Andrea Cruz

Por Nathália Pandeló Corrêa

Um folk delicado e intrinsecamente pessoal brota dos acordes de Andrea Cruz, cantora porto-riquenha que chama atenção internacionalmente com seu álbum de estreia, Tejido de Laurel, e o novo Sentir no es del tiempo, lançado em fevereiro. Ambos nasceram em tempo de tormenta.

Se o primeiro trabalho veio à luz em meio às consequências do Furacão Maria, que devastou a ilha em 2017, o segundo capítulo chega em tempos de coronavírus, brecando toda a promoção e uma turnê que passaria pela segunda vez pelo festival South By Southwest (SxSW), em Austin, e seguiria por outras cidades como Nova Iorque, Boston e Dallas.

Andrea não tem muita experiência em divulgar álbuns em meio a pandemias globais – como é o caso de todo artista afetado por essa crise sanitária sem precedentes. O que lhe resta é a canção, e é isso que ela tem feito em casa: sessões ao vivo no Zoom, ouvindo discos antigos e refletindo sobre questões importantes que não deixaram de existir em meio à Covid-19. No Dia do Trabalhador, por exemplo, se manifestou online sobre a situação de desigualdade das mulheres no mercado de Porto Rico.

A música de Andrea vem do mesmo lugar, de pura identidade, mesclando influências anglófonas às suas raízes latinas. As canções mostram um novo lado da ilha que popularizou o reggaeton e protagoniza sua nova fase de destaque mundial. Mas Andrea Cruz mostra que a música de Porto Rico tem muitas facetas, e que o seu próprio cancioneiro galga cada vez mais espaços – entre eles, o já tradicional Tiny Desk Concerts, série em vídeo da rádio pública americana NPR -, justamente por ir na direção contrária: de muita entrega e vulnerabilidade.

A artista conversou com o Tenho Mais Discos Que Amigos! de casa sobre o atual momento da indústria da música e os novos espaços para os sons da América Latina. Confira:

TMDQA!: Olá Andrea, obrigada por seu tempo! Sua música reflete sobre noções muito abstratas – sentimentos e a passagem do tempo. Como você torna assuntos tão emocionais e às vezes tão pessoais em algo tangível para que as pessoas se conectem às suas letras?

Andrea Cruz: Pode parecer que não passamos pelas mesmas situações, mas nos surpreendemos por estarmos ocupando os mesmos espaços em condições sociais diferentes que nos tornam quem somos. Todos nós passamos por dores, tristezas, alegrias e frustrações e isso nos conecta, nos une. É só uma questão de reconhecer o que você quer e como quer falar sobre isso.

TMDQA!: Sentir no es del tiempo é seu segundo disco. Quando você se volta para Tejido de Laurel, como você avalia seu crescimento enquanto artista, musicista e letrista nesses últimos anos?

Andrea: Falar sobre e ouvir o Tejido de Laurel é ver um lado do meu resgate familiar, com uma narrativa sobre o passado. Essas foram minhas primeiras letras e composições, então você pode notar, de certa forma, a naturalidade e o surgimento de uma essência. Já Sentir no es del tiempo me levou a narrar o contexto de algumas feridas, traumas e buscar gerar sensações na direção de resgatar os cinco sentidos, além da necessidade de pertencimento à minha ilha de Porto Rico e cantar para ela uma canção de ninar.

TMDQA!: E como o resto do mundo, o Brasil recentemente começou a ouvir mais música em espanhol – especialmente o reggaeton de Porto Rico. Mas ritmos mais regionais ou folclóricos dos nossos países vizinhos não parecem atravessar nossas fronteiras, o que seria compreensível se não fizéssemos parte da América Latina. Mas o mesmo não parece acontecer quando a situação é inversa. Você tem algum artista brasileiro, antigo ou novo, que goste? E você planeja vir tocar aqui quando tudo isso acabar?

Andrea: Flora Purim e sua canção “Angels & Angels” é algo lindo para mim, é uma referência que eu ouvi há algum tempo atrás e amei. Também Rubel, que apesar de ser mais moderno, tem aquele clima de folk que eu gosto também. Como artista independente, estou sempre procurando novos espaços para divulgar minha música, qualquer país é um espaço para a arte, então se eu tiver oportunidade, eu gostaria de visitar o Brasil em algum momento.

TMDQA!: Eu vi que você se manifestou sobre a falta de visibilidade e as diferenças de salários para profissionais femininas na indústria musical de Porto Rico em um post no seu Instagram no 1º de Maio. A maioria das pessoas vê o negócio da música como algo cheio de privilégios e glamour, mas nem sempre é o que acontece. A indústria do entretenimento como um todo é uma das mais afetadas pela crise do coronavírus e vai ser uma das últimas a retomar as atividades. Como você vê as lutas desses profissionais – e também sua – nessa situação incomparável?

Andrea: O setor cultural, ao qual a música pertence, sempre foi esquecido e ignorado enquanto uma agenda em Porto Rico, onde atuo. Nesse momento, o governo ainda não falou de nenhum plano para a defesa e segurança de artistas em geral. Mais uma vez, cabe a nós cuidarmos para que sejam tomadas medidas de longo prazo e alternativas em que possamos nos encaixar. É nessa situação onde nos encontramos. Há algumas organizações privadas que estão buscando fortemente nos oferecer respostas, mas sinceramente acho que nós teremos de nos envolver diretamente nessas oportunidades e direitos que exigimos. E que no fim das contas, cabe a nós fazer que entendam que somos uma necessidade para a sociedade, para a humanidade. É muito curioso ver como continuamos a criar com ou sem segurança econômica, a arte não para. Mas precisamos de justiça nesse assunto. É por isso que temos de buscar formas de monetizar um conteúdo que anteriormente era gratuito. Não é suficiente compartilharmos nossas músicas nas plataformas e vender produtos, precisamos olhar mais profundamente.

TMDQA!: Além disso, você ia tocar no SxSW de novo e tinha uma turnê americana, que imagino que ficou parada por conta das restrições do coronavírus. Você acabou de lançar seu segundo disco e a divulgação dele ficou muito afetada, como é o caso de todo e qualquer artista do planeta. Sei que você tem feito sessões no Zoom e se mantendo ocupada. Como está lidando com essa paralisação e como ela afetou seus planos para o disco e a turnê?

Andrea: Foi tudo bem difícil, lançar um primeiro disco durante o furacão mais devastador da história de Porto Rico, e agora um segundo projeto com uma pandemia acontecendo é o impacto e a prova de incondicionalidade que eu nunca pensei que viveria. Eu percebi que estou disposta a fazer tudo pela arte, pela música e para levar meu projeto a um outro nível. É por isso que tirei algumas semanas para repensar o plano que tinha, para entender que ele não vai se concretizar mais e que vou ter de esperar antes de conseguir chegar a novos países pessoalmente. O que restou foi a esperança de compartilhar essa mensagem digitalmente o máximo possível. Meu público é fiel, é leal e é real. Sei que eles estão aí, agora só resta buscar cruzar essas novas fronteiras que uma pandemia traz. Por enquanto, vou continuar criando música e produções visuais para lançar no YouTube e documentar essa experiência.

TMDQA!: Falando em uma nova exposição midiática para a música da América Latina, você conseguiu tocar na série Tiny Desk, da NPR, que é um dos “palcos” internacionais mais visados. Você acha que está chegando a novos públicos, agora que as pessoas parecem prestar mais atenção a artistas latinos?

Andrea: O meu gênero musical é um pouco difícil, porque sinto que na América Latina, ele não é tão bem vindo como nos países europeus, ou talvez ele tenha sido apenas rejeitado por um tipo específico de mídia. Ainda assim, entendo que há um grande público procurando esse tipo de música, que te leva a uma reflexão, que te toca e que vai além do som, buscando algo mais duradouro.

TMDQA!: O nome do nosso site tem muito a ver com a forma que a música está presente nas nossas vidas! Já que estamos todos tentando ficar sãos em casa, quais são os discos que estão te fazendo companhia nas últimas semanas ou meses de isolamento social?

Andrea: Adoro essa pergunta! Eu descobri Westerman, e também voltei a ouvir muita música dos anos 70 e 80, do Heart, Toto e esse tipo de rock. Além disso, o disco “All things must pass”, do George Harrison, é um dos meus favoritos e eu o revisitei. O álbum que eu mais ouvi é “Sleep comes then I wake”, de Abby Gundersen, uma instrumentista incrível que me trouxe paz.

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