Illy
Foto: Julia Pavin

Escrever músicas é, de fato, uma coisa incrível. É falar através de uma linguagem artística, criando significado e contexto. Mas temos que dar a devida atenção ao outro lado da moeda: os intérpretes. Embora hoje a coisa seja um pouco mais fluida nesse sentido, são poucos aqueles capazes de imprimir bem a sua personalidade musical a uma obra já registrada. É o caso da cantora Illy.

Diante da nova geração de músicos, composta em boa parte pelos chamados cantautores (que escrevem e interpretam suas próprias canções), Illy criou uma forte identidade artística ao longo dos últimos anos. Deu voz a composições de nomes como Arnaldo Antunes, Chico César e Djavan em seu disco de estreia Voo Longe (2018).

Em seu mais recente projeto, a cantora mergulhou de cabeça no repertório de uma de suas maiores influências: Elis Regina. O resultado, intitulado Te Adorando Pelo Avesso, conta com 12 releituras de músicas que ficaram famosas na voz de uma das maiores intérpretes da história da nossa música (se não a maior).

 

“É um álbum bem ao meu estilo”

A tracklist do disco engloba composições de Ary Barroso, Rita Lee, Chico Buarque, Dorival Silva, Aldir Blanc e mais. É a atualização de um repertório fascinante, que transporta as canções para a estética musical da década de 2020.

Com elementos de funk melody, rock, ska, samba-reggae e mais, Te Adorando Pelo Avesso se mostra um disco rico, fluido e sem rótulos. Isso sem falar na atualidade da letra de canções como “Alô, Alô Marciano” e “Querelas do Brasil“. Sortudo é o compositor que tiver a sorte de ter uma canção de sua autoria na voz de Illy.

Conversamos com a cantora sobre o novo disco. Confira abaixo:

TMDQA!: O trabalho traz à tona a discussão sobre o que pode ser considerado moderno na música brasileira. Apesar da atemporalidade da obra de Elis, acredito que muitas pessoas, especialmente as mais jovens, possam ter no seu novo disco o primeiro contato com várias canções dela. Em tempos onde os lançamentos são tratados de forma cada vez mais efêmera, como é trazer Elis, digamos, para o século XXI?

Illy: Vou te dizer que pensar que posso estar apresentando esse repertório para pessoas que não tiveram a sorte de ouvir Elis me enche de orgulho. O disco foi mesmo pensado para isso. A ideia é justamente fazer de forma contemporânea ou até mesmo futurista as músicas que cresci ouvindo. Sobre a forma cada vez mais efêmera de se tratar o disco, tentei fazer o lançamento também de um jeito contemporâneo. Comecei a lançar esse disco em outubro do ano passado. Foram três singles antes do álbum completo. Achei ser uma forma de manter o projeto vivo por mais tempo.

TMDQA!: Elis foi uma das maiores cantoras brasileiras em termos de reconhecimento. Por assim dizer, foi uma cantora bem “pop”. Hoje, a gente vê que o que é considerado pop mudou com o passar do tempo, o que é completamente natural. Diante da ideia de dar uma roupagem mais moderna para esses clássicos, como foi esse processo em termos técnicos? O disco tem elementos de samba-reggae, rock, R&B, funk melody…

Illy: Acho a denominação do pop atual na música brasileira bastante abrangente. Talvez seja confuso para muita gente englobar Anitta e Anavitória num mesmo gênero, ou outras cantoras tão diferentes no estilo, mas que são denominadas como pop. Elis era pop ao extremo e a capa do Elis 1973, referência estética para a capa do meu álbum, até cabe nesta nomenclatura de pop atual. Desde o início, pensei em só fazer se não fosse mais do mesmo. Me uni a Gabriel Loddo para pensar embalos diferentes, depois Gui trouxe mais futurismo. Quis fazer algo versátil e com a minha marca. Apesar de ser um álbum cantando Elis, em vários momentos, Te Adorando Pelo Avesso me lembra Voo Longe. É um álbum bem ao meu estilo.

TMDQA!: O que justifica, para você, o incrível legado que Elis deixou para a música brasileira? O quanto ela te influencia e como o que mais te chama atenção em relação à sua obra?

Illy: A potência, a emoção despejada, os tons, as canções escolhidas, o jeito de cantar… Tudo isso fez de Elis a cantora mais importante da nossa música. E ela usou seu talento para projetar outros grandes nomes da história da MPB. Eu cresci ouvindo Elis e me sinto totalmente influenciada por ela e por sua força.

 

“Há ainda muitas outras que eu queria ter gravado”

TMDQA!: Desse repertório, você tem alguma favorita, seja a canção que mais tenha te marcado durante a vida ou a versão da qual você mais ficou orgulhosa de ter reintrepretado?

Illy: Hoje me orgulho muito da versão de “Alô, Alô Marciano”. Acho que, enfim, encontramos o jeito e o momento certos de gravar ela. “Dois Pra Lá Dois Pra Cá” é outra faixa que eu gosto muito. Mas todas as canções escolhidas marcaram bastante minha vida. “Vida de Bailarina” eu ouvi pela primeira vez na voz de minha avó em um sarau da família. “Vou Deitar e Rolar” foi a primeira música que cantei quando cheguei ao Rio, participando do show do Mosquito no Teatro Rival, por exemplo.

TMDQA!: Para você, alguma canção que Elis emplacou ficou deixada de fora do repertório de Te Adorando Pelo Avesso?

Illy: Ah! Muitas. “O Bêbado e a Equilibrista”, “Velha Roupa Colorida” e “Aprendendo a Jogar” são algumas delas e que eu canto no show. Mas há ainda muitas outras que eu queria ter gravado.

TMDQA!: Te Adorando Pelo Avesso acaba não sendo um nome óbvio para um disco de releituras. A frase vem de “Atrás da Porta”, uma canção de autoria de Chico Buarque que ganhou versão na voz de Elis em 1972. Por que justamente essa frase nomeou o disco? Como foi escolher esse título e levar esse conceito para a capa, onde você aparece de ponta-cabeça?

Illy: Eu quis deixar bem claro, já no nome e na capa, que se tratava de um álbum diferente. É mesmo uma adoração, mas às avessas, fazendo do nosso jeito. Na hora de pensar no título, não achei em nenhum nome de música algo que explicitasse isso e, quando comecei a buscar verso a verso, tive essa ideia que me deixou bem feliz. E a capa é praticamente um desenho do conceito do disco. Agora, imagine… Mesmo assim, algumas pessoas não entenderam.

Capa de "Te Adorando Pelo Avesso" (Illy)
Foto: Divulgação
Capa de "Elis 73" (Elis Regina)
Foto: Divulgação

 

“A versatilidade é uma das maiores virtudes do meu som”

TMDQA!: O disco conta com participações de Baco Exu do Blues e Silva, dois outros nomes que estão em forte ascensão na nossa cena musical. De onde surgiu a ideia de realizar essas parcerias especificamente nas canções “Me Deixas Louca” e “Atrás da Porta”?

Illy: Quando eu tava estudando “Me Deixas Louca“, notei como aqueles versos viscerais e até mesmo o flow da canção me lembrava as músicas de Baco. A lâmpada apagando, os braços cruzando nas costas, as palavras desaparecendo… Era tudo muito ele. Um dia ele estava na minha casa e propus que ele cantasse. E ele cantou muito bem. Fiquei muito feliz. Já Silva é minha alma gêmea na música. Eu e ele, como fiéis representantes da MPB neste mundo pop, tínhamos mesmo que cantar este clássico. Fizemos do nosso jeito, sofrendo menos, amando menos intensamente, acompanhados pelo clarinete de Loddo e o baixo de Gui.

TMDQA!: Você é uma artista de várias camadas, e faz questão de deixar isso claro. Temos, por exemplo, a sua série Illy e a MPB de Todos os Sons que, além de mostrar diferentes facetas da MPB, acaba por resumir um pouco da sua versatilidade musical. Desde o lançamento do Voo Longe até hoje, você mergulhou ainda mais nessa amplitude sonora, com várias parcerias e flertando como outros gêneros. Como tem sido esse desenvolvimento e essa evolução para você?

Illy: Ainda bem que você faz essa leitura, porque é exatamente o que pretendo. A versatilidade é uma das maiores virtudes do meu som. Gosto de uma balada que embale os corações tanto quanto eu gosto de ritmos quentes. Sou mais da música orgânica, mas tenho ficado mais aberta para as inserções eletrônicas. Duda Beat e Baco me ajudaram a desenvolver mais isso. E o desenvolvimento é esse. É cantar samba, carnaval, MPB, R&B e evoluir meu som mais e mais.

TMDQA!: Se você tivesse a oportunidade de gravar um novo álbum de releituras, que outro(s) artista(s) escolheria para dar o “toque Illy”?

Illy: Gal [Costa], Edson Gomes ou Gerônimo Santana.

 

“Exaltem o trabalho das intérpretes”

TMDQA!: Você teve um filho no final do ano passado (parabéns, inclusive <3) e acredito que este seja um momento de grande impacto sentimental na vida de um artista. Qual tem sido o impacto dele na sensibilidade do seu trabalho enquanto artista?

Illy: Acho que eu só fiz esse disco porque estava grávida, num período mamãe coragem. Martim veio para encher minha vida de amor e isso acaba estando ligado totalmente à minha vida profissional.

TMDQA!: O disco foi lançado em pleno período de quarentena, no qual muitos artistas estão optando por prorrogar seus lançamentos. O que te motivou a manter o planejamento? Em tempos de isolamento social, como você espera que seu disco impacte os ouvintes?

Illy: Meu público estava ansioso por esse disco depois de três singles lançados. E acho que boa parte do repertório traz uma urgência de ser cantado neste exato momento. Além disso, pensei que pudesse servir de afago neste período conturbado.

TMDQA!: Alguma consideração final?

Illy: Por favor, valorizem e exaltem o trabalho das intérpretes.

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