Penny Lane
Foto Stock via Shutterstock

Você provavelmente está acompanhando a #BlackLivesMatter, iniciativa que tem movimentado os Estados Unidos, o Brasil e o mundo. Recentemente e inspirados pelos protestos ao redor do mundo, também temos visto uma forte pressão popular para a readequação de monumentos e símbolos públicos que relembrem ou homenageiem períodos sombrios da história da humanidade, como a escravidão.

No meio desta revisão, um dos símbolos sagrados do rock mundial ganhou os holofotes: “Penny Lane”, alameda de Liverpool que foi imortalizada na canção dos Beatles de mesmo nome e gravada em 1967, supostamente teria ligação com a escravidão, já que teria sido nomeada por causa de um vendedor de escravos chamado James Penny.

Você pode ler a nossa matéria completa sobre a história aqui.

Penny Lane e o Racismo

Mas isso é verdade mesmo? “Penny Lane” é uma homenagem a um escravocrata? Uma das minhas músicas favoritas dos Beatles homenageia indiretamente o racismo? A famosa alameda de Liverpool vai mudar de nome? Bom, a resposta curta é: não. Mas a gente que é beatlemaníaco quer entender de onde surgiu essa história, não é?

Bom, então vem comigo entender como é que a canção de Lennon e McCartney e a alameda liverpooniana ganharam essa fama ruim e as razões pelas quais essa canção maravilhosa pode continuar tranquilamente nos nossos ouvidos e nos nossos olhos.

Eu, em frente a uma das 400 mil placas de Penny Lane espalhadas pela alameda. Imagem: arquivo pessoal, 2016

Penny Lane e James Penny: como tudo começou

A correlação entre Penny Lane e o tal comprador de escravos James Penny infelizmente não é nova. A teoria ganhou espaço pela primeira vez em 2006, quando o Museu da Escravidão (Slavery Museum) em Liverpool, organizou uma exposição que contava com um painel onde se era possível ler o nome de ruas de Liverpool que teriam nomes de compradores de escravos.

Para horror dos beatlemaníacos de plantão, Penny Lane estava na lista. Em uma coletiva de imprensa, o à época assessor de imprensa do museu declarou que Penny Lane teria sido provavelmente nomeada em homenagem ao comprador de escravos James Penny. A época, a única “prova” apresentada para a tal afirmação era a o fato de que a alameda se chamava “Penny” e “Penny” era o sobrenome de James. Só isso. Era como dizer que a Chica da Silva é parente de todas as pessoas com sobrenome Silva no Brasil.

Foto do Museu da Escravidão, em Liverpool, com Penny Lane entre as ruas com nomes de escravocratas. Imagem: NML

Foi exatamente nesta época que o historiador local Glenn Huntley (obrigada, moço, nem te conheço mas já te admiro pacas!) começou sua investigação. Huntley, que mantém até hoje um blog com uma série de fatos históricos a respeito da área Sul de Liverpool, conhecida como Cast Iron Shore (prestigie o cara aqui), debulhou uma série de materiais para reunir provas que sustentassem ou negassem a afirmação do museu, enquanto jornais, sites e revistas já consideravam o link como fato (veja aqui uma matéria da BBC).

Seu estudo já tem mais de 10 anos e foi recentemente reconhecido como uma fonte confiável de informação sobre o caso, e Huntley tem inclusive cedido entrevistas à veículos locais a respeito de toda a situação.

Novas descobertas – Penny Lane e James Penny não têm nada a ver!

Como tentar encontrar provas de que a conexão entre os nomes era real estava sendo mais difícil do que parecia, Huntley decidiu reunir provas sobre a ausência de conexão entre uma coisa e outra. A pesquisa, que começou inicialmente em 2007, lista agora que a pauta voltou à tona sete fatos que comprovam a ausência de ligação entre uma coisa e outra.

Veja alguns deles abaixo.

O assessor de imprensa do Museu da Escravidão admitiu que não existe nenhuma pesquisa que comprove a relação entre James Penny e Penny Lane: em email à Huntley, o antigo assessor de imprensa reconheceu não ter nenhuma prova da relação entre a alameda e o comprador de escravos e disse que adoraria ver alguém provar que de fato a conexão não existe. Ele foi desligado do museu em 2014. Veja uma parte do email traduzido abaixo:

Concordo que não há evidências concretas de que Penny Lane tenha o nome de James Penny. A teoria de que ‘provavelmente recebeu o nome de James Penny’ ou sua família surgiu após uma discussão no Museu Marítimo de Merseyside sobre os nomes das ruas de Liverpool e suas origens. Eu acho que é provável que a alameda tenha o nome de James Penny. Ele era um cidadão líder no porto e pode ter tido associações com o que é agora a área de Penny Lane. É coincidência demais para não haver um link possível. No entanto, nem eu nem qualquer outra pessoa afirmou ter provas documentais para sustentar isso. É uma teoria, um ponto de conversa e não um pronunciamento acadêmico. Talvez no meu blog eu devesse ter dito ‘talvez’ em vez de ‘provavelmente’. Que diferença uma palavra pode fazer!

O próprio museu se pronunciou no Twitter, dizendo não ter provas a respeito do caso, encorajando a população local a compartilhar arquivos que alguém possa ter para estabelecer conexões e dizendo que deve reavaliar a exposição e corrigi-la, se necessário, em breve.

Cada pedaço de Liverpool vai te lembrar Beatles, querendo ou não. Mas diga lá se esse mercadinho em Penny Lane não é um charme?
Imagem: arquivo pessoal, 2016

 

Algumas ruas de Liverpool têm nomes de comerciantes de escravos, mas não Penny Lanesim, é uma correlação bastante possível imaginar que Penny Lane e James Penny estejam conectados de alguma forma, mas esse definitivamente não é o caso aqui. Ruas de Liverpool receberam o nome de comerciantes de escravos que se tornaram ricos por conta desse comércio. Quando esses barões possuíam terrenos ao longo da cidade e ruas eram construídas nesses terrenos, as ruas ganhavam o nome do proprietário do terreno. James Penny tinha negócios na área nobre da cidade, próximo ao porto, mas nunca teve terras na área de Penny Lane. Na verdade, a área em que hoje é situada Penny Lane já existia em 1754, conforme  mostra o trecho de um mapa da cidade nunca antes divulgado (veja abaixo).

Faça as contas: James Penny desembarcou pela primeira vez em Liverpool em 1768, 14 anos depois do mapa mostrado no tweet abaixo. Apenas viajando no tempo ele teria como ter arrendado terras demarcadas em uma propriedade 14 anos antes de chegar lá pela primeira vez.

 

Antes do museu estabelecer a conexão entre James Penny e Penny Lane, NINGUÉM NUNCA mencionou issoexistem diversos mapas, estudos e pesquisas a respeito do desenvolvimento do comércio em Liverpool, a história da escravidão na cidade e no país, a história dos nomes de ruas e alamedas da cidade e uma série de outros temas relacionados. Antes de 2006, a conexão entre James Penny e Penny Lane simplesmente não existia. É no mínimo estranho pensar que um estudo assim surgiria do nada, sem nenhum embasamento anterior, certo?

 

Penny Lane teria sido nomeada em homenagem a um pedágio localcalma, parece absurdo mas acontece e é bastante comum em cidades com histórico britânico. Muitas cidades cortadas por rios cobravam pedágios no passado para que seus cidadãos passassem de um lado para o outro do rio – ou atravessassem uma ponte. Isto também acontecia em logas estradas e alamedas. Esses pedágios eram conhecidos como “Penny Toll” por causa de seu preço, que girava em torno de um centavo (one penny). O prefeito de Liverpool também afirmou não ter conhecimento de nenhuma estrada com pedágio na área de Penny Lane na época da nomeação da alameda.

Após tanta discussão, autoridades locais de Liverpool já se pronunciaram a respeito do futuro da alameda que deu nome à canção dos Beatles: o nome não vai mudar. Veja abaixo a declaração do prefeito de Liverpool:

Qualquer decisão sobre remover nomes de ruas será tomada pela administração de liverpool. Como prefeito da cidade, deixe-me ser claro: o nome de penny lane não será modificado. não existe evidência alguma de que a alameda foi nomeada em homenagem a james penny.   em parceria com nossas comunidades negras e de minorias etnicas nós não vamos erradicar o passado, mas informar o presente.

 

O fantástico trabalho de Glen Huntley foi a principal fonte dessa matéria e você pode ler o artigo completo, com todo o desenrolar dessa história desde 2006 e com atualizações recentes aqui (disponível apenas em inglês). Se você é apaixonado por Liverpool, pelos Beatles ou pelos dois, você precisa conhecer o trabalho dele, em seu blog.

Uma das barberias de Penny Lane
Imagem: arquivo pessoal, 2016

Acho que já podemos respirar aliviados, não é? E quer melhor jeito do que ouvindo mais uma vez o clássico dos Beatles que não tem nada a ver com a escravidão? Dê o play abaixo!

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