Nirvana e a treta em Dallas, no Texas
Reprodução/YouTube

A cena Rock and Roll dos anos 90 era uma loucura, e o Nirvana foi grande parte disso.

No dia 19 de Outubro de 1991, um show em Dallas, no Texas, ficou marcado na história da banda por alguns acontecimentos selvagens. Tendo sido marcado antes dos caras estourarem, o lugar comportava muito menos pessoas do que o esperado — e teve que receber várias “improvisações” para que a apresentação pudesse acontecer.

O produtor do show Jeffrey Liles conta que pra piorar a situação, Kurt Cobain claramente não estava em um bom dia. A rara entrevista está em um trecho do novo documentário Everything Is A-Ok, que fala sobre a cena punk de Dallas e traz depoimentos exclusivos e inéditos.

O vídeo a seguir traz os depoimentos completos do produtor e do segurança envolvido na briga, além de filmagens da performance em questão.

Continua após o vídeo

Jeffrey relata que havia uma “tensão” em toda a equipe, que culminou com Kurt dando uma “guitarrada” em um dos seguranças que o protegia da plateia — Turner Van Blarcum acabou revidando com um soco no vocalista e guitarrista.

O produtor conta ainda sobre o momento em que viu Kurt “cheirando heroína” dentro de um armário. Tanto ele quanto Turner dizem que não guardam mágoas do incidente, e que entendem que Cobain estava “em um dia ruim”.

Abaixo, transcrevemos e traduzimos ambos os relatos e você pode entender tudo dessa treta histórica. Nos comentários do vídeo, muita gente se divide sobre quem tem razão nisso. E você, o que acha?

Relato de Jeffrey Liles (produtor do show) — parte 1

Bom, quando nós marcamos o show do Nirvana o disco não havia saído há muito tempo e ainda não tinha estourado. Mas entre o dia que o show foi marcado e o dia em que ele iria acontecer o disco [‘Nevermind’] estourou e eles ficaram grandes, e eles provavelmente poderiam ter tocado em uma casa que era duas ou três vezes o tamanho da Trees [Club, onde ocorreu o show].

Então seus agentes ligaram e perguntaram se podiam mudar o show para um lugar maior, e dissemos ‘foda-se, não, nós vamos fazer o show’. E o dia do show chegou e o pessoal da Geffen Records, gravadora deles, chegou lá cedo e trouxe um monte de pôsteres para a banda autografar e eles poderem entregar para o pessoal de rádio, de lojas de discos, enfim, todas as pessoas com quem trabalhavam diariamente. Então eles deixaram todos esses pôsteres do Nirvana em um grande semicírculo e tudo que a banda precisava fazer era andar por ali e assinar cada pôster um por um.

Então o Dave [Grohl], claro, foi lá e assinou tudo rapidamente, o Krist [Novoselic] também. E o Kurt, literalmente — e isso foi no começo do dia, foi quando percebemos que teríamos problemas — ele literalmente só começou a desenhar no primeiro pôster, e só sentou ali e ficou desenhando por cinco minutos. E aí ele foi para o segundo pôster, e ficou desenhando nele por cinco minutos. E quando chegou no terceiro pôster, todo mundo ficou pensando ‘Qual é o problema desse cara? Ele não sabe como fazer uma porra de um autógrafo? Será que ele está fazendo isso para zoar com a gente? Nós precisamos do nome dele nesses pôsteres, precisamos terminar isso. Dá pra você ir lá falar pra ele fazer isso?’. E eu falei, ‘Você quer que eu vá lá falar pra ele se apressar e assinar autógrafos? Nem fodendo. Se você quiser fazer isso, vai lá e fala pra ele’.

E aí o cara da Geffen foi lá e falou ‘Cara, será que você pode por favor só [gesto de assinar] acelerar isso um pouquinho ou algo do tipo?’ e o Kurt só olhou pra ele e ficou tipo ‘foda-se’ e foi desenhar no próximo. E eu fiquei tipo, ‘Putz, isso vai ser estranho’, eu sabia que seria um dia fodido.

Relato de Jeffrey Liles (produtor do show) — parte 2

Enfim, o show vai começar e eles perguntam se temos grades de segurança e claro que não tínhamos, não fazíamos isso no Trees. E eles falaram ‘Então vocês vão ter que colocar algumas pessoas na frente do palco, porque não queremos gente pulando no palco’. Então conseguimos três caras, o Turner e mais dois, só para ficar ali na frente do palco e o trabalho deles era manter as pessoas fora do palco.

E aí acho que 3 ou 4 músicas depois do início o Kurt ficou puto com a mix do monitor [retorno dos músicos] e foi até lá, pegou sua guitarra e começou a surrar o console do monitor na lateral do palco. E o dono do monitor ficou ali só olhando e falando ‘Cara, que porra você tá fazendo?’ e eles estão ali olhando um para o outro, até que finalmente pegaram um grande pedaço de compensado e colocaram em cima do monitor para eles não conseguirem mais destruí-lo.

E o Krist e o Dave estavam ambos olhando para ele tipo, ‘Cara, o que você tá fazendo?’ e claramente havia uma dinâmica conflituosa entre o Kurt e os outros dois caras da banda. Enfim, eles começaram a tocar novamente e o Kurt pulou na plateia e por eles terem falado tanto que não queriam a plateia no palco para depois pular na plateia… Eu pude ver que o Turner estava pensando ‘Mas que porra? Decida o que você quer, de um jeito ou de outro’.

E aí a plateia está passando o Kurt de um lado pro outro e ele está tentando voltar ao palco, e eles estão o empurrando em direção ao palco e ele chega perto do Turner, que pensa tipo ‘Vai se foder’ e o empurra de volta para a plateia. E o Kurt estava com a guitarra na mão, e no que se mexeu BAM!, acertou a cabeça de Turner bem no meio dos olhos com o fundo da guitarra, o que obviamente não foi legal. E o Turner ficou em choque por um segundo, e aí virou e BAM!, acertou um soco bem na cabeça do Kurt.

Foi aí que o Dave pulou da bateria e o Krist jogou seu baixo no chão e os dois estavam tentando separar todas as partes. Estavam todos em pé no palco, gritando uns com os outros e tentando entender o que rolava e o Kurt só, tipo, ‘Que diabos, cara?’ bem como uma — e eu odeio dizer isso — patricinha chata, sabe? Tipo… o dia todo! Ele não estava cooperando em momento algum.

Relato de Jeffrey Liles (produtor do show) — parte 3

Pois é, depois que isso aconteceu os três caras da banda saíram um pra cada lado. O Krist, na verdade, escalou a bilheteria — tinha uma pequena área perto — e saiu pela porta da frente e meio que desapareceu no meio da rua. E o Dave, que não estava nem vestindo uma camiseta, meio que só saiu andando pela plateia até o fundo da sala, perto dos banheiros. A gente tinha umas máquinas de pinball por ali e ele estava ali em pé, perto das máquinas de pinball.

E eu estava tentando juntar os caras para voltarem ao palco e terminar o show. Mas depois de 2 ou 3 minutos a plateia estava gritando ‘Bullshit!’ [algo como ‘besteira’, usado quando alguém se sente ludibriado] e o primeiro que eu encontro é o Krist. Eu falei tipo, ‘Cadê os outros dois caras? Você pode fazer isso rolar?’ e ele só respondeu ‘Eu não sei e eu não ligo’. E eu ‘Tá, só por favor volta pro palco’.

Aí voltei pro fundo da sala e encontrei o Dave, e perguntei ‘Dave, cadê o Kurt? Podemos terminar o show? Que merda é essa?’ e ele ‘Cara, eu não sei onde ele tá’, e eu novamente ‘Tá, deixa que eu encontro ele, só por favor volta pro palco’. Então os dois voltam pro palco e eu estou procurando pela plateia, em todo lugar, e eu subo as escadas e havia um almoxarifado onde mantínhamos algumas coisas armazenadas e quando abri a porta do armário e o Kurt e esse carinha de cabelo comprido — não consigo lembrar o nome do cara — estavam lá cheirando heroína. E eu só falei tipo, ‘Cara, vamos lá, você vem comigo e vai terminar essa porra de show’. Então eu o peguei e o arrastei de volta pro palco e ele ficou lá e eles acabaram de tocar.

Relato de Jeffrey Liles (produtor do show) — parte 4

Bom, o resto do show acabou sendo ótimo. Uma vez que eles subiram lá e voltaram a tocar, foi ótimo.

Mas no fim do show, claro, o Turner estava esperando por eles no camarim. E o produtor de turnê deles estava tipo, ‘Precisamos tirar esses caras daqui. Tem que haver um jeito de tirá-los daqui’, então eu pedi um táxi e pedi para ele estacionar na parte traseira do Trees, em um beco. Eu os empurrei pra dentro do táxi e ele chegou bem na hora, e eu pedi ‘Só tira esses caras daqui’.

Então eles estavam na parte de trás do carro e andaram um pouquinho no beco, mas assim que viraram à esquerda chegaram ao estacionamento do Trees e o Turner estava bem ali. E o taxista não conseguia andar mais por causa do trânsito, e o Turner os viu então foi lá e BAM!, quebrou o vidro traseiro do táxi. Quando eu cheguei lá estavam os três sentados na parte de trás cobertos em vidro quebrado e o produtor de turnê estava correndo pela porta dos fundos gritando ‘Fala pra eles pararem! Eles não sabem em que hotel nós estamos!’ [risos] E eu estava tipo, ‘Cara, eu só quero tirá-los daqui!’ [risos]

Relato de Turner Van Blarcum (segurança do show)

Deus abençoe os mortos! Enfim, ele estava tendo uma noite ruim, eu acho, destruindo o monitor e abrindo minha cabeça. Corri pelo estacionamento, quebrei o vidro do seu táxi e eu achei que ia pra cadeia, na época não foi engraçado. Achei que ia passar uma semana fodido, mas quando eu voltei estava tudo certo.

Eu tive que colocar grampos na minha cabeça imediatamente, eu não quis ir ao hospital porque achei que a polícia vinha atrás de mim. Porque quando você soca pessoas ricas — mau negócio. Pessoas ricas têm dinheiro e podem fazer todo tipo de coisa terrível contigo.

Eu não lembrava de nada até eu sair do palco e meu amigo, meu irmão Jeff Lyles [o produtor] me tirou de um monte de problemas. Ele contatou aquelas pessoas e deixou claro que eu não era, sabe… qualquer coisa. Eu não ia atrás do filho da puta, porra. [risos]

Eu fiquei achando que a Geffen Records ia me processar, porque eles ficavam me mandando cartas. Então eu guardava todas, tinha medo de abrir. E aí um amigo falou ‘Ei, cara, vamos ver o que esses bunda-moles têm a dizer’ e de repente tipo ‘Puta merda!’, eles me mandaram uma oferta… Eu achei que eles vinham atrás de mim, certo? Eles acharam que eu ia processar ele, ou eles, ou qualquer coisa! Cara, eu não vou processar ninguém por uma briga de bar, sabe? Kurt Cobain só estava tendo um dia ruim, eu acho. Eu estava no lugar certo na hora errada.

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