James Hetfield, do Metallica, em 2019
Foto de James Hetfield via Shutterstock

James Hetfield é uma das maiores lendas vivas do Heavy Metal, e talvez para muitos a maior de todas.

O vocalista e guitarrista do Metallica tem muita história para contar, mas de tanto acumular passos grandes em sua vida adulta, muito de sua vida antes da fama acaba sendo esquecida ou deixada em segundo plano — erroneamente, já que grande parte de seu sucesso está relacionado às suas origens e às relações que construiu com os membros da banda.

Em uma entrevista de 2009, a publicação americana Metal Hammer conseguiu abordar alguns aspectos mais pessoais de Hetfield e, recentemente, a entrevista foi republicada na íntegra pela Louder.

Por isso, em meio a uma luta tão grande do frontman para recuperar a sua saúde e vencer a batalha contra o vício, acreditamos que é uma ótima oportunidade para revisitar esse papo e conhecer (ou relembrar) alguns detalhes da vida desse verdadeiro ícone. Confira abaixo toda a conversa traduzida!

Entrevista de James Hetfield para a Metal Hammer em 2009

Você nasceu como James Alan Hetfield em 3 de Agosto de 1963, em Los Angeles, na Califórnia. Você tinha irmãos ou irmãs?

“Sim, dois meio-irmãos mais velhos, Chris e Dave, e uma irmã mais nova, Deanna. O segundo marido da minha mãe foi meu pai. Foi bem difícil. Minha irmã mais velha, a gente brigava o tempo todo e aí quando [os meus] pais chegavam à casa nós ajudávamos um ao outro a arrumar a bagunça, e cobríamos um ao outro. Mas os meus irmãos mais velhos, eles eram basicamente uma geração distante de mim e infelizmente não éramos tão ligados. Eles não eram velhos o suficiente para me dizer o que fazer e não eram jovens o suficiente para entender o que eu queria ouvir, então era meio que uma posição estranha ali no meio do caminho.”

Você era um bom aluno?

“Eu era um aluno bem na média. Bem quieto, bem reservado, só meio que queria resolver aquilo e ir para casa me divertir e brincar. Amava esportes.”

Por conta da forte fé dos seus pais na Ciência Cristã, isso teve algum impacto em termos de qual escola você foi ou como você foi tratado enquanto criança?

“Não impactou em relação à escola. Não era tipo ir a uma escola Católica. Mas certamente me afetou — mais do que minha irmã e irmãos, eu levava as coisas de um jeito mais pessoal. Nossos pais não nos levavam ao médico. Nós estávamos basicamente dependendo do poder espiritual da religião para nos curar ou nos proteger de ficarmos doentes ou de nos machucarmos. E aí na escola eu não poderia ficar na aula de saúde, para aprender sobre o corpo, para aprender sobre doenças e coisas do tipo. E, digamos, eu estou fazendo testes para o time de futebol americano [e] você tem que fazer um exame físico, pegar um atestado médico, e eu teria que ir e explicar ao técnico que, sabe, nossa religião nos diz isso. Então eu realmente me sentia um excluído, e, sabe, as crianças riam disso. Quando começava a aula de saúde, eu ficava parado no corredor, que era basicamente uma forma de punição em outros aspectos. Todo mundo que passava por lá olhava por mim como se eu fosse uma espécie de criminoso, sabe?”

Isso deve ter sido difícil.

“Foi [mas] ajudou a moldar quem eu era, sabe? Quando você é jovem você quer ser como todo mundo, você não quer ser único. Mas eu vejo a unicidade nisso agora e me ajudou a, bom, sabe, aceitar e abraçar essa minha unicidade.”

Você acha que foram essas experiências que, no longo prazo, te deram a habilidade de dizer, ‘Não, eu não vou andar com todo mundo’?

“Sim, eu creio que sim. Me ajudou a traçar o meu próprio caminho, e mesmo a parte espiritual dele, quando você é uma criança você não consegue entender de fato o conceito de espiritualidade, e para mim não ir ao médico era estranho. Tudo o que eu via eram pessoas na igreja que tinham ossos quebrados e estavam se curando de maneira errada. Não fazia nenhum sentido pra mim. Mas também me ajudou a abraçar o conceito espiritual depois, sabe, e ver de verdade o poder disso, juntamente com a sabedoria dos médicos atualmente, então realmente me ajudou com meu conceito de espiritualidade.”

Você começou a estudar piano com nove anos, e depois ficou interessado na bateria de seu irmão David. As aulas de piano eram de música clássica?

“Sim. Minha mãe me viu na casa de um amigo só meio que batendo nas teclas do piano, e ela pensou, ‘Ah, ele vai ser músico. Beleza, vamos colocá-lo na aula de piano.’ Eu fiz isso por alguns anos e foi meio que um estraga-prazeres porque eu estava aprendendo música clássica, coisas que eu não ouvia na rádio, sabe? Eu lembro que era na casa de uma mulher mais velha e os cookies no final eram um belo incentivo. Mas eu fico muito feliz que foi meio que forçado a mim, porque o ato das mãos esquerda e direita fazendo coisas diferentes, e também de cantar ao mesmo tempo, meio que foi um rascunho para o que eu faço agora. Cantar e tocar é meio que mais fácil do que provavelmente teria sido se eu não tivesse tido aulas de piano.”

Quando você conheceu o baterista e co-fundador do Metallica, Lars Ulrich, você era um adolescente, tocando guitarra, e tinha passado por suas primeiras bandas do colégio — Obsession, Phantom Lord etc. Alguma delas soava parecido com o que o Metallica virou?

“Não. O Obsession era uma banda de colégio e a gente basicamente só tocava na garagem do meu amigo, fazendo covers. A gente tocava Thin LizzyBlack Sabbath, algo do Robin Trower, algo do Led Zeppelin… E a gente fazia algumas festas; era meio que isso. Eu não me lembro de aprender a tocar guitarra! [risos] Eu só lembro de pegar uma guitarra pela primeira vez e pensar, ‘Como eles fazem todos esses barulhos?’”

Quando você e o Lars se juntaram pela primeira vez, foi como colegas adolescentes ou foi especificamente sobre tocar em uma banda juntos?

“Era definitivamente sobre a música. Eu nunca tinha o visto ou ouvido dele antes disso. Eu tinha estado nessa banda, Obsession, [e] eu tinha trazido uma música autoral para tocar e nenhum deles curtiu então foi meio que quando eu disse adeus a eles. Quando eu conheci o Lars eu estava tocando com esse outro cara no colégio, formando essa banda, Phantom Lord. [O Lars curtia] algumas das bandas que nós nos ligamos naquela época — Saxon, Judas Priest, coisas como os Scorpions. Algumas das bandas de metal mais populares que tinham chegado aos EUA.”

Então, basicamente, era sobre música. Ainda assim vocês dois vêm mantendo uma parceria incrível. Um monte de casamentos não dura tanto quanto o relacionamento que você tem com o Lars. Ainda é sobre a música em primeiro lugar ou já há uma amizade ali também?

“Nós somos basicamente opostos em tudo — exceto quando tocamos música juntos. Sabe, sempre que tiramos uma folga, a gente sai de perto de um do outro por seis meses e volta a estar junto e começar a falar sobre onde as nossas vidas nos levaram, e é tipo, ‘Ah, eu estava ouvindo isso aqui e eu descobri isso aqui.’ ‘Uau, eu também!’ Então é meio que… paralelos, de um jeito e aí completamente opostos em outro. Essa é a beleza da coisa. Isso nos ajudou a batalhar por várias das coisas juntos mas dadas as extremas diferenças há vários diferentes pontos de vista com os quais você pode aprender.”

Quando o Cliff entrou na banda ele era obviamente uma grande influência, não apenas musicalmente, mas como um ser humano…

“Absolutamente correto. Além de nos introduzir à teoria musical, ele era o mais estudado de todos nós, ele tinha ido à faculdade para aprender algumas coisas sobre música, e nos ensinado uma boa gama de coisas. Quando Lars e eu vimos ele tocar com [a banda anterior do Cliff] Trauma, nossos queixos foram parar no chão, e nós dissemos, ‘A gente precisa desse cara.’ Ele e eu ficamos muito mais próximos como amigos, em relação às nossas atividades, estilos musicais que nós curtíamos, bandas que nós curtíamos, politicamente, visões de mundo, a gente era bem paralelo nessa onda. Mas, sim, ele tinha um caráter tão pessoal para si mesmo, e era uma personalidade tão forte, que ele atingiu todos nós eventualmente. E esse cara sentando aqui agora tem uma saudade enorme dele.”

O que o Cliff pensaria de algumas direções que a banda teve nos anos 1990? Começando com o Black Album em 1991 até a época do St. Anger em 2003?

“Bom, eu certamente acredito que haveria algum tipo de resistência, sem dúvidas. Eu acho que o Black Album foi um grande álbum e eu aprecio o fato de que tivemos as bolas para fazer isso e tivemos o [produtor] Bob Rock para trabalhar conosco. Tinha que ser, realmente tinha. Sabe, quando eu volto e ouço ao [disco anterior] …And Justice for All, aquilo não poderia ter continuado naquele caminho. A gente precisava trazer um novo par de ouvidos confiáveis. [Mas] eu acho que o Cliff provavelmente teria lançado algumas coisas diferentes, fazendo seu baixo ser ouvido e algumas coisas mais desafiadoras musicalmente, provavelmente. Eu certamente acredito que no Load Re-Load, eu teria tido um aliado que seria bem contra tudo isso — a reinvenção ou a versão U2 do Metallica.”

Quando você diz ‘um aliado’, você quer dizer que pessoalmente não estava confortável com esse período do meio dos anos 90 da história da banda?

“Não, não, de jeito nenhum. Há algumas ótimas, ótimas músicas lá mas a minha opinião é que toda a imagem e essas coisas do tipo não era necessária. E a quantidade de músicas que foi escrita era… Isso diluiu a potência do veneno do Metallica. E eu acho que o Cliff teria concordado com isso.”

Então quando vocês chegaram ao St. Anger, já era um novo começo para você ou ali é o fim daquele período que você acabou de descrever?

“Bom, eu não tenho certeza. Para mim, o St. Anger meio que fica ali sozinho. É mais uma declaração do que um álbum. É mais uma trilha sonora do filme, de certa forma. Tem alguns riffs bem interessantes e legais, algumas ótimas músicas ali. Mas sonoramente ele soa fragmentado, o que é exatamente o que éramos na época. Mas nessa fragmentação ele nos juntou novamente. Então foi uma peça muito necessária do quebra-cabeça para que chegássemos onde estamos hoje.”

Quanto do Death Magnetic tem a ver com o fato de ter Rick Rubin como produtor, e quanto tem a ver com o fato de que Bob Rock (que supervisionou todos os discos do Metallica desde o Black Album) não foi o produtor daquela vez?

“Eu acho que é uma combinação de tudo isso. Eu acho que o Bob… a gente ficou muito confortável um com o outro, especialmente passando por toda a drenagem emocional do St. Anger. Foi bom seguir em frente. O Rick Rubin é o exato oposto do Bob Rock. E o fato de que fomos capazes de sentar e escrever nós mesmos, fazer as coisas nós mesmos sem ter o Rick Rubin de babá, ali foi onde pudemos testar nossas asas de novo e voar como uma banda. Então foi a coisa certa na hora certa. Não falando mal do Bob de jeito nenhum, porque ele nos levou a lugares que nunca teríamos alcançado antes. Nós aprendemos demais com ele.

Você foi muito aberto no filme Some Kind of Monster sobre lidar com as suas questões de raiva. É necessário, no entanto, manter uma certa raiva para alimentar sua criatividade como compositor?

“[risos] Bom, essa é uma ótima pergunta. Eu acho que toda pessoa que passa por algo como o que eu passei se preocupa muito com isso. Mas a criatividade, ela vai vir de onde ela tiver que vir. Tudo pode ser digerido e colocado pra fora como algo do Metallica. Eu não vou começar a escrever sobre colher flores agora. Quando eu estou feliz eu estou escrevendo o riff mais pesado possível. Ser feliz não é superestimado. Mas ao mesmo tempo, sempre haverá questões de raiva comigo, não importa o que aconteça. Sempre parece que uma nova peça legal do quebra-cabeça é revelada.”

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