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Foto: Divulgação

São constantes as associações de animações a conteúdos infantis. De fato, a maioria das produções desse meio é voltada para o público infanto-juvenil, mas existem muitas obras que conseguem impactar o público adulto.

Os desenhos voltados ao público mais maduro, é claro, costumam abordar temas sensíveis para crianças, como linguajar inadequado, cenas violentas e piadas inapropriadas. Mas a animação tem um papel metafórico importante ao fugir da realidade e propor novas visões e novos universos a partir de uma perspectiva humana. E isso transcende idades.

Exemplos disso estão nos cultuados filmes da Pixar, que emocionam jovens e adultos a partir do desenvolvimento delicado de seus plurilaterais personagens. Por sinal, se você é impactados por esses tipos de animação, certamente precisa conhecer o novo trabalho da banda Maneva, que comemora 15 anos de estrada em 2020.

Intitulado O Cabeça de Papel, o EP conta com seis faixas inéditas, incluindo uma parceria com Vitor Kley na faixa “Nós do Bonfim“. Mas o conteúdo não se encerra nisso, já que veio junto a uma série de animação em que cada música dá vida a um episódio. É um feito inédito na música brasileira, e o resultado ficou incrível e está disponível na página da banda no Youtube!

 

“A gente criou o universo dele”

Cabeça de Folha, assim como outros personagens brilhantemente construídos, possui questões existenciais que são desenvolvidas ao longo da série. De forma metafórica, a animação provoca reflexões sobre evolução e aprendizado. O protagonista, através da música, descobre a grandeza do mundo e de suas várias possibilidades. Daí em diante, vemos o Cabeça de Folha em uma emocionante jornada de autoconhecimento.

Sobre tudo que deu origem à animação, tivemos a oportunidade de conversar com os membros Tales de Polli (vocal), Fernando Gato (baixo) e Diego Andrade (percussão). Confira o papo na íntegra abaixo:

Maneva
Foto: Marina Bernardo

TMDQA!: Fazer um álbum inteiro de animação é algo inédito na música brasileira. De onde surgiu essa ideia?

Maneva: Acho que a gente teve a felicidade em ser a primeira banda a lançar uma série de animação criada a partir de um EP de músicas inéditas. O Cabeça de Folha surgiu a partir de um grafite no nosso estúdio, feito pelo artista André Mogle. É um grafite que mostra um cara tocando violão com uma cabeça cheia de folhas. Surgiu-se a dúvida de como, em termos evolutivos, surgiram essas folhas na cabeça dele. Surgiu uma série de especulações, e a gente acabou partindo dessa premissa para fazer o Cabeça de Folha. O processo de conclusão da série demorou cerca de três anos. Foi tomando vida. Ele escolheu as músicas que ele queria, as músicas que ele queria… A gente criou o universo dele. É uma história de todos nós, que conta sobre o aprendizado, a evolução e as escolhas que o Maneva tomou durante esse tempo.

TMDQA!: Como o personagem principal foi construído diante da trilha? Conforme as músicas eram compostas, vocês já tinham em mente como a história ia se construir?

Maneva: Primeiro surgiu a ideia e o roteiro. Depois, surgiram as fases pelas quais ele passa. A gente compôs as músicas justamente para ele. O Cabeça de Folha é o nosso “muso inspirador”. As situações que ele vive durante os episódios foram pensadas exatamente para a música contar a história. A música, na verdade, ele tem um papel de trilha sonora, mas também é um recurso narrativo papa o desenvolvimento das respostas. Foi um processo de criação bem diferente. Por isso, eu falo que o Cabeça de Folha foi quem escolheu tudo (risos). A equipe que trabalhou conosco entendeu bem a mensagem que queríamos transmitir. Conseguimos fazer com que as músicas não combinem apenas em termos ideológicos, mas também estéticos.

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TMDQA!: O Cabeça de Folha é um personagem, podemos dizer, pluridimensional. Ele passa por uma jornada de autoconhecimento ao longo dos episódios. Como vocês conseguiram colocar várias questões humanas dentro de um único personagem?

Maneva: Teve uma associação muito grande com a nossa vida enquanto ser humanos, a nossa vida em sociedade. No momento da direção de arte, a gente optou por não humanizar muito os personagens, tanto que nem boca o Cabeça de Folha tem. Na real, essa história é legal por não ter um vilão. Os vilões não existem; eles são criados. São as escolhas do Cabeça de Folha que o levam a diversas situações. No primeiro episódio, ele encontra o violão. A partir daí, ele passa a ver que a vida é muito mais do que a rotina. Ele viaja, conhece novas pessoas…

Essas emoções, tão presentes em nosso cotidiano, fizeram com que o personagem virasse uma representação gráfica de tudo isso. No final da história, ele se encontra cheio de frutos, pronto para compartilhar os ensinamentos que ele teve. Os personagens foram criados por causa da jornada. A jornada é o fio condutor do Cabeça de Folha, um fruto do ambiente que vive, que está em busca constante de conhecimento.

 

“Trazer luz em um momento tão tumultuado”

TMDQA!: Por ser animação, você acha que esse material pode ajudar vocês a alcançar um maior público? Talvez um público mais infantil?

Maneva: A gente não teve esse intuito, não. A partir do momento em que você mexe com animação, você percebe que passa a carregar uma responsabilidade maior, abrindo uma margem para crianças também. Eu acho que o Cabeça de Folha é um trabalho bem edificante nesse sentido. Não foi nossa intenção querer conversar com o público mais jovem. Eu acho que a ideia principal foi trazer luz em um momento tão tumultuado que vivemos ultimamente. A arte vem para iluminar e nos ajudar nas escolhas. Trouxemos a animação porque ela abre um leque de possibilidades. Não seria tão legal se fizermos isso com atores. A animação abriu amplas formas de compreensão. Se trata de uma evolução.

TMDQA!: Ao longo da série, associei o Cabeça de Folha a personagens que marcaram a minha infância. Personagens que também carregam essa questão do aprendizado, como os personagens na franquia Toy Story. Existe um apelo infantil, por causa da estética, mas são personagens com questões humanas, que vão entendendo seu lugar no mundo.

Maneva: Você vê que a animação não conversa só com as crianças. Optar por essa estética foi uma forma de amadurecer o nosso público, para conversarmos com ele de uma forma sincera enquanto tentamos chamar atenção de novos ouvintes. Isso é muito gratificante.

TMDQA!: Metáforas são importantes para o desenvolvimento do nosso pensamento como um todo, certo? O trailer que vocês lançaram anteriormente ao lançamento traz umas questões como “O que realmente te faz feliz?”, “Você realmente está preparado para viver suas escolhas?”… São questões existenciais que não é qualquer livro que vai te levar à resposta.

Maneva: Exatamente! E não é nada imediato. Na verdade, é tudo um grande exercício. Ninguém, por exemplo, vai à academia em um dia e no outro já está levantando 200 quilos. A gente vê que, para tudo que não é tocante à matéria, à algo de resolução rápida, precisamos de um tempo para absorver.

 

“Agora precisamos da segunda temporada!”

TMDQA!: É um projeto que vem amadurecendo há algum tempo, certo? Vocês consomem animações também?

Maneva: Quando tivemos a ideia do Cabeça de Folha, começamos a procurar animadores. Nunca tivemos uma referência sólida e concreta sobre o tipo de desenho que usaríamos. A gente acabou chegando no nome do Otávio. Encontramos ele por causa do clipe de “Planetária”, da banda Supercolisor. Logo de primeira, nos identificamos muito com o trabalho e entramos em contato com ele sobre esse projeto.

TMDQA!: Hoje em dia, as séries são as maiores responsáveis pelo consumo da cultura pop no mundo. Talvez lançar esse material hoje tenha mais impacto do que se vocês resolvessem lançar há 10 anos. Já discutiram ideias para a segunda temporada ou um novo EP com novas animações?

Maneva: Ficou legal que, ao final dos episódios, percebemos várias perguntas que ficaram sem resposta, em relação aos personagens e ao universo. A gente vai, com certeza, trabalhar isso futuramente. Agora precisamos da segunda temporada (risos)!

 

“A gente não queria associar o projeto a algo que estivesse muito na moda”

TMDQA!: A participação de Vitor Kley me fez pensar: com que outros artistas dessa nova leva da música brasileira vocês teriam interesse de gravar?

Maneva: Acho que o trabalho do Vitor é um trabalho que está mudando aos poucos a música brasileira. Ele, assim como Melim e AnaVitória, estão acabando com um certo monopólio que víamos há uns anos. Para nós, isso é muito importante. O Vitor é um cara gente boa e muita, que faz música calma e do coração. Nesse EP, tivemos um cuidado muito especial com as participações por conta disso. A gente não queria associar o projeto a algo que estivesse muito na moda, e achamos que valia pena chamá-lo, já que é um cara com uma grande espiritualidade.

TMDQA!: Vocês têm bastantes similaridades em termos musicais.

Maneva: Temos! A caneta e os tipos de música e de voz combinam muito. Ele ajudou a trazer uma leveza para a canção que talvez eu, sozinho, não conseguisse, já que sou um cara mais “bruto” cantando.

TMDQA!: Conseguimos traçar o processo de evolução e amadurecimento do Cabeça de Folha com o processo de amadurecimento do Maneva, que completa 15 anos em 2020. Nestes quinze anos, como vocês veem a evolução do grupo?

Maneva: A gente, nestes quinze anos, aprendeu que tudo tem a sua hora certa. Não adianta ficarmos ansiosos esperando as coisas que podem acontecer. Não adianta sofrer por antecipação. Também vimos que o erro é algo presente na nossa vida. Nossa espécie evoluiu através dos erros. Hoje a gente não dá tanta importância se as coisas dão errado. Não adianta se crucificar por algo que não saiu como planejado. O grande lance é não viver na culpa, porque isso só atrasa a gente! Precisamos sempre olhar para o horizonte.

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