um tempo para investir nesse projeto?

Jehnny: Foi uma mescla de coisas. Foi algo que meio que se impôs em mim, sabe? Eu não considero que eu tive uma escolha. [risos] Eu acho que, de vez em quando, com esses surtos criativos… as pessoas acham que você escolhe tudo e está no comando sempre, mas na verdade você é meio que transportado por eles. Não é algo que necessariamente você tem controle sobre. E, bom, eu senti que foi um caso de instinto de sobrevivência, sabe? A artista de mim me dizia que, criativamente, era isso que eu precisava fazer se você quer sobreviver e proteger as suas inspirações. [risos]

E eu decidi que essa voz interna era mais importante do que qualquer outra coisa. Era hora, também, de investir em mim mesma e me conectar com as minhas raízes; eu saí da França com 20 anos, fiquei longe da minha família. Eu estava me sentindo muito infeliz, muito fragmentada. Foram anos de turnê — e eu tenho muito orgulho, muito orgulho de tudo que fiz com o Savages. Eu só senti que era hora de fazer algo que eu nunca tinha feito e acho que é algo meio cíclico. [risos] A cada cinco anos na minha vida eu tenho uma tendência a querer mudar tudo e evoluir e reinventar a forma como eu faço as coisas, é quase que uma necessidade. Parece — e eu sei que não é — mas parece uma decisão de vida ou morte, algo tão importante.

E não é, eu sei. [risos] Estamos falando de fazer um disco.

TMDQA!: E essa intensidade mostra muito bem o quanto você coloca seus sentimentos na sua música, né? Algo que é bastante perceptível no disco…

Jehnny: É, eu tenho dificuldade em pensar em qualquer outra coisa que eu aborde com tanta intensidade quanto isso. Eu admiro as pessoas que conseguem investir tanto assim em coisas tipo… casar, ter um filho, sei lá, qualquer coisa “normal” que acontece durante uma vida. Eu acho que eu tenho meio que essa… eu estou “amarrada” à ideia de criar coisas, sabe? É o que faz eu me sentir completa e realizada na vida.

TMDQA!: Eu queria te perguntar também sobre o instrumental do disco!

Jehnny: Oba!

TMDQA!: Não parece nem um pouco com um disco do Savages…

Jehnny: É claro que não! [risos] Graças a Deus! [risos] Era o que eu queria fazer, então fico feliz.

TMDQA!: [risos] Eu imagino! E eu amei isso.

Jehnny: O Savages é o que é, sabe? O Savages tem esse som puro, com uma intenção pura; gasta muita energia manter isso do jeito que é, com toda essa pureza. E eu senti que devia deixar o Savages quietinho, sem tocá-lo… que vai no que eu te falei de ter muito orgulho de tudo que eu fiz. Mas nesse disco eu trouxe alguns sons diferentes e, sinceramente, nem que eu tentasse eu poderia fazer algo parecido com o Savages.

To Love Is to Live

TMDQA!: E esse instrumental que acabou formando o To Love Is to Live foi algo que você já vinha querendo trabalhar ou foi simplesmente o que se encaixou na proposta?

Jehnny: Olha, eu acho que… na época em que eu estava fazendo o disco, a primeira coisa que eu queria fazer era um disco. Então eu deixei de lado a minha preocupação com a performance ao vivo; isso é o oposto do Savages, em que tudo gira em torno dos shows, e algumas músicas foram escritas no palco. “I Need Something New” foi escrita no palco! Então, para esse disco, eu esqueci de propósito sobre as performances ao vivo e pensei comigo mesma: “eu vou fazer um disco, um álbum”.

E eu queria que esse álbum fosse capaz de passar no teste do tempo; um legado. Eu acho que… [pausa] Eu estava construindo a fundação da casa, basicamente, era nisso que eu estava pensando. E, na época, eu realmente queria fazer um disco contrastante, eclético, porque o meu gosto é eclético e eu não queria deixar isso de lado. Eu não queria me prender a um gênero; sim, eu venho do Punk Rock, mas antes disso, antes do Savages, eu estava fazendo uma coisas mais Indie Pop. Então eu sinto que foi uma oportunidade de expressar todos esses ângulos e, ao mesmo tempo, eu queria dizer que como seres humanos nós somos muito diversos! Nós somos muito contrastantes, muito contraditórios, muito complexos!

Eu acho que eu queria fazer um disco complexo, basicamente. [risos] O que não é uma boa forma de vendê-lo, eu acho. [risos] Mas eu acho que às vezes nós precisamos que a arte nos lembre que nós somos complexos, porque eu acho que ocasionalmente nós temos uma tendência a simplificar demais as coisas em termos de preto e branco, bom e ruim, sabe? E eu queria constantemente pular de um lado pro outro, do bom pro ruim e vice-versa.

TMDQA!: Entendo demais! E você faz tudo isso com uma abordagem bem pouco convencional, inclusive no tema que mais envolve o disco como um todo: amor. Parece que você está nos convidando a… pecar, talvez? Como se o jeito tradicional já não desse mais certo.

Jehnny: Eu não sei, é tipo, você não tem como viver sem errar! Você não consegue se levantar e fazer as coisas esperando estar sempre certo, isso é impossível. Então esse conceito de pecado é algo fabricado, é meio que uma bússola moral que não é a realidade. Mas o amor, sabe, você não pode ser humano sem o amor; o amor é tudo, nós sabemos isso, eu não estou inventando essa ideia, To Love Is to Live [“Amar é Viver”] já foi dito várias vezes. Mas a gente acaba esquecendo! É só um lembrete!

A gente precisa ser lembrado das partes essenciais das coisas, e eu acho que isso foi o que aconteceu recentemente no mundo, porque nós fomos lembrados da nossa mortalidade. E aí de repente o amor passou a ter um rosto diferente. Mas, sobre o amor, sim, ele percorre o disco todo; e você está certo, eu tento apresentá-lo de uma forma que eu acho que não está realmente por aí.

Eu não quero dizer amor da forma como eu o ouço o tempo todo. Para mim, é como se fosse… pós-traumático, eu diria. Amor pós-traumático. A gente tem que passar pelo romantismo do amor e ver o que tem do outro lado, passar pelos sentimentos de ciúme e todos os outros produtos do “amor” que a gente acha que são românticos e que estão ligados à ideia de relacionamentos. Então, sei lá, não sei se deu certo mas definitivamente foi o que eu tentei fazer.

Complexidade humana, “violência interna” e raízes no Punk

TMDQA!: Eu acho que conseguiu sim, viu! [risos] E bom, você escreveu esse álbum já faz algum tempo, mas as letras parecem tão atuais dentro desse momento da pandemia. Sinto isso porque, como você mesma disse, você explora essa ideia do ser humano complexo e, mais ainda, de como nós estamos ferrados como sociedade. [risos]

Jehnny: [risos]

TMDQA!: Mas sério, como você aborda essas questões da complexidade? Você enxerga que esse contexto atual é uma consequência do comportamento humano no decorrer dos últimos anos?

Jehnny: Isso parece meio bíblico, quase. [risos] Eu não sei. O jeito que eu lido com isso é… mal. Como todo mundo. [risos] Quando eu escrevi músicas como “Innocence” ou “I’m the Man” era porque eu não conseguia dormir à noite, porque eu me sentia muito impura, sabe? Eu me sentia uma pessoa ruim, e as ideias que passavam por mim eram… elas não eram inclusivas, elas eram quebradas, e meio isoladas. E eu sentia que elas eram parte de mim e que eu tinha que apagá-las, basicamente. Minha própria violência. Sabe quando você tem medo da sua própria violência e… sei lá, o mundo é um lugar fodido, e ele te fode. E eu cheguei em um ponto de dormência em relação ao mundo.

E agora que o disco saiu, isso foi embora. E acho que isso prova que eu estava certa em expressar, algumas vezes, é importante dizer “eu era uma merda”, “eu fiz um monte de merda”. Entende? É importante às vezes expressar isso, porque esse disco me prova que se você expressas essas coisas elas vão embora e você começa a ver a luz no fim do túnel, se é que isso faz sentido.

TMDQA!: Olha, isso faz todo sentido. Mudando um pouco de assunto, como você mesma falou, você veio da cena Punk e você sempre teve uma aura Punk incrível em volta de tudo que fez e faz. Quão importante você acha que é importante ser Punk hoje em dia? E tipo, não digo de sei lá, tocar Sex Pistols…

Jehnny: [risos] É, isso não é Punk de jeito nenhum.

TMDQA!: [risos] Sim! Eu digo no sentido de contestar tudo, autoridades e tudo mais.

Jehnny: Eu acho que eu não consigo ser de nenhum outro jeito. [risos] Pra mim, o Punk é uma atitude, como você disse. É uma forma de lutar contra várias coisas, não se conformar, que é algo muito presente no Savages; essa coisa da manipulação pelo medo. É a resistência para não ser manipulado. Para rejeitar as mentiras e querer as verdades; é resiliência e resistência também. Acho que é muito difícil e nos isola muito, às vezes, e esse espírito nunca me deixou. Acho que isso também explica o porquê de eu estar fazendo esse disco — eu odeio sentir que não estou assumindo riscos.

E quando eu sinto isso, eu penso na minha morte. Eu penso que eu poderia morrer amanhã e, de alguma forma, isso me faz ter coragem e pensar tipo, “O que eu tenho a perder? É só uma vida”. Entende? É só absurdo, não significa nada. Tudo que você tem é si mesmo e você está tentando conquistar algo e todo o resto é besteira, é barulho.

Turnê e vinda ao Brasil

TMDQA!: Bom, eu queria passar horas conversando com você mas infelizmente nosso tempo está quase acabando. Queria terminar te perguntando sobre tocar no Brasil! Se não me engano, a última passagem por aqui foi com o Savages em 2014, no Lollapalooza…

Jehnny: Poxa, faz tempo…

TMDQA!: Você curtiu o Brasil? Tem planos para voltar assim que possível?

Jehnny: Sim, eu amaria voltar! Eu sinto muita falta de fazer uma turnê, eu estava pronta para voltar à turnê. Era pra eu estar em turnê agora, né. Eu só sinto que… bom, quando eu terminei as turnês — com o Savages, e depois com o Gorillaz, em 2018 — eu senti como se… eu não fosse eu mesma. Eu me senti muito desbalanceada, como se algo estivesse faltando na minha vida e não houvesse nenhuma válvula de escape física para mim. Até eu encontrar o boxe, que me ajudou demais a preencher isso e a seguir em frente sem o palco, até hoje.

TMDQA!: Bom, estaremos te esperando por aqui! E muito obrigado pelo seu tempo e pelo excelente disco.

Jehnny: E eu estou doida para voltar! Eu que te agradeço, e obrigado por falar comigo sobre o disco.

TMDQA!: Imagina, é um prazer enorme! “Innocence” tem ficado no repeat por aqui. [risos]

Jehnny: Ah! É uma das minhas preferidas! Eu chorei na primeira vez que o Flood [produtor] me mostrou. [risos] No estúdio, ele estava trabalhando nela e eu estava me sentindo meio perdida e ele falou, “Vá embora e volte daqui uma hora”, e quando eu voltei ele a tocou pra mim na mesa [de som] e eu desabei a chorar porque nunca tinha me ouvido daquele jeito. Foi incrível. É uma das minhas músicas preferidas. Obrigada, fico feliz que você goste!

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