Malú Lomando
Foto: Paola Vespa

As dualidades da vida estão sempre presentes e precisamos saber tirar o melhor proveito delas. Dentro de cada um de nós existe luz e sombra, calor e frio, fogo e água… Engana-se aquele que atribuiu uma visão unilateral a tudo!

Isso está presente, inclusive, na relação entre a vida e a morte. Temida por muitos, a morte, sendo ela simbólica ou não, deve ser vista como um recomeço, e não como o fim. O luto, compreensível consequência de uma perda, pode ser um túnel escuro que, em seu final, nos direciona a um novo momento.

Isso aconteceu com a cantora, atriz e compositora Malú Lomando. Após o fim de um duradouro relacionamento amoroso, as coisas pareciam não fazer mais sentido para ela. Foi uma porta que se fechou bem na sua frente. No entanto, quando uma porta se fecha, várias são abertas. Malú, que já trabalhava como atriz, se viu cada vez mais imersa em seu processo artístico, processo esse que resultou em seu primeiro disco de estúdio.

Recheado de referências astrológicas, Alphaleonis (nome de uma estrela do arquétipo de Leão) serve como cura para qualquer processo de luto. A delicada narrativa, de um introspectivo voz-e-piano até a batida do funk carioca, nos leva do sombrio ao solar, mostrando que os opostos têm uma relação importante entre si. Todo o processo tem o objetivo de nos levar a algum lugar, e cabe a nós mesmos percorrer esse necessário caminho.

 

Cura, vulnerabilidade e metamorfose

O lançamento do disco é parte de um extenso projeto artístico, guiado por Malú e por sua diretora artística (e melhor amiga) Renata Reis. Dedicadas à concepção de um mundo que vai além da música, a dupla usou Alphaleonis como a base para uma série de entrevistas feitas com diversas pessoas. Após ouvir o material, os entrevistados (alguns visivelmente emocionados) contam sobre a relação profunda que tiveram sobre o disco.

Intitulada Vida Morte Vida, a série está tendo um episódio postado por semana, no canal oficial de Malú no Youtube. Além disso, a identificação das pessoas com o conceito do disco está clara na própria produção, já que foi possibilitado graças a um processo de crowdfunding.

A questão imagética do disco também é um ponto positivo desse projeto, ao ilustrar bem os contrastes entre vida e morte, ao apresentar o contraste entre as cores dourado (representado a luz) e preto (a sombra).

 

“Eu nunca me senti tão feliz”

Sobre o disco e todas as complexas questões que o moldam, conversamos com Malú Lomando por telefone. Ela nos deu detalhes sobre suas inspirações e sobre superar momentos difíceis, tais como a delicada situação que a população global atravessa atualmente.

Confira abaixo o papo:

"Alphaleonis" (Malú Lomando)
Foto: Reprodução / Instagram

TMDQA!: Alphaleonis traz e ilustra o contraste entre luz e escuridão, vida e morte. E muito disso foi inspirado em um antigo relacionamento seu. Como foi conceber todo o conceito? Como a morte dessa relação, por assim dizer, deu vida ao disco?

Malú Lomando: Foi um processo muito difícil para mim. Eu tinha uma relação de muita amizade e amor com essa pessoa. Eu sentia que íamos construir uma vida juntos e concentrava minha energia toda naquilo. Mas às vezes, quando nos apaixonamos, acabamos nos desconectando de nós mesmos. Quando eu dei por mim, a razão da minha existência era aquela pessoa. Quando a nossa relação começou a declinar, meu mundo desabou, porque era a minha única fonte de alegria. Tem uma coisa que nós mulheres crescemos ouvindo da sociedade patriarcal, que é essa coisa da Disney, do “príncipe encantado”, que fala que nós só seremos felizes ao encontrarmos um homem que nos ame. Eu sonhava desde criança com isso.

Eu sempre tive relação forte com a arte. Eu sempre tive essa coisa de cantar, mas nunca tinha pensado em seguir carreira na música porque sou atriz. Nessa história do fim do relacionamento, eu estava escrevendo tanto que começou a sair músicas. Eu cantava para mim mesma e isso me ajudava a entender o que estava acontecendo comigo. Assim, eu consegui organizar aos poucos esse caos dentro de mim.Eu trabalhava em um restaurante e tinha um dinheiro guardado, o que me ajudou a fazer tudo do meu próprio bolso. A Renata, minha melhor amiga, sugeriu de me produzir porque acreditava no meu trabalho. Ao longo da produção, fomos entendendo que esse disco iria falar sobre o luto e todas as suas fases. Com o fim da relação, passei a ter mais energia para focar nos meus projetos pessoais. A partir disso, as coisas começaram a fluir até desencadear no disco, que evidencia essa minha transformação.

Isso fica bem claro em “Estrela”, em que falo que reencontrei algo que era meu mas que eu havia perdido completamente. As estrelas são justamente esses corpos de luz que nasceram de uma explosão que não foi nada fofinha. Depois do Big Bang, as coisas foram amenizando, e hoje temos esse céu lindo. O nome do disco, por sinal, vem de uma estrela do arquétipo de Leão, que descobri junto da Renata durante uma pesquisa. Eu sou leonina e sou muito ligada a astrologia. Leão é um arquétipo muito forte do amor próprio, da essência, do que é a sua luz interior. Essa estrela, a mais brilhante, é justamente o coração do leão. Esse processo todo foi difícil, mas foi bom para me ajudar a me encontrar. Eu nunca me senti tão feliz.

TMDQA!: E é legal pensar o quanto um disco sobre o luto por gerar reflexões sobre a vida. É um álbum muito pessoal, mas capaz de gerar grande identificação. O projeto conta com uma série de vídeos em que personagens contam as suas histórias e sobre como a sua música as impactou. Tem gente que fala sobre a aceitação do próprio corpo, sobre superar a morte de alguém próximo, encontrar seu lugar no mundo. Como foi, para você, receber esses depoimentos?

Malú: Os vídeos complementam a narrativa do disco, e gravá-los foi a coisa mais linda do mundo! Me emocionou bastante! Acho que essa é a grande magia da arte. Eu brinco que é como ter um filho. É um pedaço de você que tem vida própria, quase como algo divino ou espiritual. É ótimo perceber que existe essa conexão humana, esse lugar onde todo mundo sente uma dor, seja lá qual for. Quando sentimos que estamos conectados com o discurso do outro, a gente fica com o sentimento de pertencimento. Quando eu tinha essa troca com as pessoas, eu sentia ao mesmo tempo que estávamos com a mesma sensação, sentindo a mesma coisa. Eu gosto muito de olhar no olho do outro e do comportamento humano.

 

“Eu achei um momento desafiador para o lançamento de um disco”

TMDQA!: Qual é o objetivo do projeto? Que mensagem você quer passar para as pessoas?

Malú: Eu quero que as pessoas entendam que você vai ter momentos sombrios na sua vida. Existem sombras dentro de nós, mas a vida é justamente conciliar essas duas partes. Onde há sombra, também há luz. Todo processo, por mais difícil que pareça ser, sempre traz algo para te ensinar e para contribuir com a sua evolução. Quando você entende que é sobre se entregar e entender o que precisa mudar, você se abre para toda uma gama de possibilidades. O que faz a gente sofrer é o apego.

Eu quero dar forças para a pessoa, para ela ver que toda crise tem uma luz no final e, nesse processo, você vai aprender algo que seja essencial para a sua vida. É como eu vejo o processo pelo qual passei. Foi horrível? Foi horrível, mas foi a melhor coisa da minha vida, no sentido de que me colocou no eixo. Se for para viver o que estou vivendo hoje, eu viveria tudo aquilo de novo.

TMDQA!: O seu disco está sendo lançado em meio a uma pandemia mundial que tem gerado muitas mortes. No entanto, o seu disco, mais do que apenas falar de morte, fala sobre esperança. É importante ver que existe uma luz no fim do túnel. Você acha que seu disco pode ajudar as pessoas a ver a luz no meio da escuridão?

Malú: Eu consigo ver essa conexão claramente, e admito que fiquei espantada com a maneira pela qual o universo trouxe essa situação. Eu acho muito interessante perceber uma certa sincronicidade, no sentido de que o Alphaleonis nasceu em mim durante um momento de profunda crise. E a crise é sempre esse momento de alguma impossibilidade, em que você precisa olhar para dentro.

A data de lançamento estava marcada desde Setembro do ano passado. O coronavírus sequer existia. Mantivemos a data até por uma questão astrológica, porque é a primeira sexta-feira do ano de Sol. Tinha todo um contexto maneiro. Agora, ele está nascendo paro o mundo em um momento de crise. Está nascendo em meio a desastres, derrotas e ressentimentos. É uma crise generalizada. Eu achei um momento desafiador para o lançamento de um disco, mas ao mesmo tempo eu sou muito positiva de que é o mmento perfeito para o Alphaleonis nascer.

TMDQA!: Parece que o momento pede um conteúdo “para dentro”, como o seu disco. É momento para superarmos uma crise e lidarmos com esse luto coletivo. Em meio a tudo o que está acontecendo, estamos dentro de casa, mas não conseguimos focar. Precisamos nos voltar para dentro, mas estamos muito preocupados com o mundo lá fora porque, normalmente, já somos muito preocupados com o que é externo a nós.

Malú: Exato! E olha que momento mais oportuno! Com esse processo, aprendi que toda crise é uma oportunidade de aprender a olhar coisas por uma outra perspectiva. É o momento em que você percebe que não está sozinho. É um momento em que o valor da união volta, até porque estamos sentindo falta do contato com o próximo. Ao mesmo tempo, esses tempos exigem união consigo mesmo e com o outro. Espero que isso ajude as pessoas de maneiras que eu sequer consiga imaginar. Tenho certeza de que pode ajudar. É essa sincronicidade que segue me ganhando.

TMDQA!: O disco transmite bem essa mensagem. Ele começa mais “para baixo” e termina “para cima”. Remete a uma curva ascendente, como a própria superação de um luto.

Malú: Quando você consegue aceitar tudo isso, a gente percebe que a gente é uma terra fértil, disponível para que você plante o que quiser. Como diz a faixa “Como Eu Deveria Ver As Coisas”, quando a gente percebe, você passa a usar o que tem a seu favor para fazer algo positivo. Eu sempre acreditei muito no otimismo. Qual seria o sentido da vida se não acreditar sempre na melhoria? Precisamos tirar proveito.

 

“Ninguém é só luz ou só sombra”

TMDQA!: A identidade visual do disco mostra você coberta com detalhes dourados, em contraste com o preto do fundo. O que isso simboliza?

Malú: A gente pensou justamente na questão da dualidade. A luz e a sombra, a vida e a morte… São dualidades que são parte de uma mesma coisa. Ninguém é só luz ou só sombra; você é os dois. Quando você reconhece isso, você consegue se entender enquanto indivíduo. Com a vida e a morte, é a mesma coisa. São coisas que estão sempre te seguindo e, quando algo morre, é porque abriu espaço para alguma outra coisa existir. É a potencialidade da transformação.

TMDQA!: Eu reparei que existe uma associação das faixas também a elementos, arquétipos e momentos diferentes. Como isso foi pensado?  

Malú: Na verdade, não foi algo pensado para as letras. Eu sempre ia compondo e mostrando para a Renata. Quando mostrei “Estrela”, a gente percebeu que as músicas, pela temática, tinham uma ligação com os elementos. “Chama”, por exemplo, é água. Por mais contraditório que pareça, é a canção desse momento do mergulho, e a água é um elemento associado às emoções. A “Supernova” a gente já entendia que é um respiro depois de sair dessa água de “Chama”. Ela veio de uma vontade muito grande que eu tinha de gravar com o Barroso Eus. Quando chegamos em “Como Eu Deveria Ver As Coisas”, a gente percebeu que, na própria letra, eu me associo com a terra. “Estrela” mostra uma explosão minha, na parte da voz. É completamente o elemento fogo. Tudo isso ficou muito claro para nós.

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