Davis

Por Maria Angélica Parmigiani

Direto de São Paulo, Davis é um DJ e produtor que viu na música não apenas uma alternativa a um “trabalho comum” como advogado.

Com ela, conseguiu a oportunidade de celebrar a vida e superar uma das fases mais difíceis da sua história pessoal, se agarrando à música eletrônica e estudando elementos para fazê-la.

Em seu terceiro lançamento pela influente Live At Robert Johnson, o brasileiro aborda a temática com estilos diferentes e sua assinatura tradicional na forma de Dance Peralta.

Logo abaixo você pode ler uma entrevista com ele para entender o projeto!

 

Maria Angélica Parmigiani: Olá Davis, tudo bem? Primeiramente, muito obrigada por nos conceder essa entrevista. Você representa um verdadeiro pilar no fomento à música eletrônica e na inovação do movimento independente aqui no Brasil. Quais pontos você considera terem sido fundamentais para chegar na posição atual?

Davis: Olá! Tudo bem, obrigado pelo convite e pelo reconhecimento ao meu trabalho.

Vejo que a característica mais marcante para chegar até aqui é a minha persistência. Nesta jornada aprendi a acreditar que poderia ser quem eu quisesse. No começo lidei com muita dualidade entre a carreira de advogado e a de DJ profissional. Muita gente falava que eram mundos antagônicos, ou que a carreira de advogado era muito melhor do que vida artística. Eu não dei ouvidos e cá estou (risos). Outro atributo tão importante quanto a persistência é a valorização e o respeito às pessoas que cruzam meu caminho.

Maria: Você faz parte de outra frente criativa, a ODDiscos, que tem tido uma abrangência muito interessante. Conta um pouco para nós sobre esse projeto: como acontece a curadoria das faixas? O que vocês buscam de especial?

Davis: Estamos rodeados de pessoas criativas e talentosas. Isso tornou nosso ambiente um ponto de encontro de artistas e troca de experiências. Iniciamos o selo ODDiscos com o propósito de lançar material dos nossos residentes, porém, logo em seguida, identificamos que tinha muita gente incrível que deveria colaborar com a gente, foi daí que começamos a convidar outros artistas para os diferentes projetos do selo.

Buscamos músicas que nos agradem, sem rótulos e definições, e buscamos artistas que acreditamos que estarão conosco nos próximos anos e não apenas uma relação pontual.

Maria: Estamos vivendo um reboot total, é quase como se a mente das pessoas fosse forçada a resetar. Acompanhamos artistas se reinventando, lançando músicas para o momento, finalizando processos que estavam parados… Como tem sido pra você?

Davis: Tenho tido muitos momentos de paz nas últimas semanas. Entreguei muito trabalho de estúdio, não só do meu projeto, mas de outros paralelos… Acho que a grande questão é que eu não me cobrei tanto, tento não ligar para o que as pessoas falam ou esperam, porque cada um está lutando da sua maneira para sobreviver, para pagar as contas, se manter saudável, etc.

A sociedade não pode exigir e o artista também não precisa se sentir cobrado, não devemos nos comparar ou ser parâmetros com outros, muito menos nos preocupar com aprovação. Quando entendi isso tirei um peso enorme de mim… Nos últimos meses passei por momentos muito criativos e outros mais tranquilos, estou mais leve e quando a inspiração bate eu vou pro estúdio.

Maria: E por falar nessa reprogramação mental, falemos do seu novo projeto, o Dance Peralta. Esse lançamento representa seu retorno para o selo e mostra sua maturidade sonora em entregar música à nichos realmente avançados. Fazendo um resgate ao passado, como você enxerga o Davis do início da carreira de produtor para o de agora? Tem algo que se mantém diante desses anos todos ou é uma constante evolução?

Davis: Eu vejo minha vida e carreira como uma constante evolução. Todo dia sou uma pessoa nova, a única base que eu busco manter é de um alto nível artístico criativo, provocar, apresentar o novo, me desafiar…

Isso tem muito a ver com meus trabalhos no Live at Robert Johnson. Este será meu terceiro disco por lá. O primeiro tem bastante baterias eletrônicas, synths modulares… o segundo traz um pedaço dessa estética, mas adiciona coisas novas, numa pegada rave/house anos 90, com beats de jungle.

Agora, no terceiro, tem nova proposição rítmica, trouxe samples do funk brasileiro de forma mascarada, percussões, mas ainda assim tem traços da estética dos outros dois trabalhos, então de uma forma ou de outra todos estão concatenados, porém em cada um deles eu vivi o auto-desafio para fazer algo diferente.

Me orgulho do Davis do passado e se estou aqui hoje é porque eu fui aquele cara anos atrás, estudei, atualizei e colaborei com muita gente, essa é uma palavra que eu sempre carrego comigo, colaboração.

Maria: A temática do seu disco é sobre saúde mental, a tão famigerada saúde por vezes negligenciado por nós. Se formos segmentar ainda mais, no mundo da música eletrônica isso é bem comum, já que o fluxo de trabalho pode ser insustentável se somarmos o ofício ao que está ao redor dele. Então o teor artístico do seu EP é sobre evolução. Você pode nos contar a motivação para gerar esse álbum? O que é importante verbalizar para dar o bom exemplo aos novos nomes que estão ingressando?

Davis: Aqui preciso contextualizar e buscar algumas coisas do passado para que vocês entendam melhor. Em 2000 enfrentei um problema muito sério que me gerou um pedido de ajuda, depois de quase morrer. Descobri que eu era dependente químico e que precisava de tratamento. Fiquei internado, fiz todo o processo e quando saí da clínica eu precisava aprender a viver de novo.

Sai de lá pensando o que eu faria para me entreter, percebi que precisava me reinventar. Foi aí que apareceu a música. Lembrei que quando mais jovem, por volta dos 13 anos de idade, eu me identifiquei com a cultura clubber, gravava fitas, colecionava discos, fazia pequenos “bailes” com meus amigos. Enfim, fui atrás de disso, te tocar como DJ, pra ser profissional mesmo, tinha isso bem claro pra mim, eu queria levar adiante. E eu consegui.

No começo eu não podia sair, ir pro club, não era recomendado já que era um ambiente “perigoso” pra mim, já que eu poderia ter uma recaída. Então eu ficava em casa praticando, pesquisando, comprando discos, juntando dinheiro para equipamentos… até que saí da casa dos meus pais, trouxe o pouco que eu tinha para meu atual apartamento, comprei um sofá, geladeira, fogão e uma cama e fiquei assim por muito tempo.

To falando tudo isso pra mostrar que depois de todos esse anos de dedicação, consegui construir minha vida, passei a ser reconhecido pelo que eu era de verdade, com a ODD, os lançamentos na Innervisions, LARJ, etc, mas aí, sem qualquer aviso prévio, eu apareci depressivo. Realmente não vi isso chegando, mas senti que eu tava com todos os sentimento de quando eu usava drogas, mas sem usar. Percebi que precisava de ajuda novamente, era um novo pedido de socorro.

Foi mais um período extremamente difícil na minha vida, mas que me fez entender e mudar meu estilo de vida. Passei a me reconectar com coisas que faziam mais sentido pra mim e aí comecei a trabalhar nesse disco. Conversei com o Zopelar, chorei, desabafei, e isso foi começando a virar um processo de liberdade e criatividade. Trocamos muita ideia juntos e nisso foram saindo as faixas, quando eu vi tinham umas oito faixas prontas, mas seis eram muito coesas e faziam total sentido estarem, nessa hora eu parei e pensei: ‘Caralh*, nasceu meu primeiro álbum!’

Isso tudo serviu para me fazer enxergar como é importante e transformador passar por experiências negativas para conseguir ver o lado bom das coisas. Minha vida é muito sobre isso, evolução, agarrar oportunidades… os sentimentos e os momentos que eu vivi foram uma merd*, sério, mas foram responsáveis por me fazer a pessoa que sou hoje. Então acho que é isso, aprender a lidar com a dualidade da vida, essa é a minha grande noção de evolução e, de forma indireta ou subliminar, na parte lírica ou instrumental, o disco carrega um pouco disso tudo que falei.

Maria: E como você disse, seu trabalho começou há muito tempo, outros tempos. Alguma lição aprendida que você deixará no passado? O que você diria para quem pretende ingressar nessa jornada de música e arte?

Davis: O maior requisito dessa profissão é persistência. Não quero dizer de estar produzindo incansavelmente, mas de fazer sempre o que você acredita que é o melhor pra você, não importa se você toca uma música X, Y ou Z, mas você precisa fazer o melhor daquilo.

Em uma determinada época da minha carreira eu não ouvia outros DJs, não queria ser influenciado, raramente eu assistia um ou colocava um set pra tocar, não queria que aquilo virasse uma referência pra mim. Eu sempre busquei ser original, eu tive muito associacao do meu nome ao Dixon que é um puta artista, isso foi muito prazeroso, mas eu sabia que tinha meu próprio estilo, minha visão, e eu não queria ficar sendo comparado a ele… sempre lutei pelo meu espaço e quero ser reconhecido por isso.

Então, em resumo, acho que é isso: persista no que você acredita, seja você mesmo e busque pela originalidade artística, confie no seu potencial que tudo é possível. Essas características vão te levar para lugares em que você merece estar.

Maria: Por último: o que o novo Davis pretende fazer para contribuir para o novo mundo e continuar a fomentar a cultura pelo país?

Davis: Meu foco hoje é me tornar uma pessoa melhor a cada dia, um artista melhor, para que isso sirva de exemplo. Não quero transformar ninguém porque sei que isso nunca vou conseguir, o que eu posso fazer é compartilhar experiências, visões e a partir daí cada um pode fazer uma avaliação disso.

Quando falamos de cultura nesse país, ainda mais num momento tão sensível, eu preciso ter cuidado, ser mais ativo do que verbal, pegar o que eu tenho de privilégios, reconhecê-los e ajudar quem eu posso, ser inclusivo criando mais espaço para minorias, para pessoas da periferia, fazendo festas que façam as pessoas felizes, ir além do que me rodeia e estar mais próximo das pessoas, sempre fazendo o bem.

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