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torre usa a intimidade do escuro para falar da infância em “tinta”; assista

A nostalgia, quando aliada a lembranças positivas, é um dos sentimentos mais gostosos que existem. A banda pernambucana torre sabe muito bem disso.

Em “tinta”, seu novo single que veio acompanhado de um clipe belíssimo, o grupo discorre sobre a imaginação da infância, as brincadeiras, o mundo imaginário que mora dentro da cabeça de uma criança. Quem não gostaria de voltar no tempo, não é?

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A faixa faz parte de Pág. 72, segundo disco da banda composta por Antônio Novaes (guitarra e synth), Danillo Sousa (baixo e backing vocals), Felipe Castro (vocal e guitarra) e Vito Sormany (bateria). O álbum chega ainda neste semestre.

Conversamos com os caras para saber mais da nova fase e, abaixo, você pode assistir ao clipe de “torre” e ler a entrevista.

torre

TMDQA!: “tinta” é uma canção que faz referência à infância, a um tempo em que as nossas preocupações são bem menores e o mundo tem outros contornos. Qual é a ideia por trás do single e como ele representa o todo de seu novo disco, Pág. 72?

Fastro: Em Pág. 72 existem dois lados complementares. O lado da memória e o lado da saudade. E isso é apresentado no disco de uma forma linear, cronológica, onde as primeiras faixas são do “lado da memória”, e as demais são do “lado da saudade”. Dizer isso é só uma tentativa de explicação, esse processo não foi tão consciente assim, mas Tinta é a música mais “infantil” do disco. De fato é a primeira canção do disco, a música que começa a narrativa apresentando essas lembranças que são comuns e meio que “de todo mundo”, sabe? Todo mundo tem aquela inimizade com um moço ou uma moça que mora na rua e nunca quer devolver a bola que caiu no quintal; todo mundo tem essas brincadeiras com a imaginação, etc. Tinta representa isso, a forma mais celular da memória infantil, como uma coletânea partilhada de memórias.

TMDQA!: Vocês enxergam a aparição dessa temática na carreira de vocês por conta dos difíceis tempos políticos e sociais em que vivemos? Como foi relacionar tudo isso no clipe oficial da canção?

Fastro: Que pergunta maravilhosa! Mas não, de forma alguma. A temática do disco surge de dois pontos: o primeiro ponto foi uma certa angústia da minha parte enquanto compositor, porque não sabia se conseguiria cumprir meu papel, de a cada um ano ou dois ter uma quantidade x de músicas que poderiam ser um disco novo. As músicas do nosso primeiro disco que eu escrevi foram feitas no decorrer de anos, sabe?

E agora com o disco lançado eu não sabia se conseguiria cumprir essa função de escrever em tempo hábil. Então a partir daí enxerguei a necessidade de criar um método de composição mais eficaz, que veio mais como um exercício que como um projeto de disco novo. E o segundo ponto foi saudade; saudade da minha infância no Rio, saudade da minha família, do lugar onde eu cresci, etc. Não muito mais que isso. Então uni a saudade com a necessidade e decidi escrever sobre esse tema, usando fotografias antigas, tanto minhas quanto de amigos meus, pra criar esse espaço agridoce de saudade, memórias etc.

Feitas essas músicas e iniciado o processo de produção, surgiram mais duas músicas, “Eu não sei crescer”, escrita pelo nosso guitarrista Antônio, e “Tudo que virá”, colaboração entre eu, Antônio e Barro, que divide os vocais comigo nessa faixa.

Dito isso, é inegável a “contribuição”, por assim dizer, do desgoverno de Jair Bolsonaro e seus lacaios pra a música independente brasileira. Estamos vivendo um período explosivo, de muita energia e muito movimento. Estaria mentindo se dissesse que de alguma forma veio do cenário político qualquer anseio meu como compositor pra esse disco, mas um rearranjo político dessa magnitude com certeza muda a forma da música girar; menos espaços públicos de apoio a cultura, perseguição política, aumento do desemprego, etc. Todos esses fatores moldam a forma de se produzir e consumir música, porque na real a “classe artística” também é classe trabalhadora, né. Não dá pra tirar isso da mente, sem dúvida.

TMDQA!: Em 2018 vocês lançaram um elogiado disco de estreia e já estão voltando apenas um ano depois. Como vocês entendem esse senso de urgência e criatividade que os fez voltar em tão pouco tempo?

Fastro: Existe um fenômeno muito triste nas bandas independentes aqui do Recife, e imagino que isso se estenda pelo Brasil todo, que é a banda que começa, faz muitos shows pela cidade, lança o primeiro trabalho e some, acaba. Isso não é coincidência. As pessoas dessas bandas não param de sentir tesão pela música de uma hora pra outra, né. O que muda são as condições nas quais se pode ter tempo/dinheiro pra produzir a música de forma independente. São duplas e triplas jornadas pra bancar os custos e logística de tudo que envolve uma banda, saca? E esse medo com certeza existe em nós, de um dia alguém não ter mais dinheiro pra pagar as contas e nosso sonho ir por água abaixo.

Nessa questão a conscientização política é mais que necessária, porque veja: se eu ficar doente, não tem auxílio doença, não tem folga remunerada. Se eu me machucar eu não trabalho, logo não ganho dinheiro. Não existe diferença alguma entre um compositor como eu e um vendedor de pipoca no sinal, sabe? E nesse sentido, nós na Torre temos essa vontade de, pelo menos uma vez por ano, lançar algo novo. Pra reafirmar pra quem nos ouve e pra nós mesmos que estamos vivos, e queremos perseguir nosso sonho mais que qualquer coisa.

TMDQA!: O disco e suas canções farão parte de um experimento sensorial justamente ligado aos sons que vocês criam e a essa “viagem no tempo” proposta em canções como “Tinta”. A estreia está marcada para o festival No Ar Coquetel Molotov; o que podemos esperar e como isso será transportado para os demais shows da banda?

Fastro: A gente gravou esse disco quase todo ao vivo, no período de um mês, contraste ao disco anterior que levou pouco mais de um ano pra ser produzido, gravado e mixado. Trouxemos, deliberadamente, nossa experiência em estúdio, todo mundo gravando junto, pra dentro do disco. Então a gente quer levar isso pros shows também. No disco tivemos violino, violoncelo, clarinete, flugelhorn, trompete e metalofone, e nosso sonho agora é fazer um show com toda essa galera tocando junta, ao vivo. Óbvio que uma banda desse tamanho inviabiliza muitos shows – geralmente tocamos com trilha pra cobrir essa necessidade -, além dos custos dos músicos etc. Mas é nossa vontade agora e vamos colocar pra frente. No show de lançamento vamos ter uma versão reduzida, mas não menos bonita, dessa experiência do ao vivo. Vamos levar algumas pessoas pra abrilhantar a apresentação. Quem tiver por Recife dia 16/11, não deixem de ir!

TMDQA!: A música brasileira vive uma fase grandiosa e não há dúvidas de que vários elementos dela vieram à tona durante a gravação do álbum. Que artistas daqui vocês têm ouvido recentemente?

Danillo: Amúsica brasileira vive um momento grandioso sim e é maravilhoso estar acompanhando essa fase. Temos ouvido bastante os trabalhos recentes de bandas como Guma, Bule, Baleia, Marrakesh, Terno Rei, Potyguara Bardo, O terno, Barro, Valentin, Yma, Bratislava, Viratempo, Raça.

TMDQA!: Aqui no TMDQA!, naturalmente, a gente entende que discos são como verdadeiros amigos. Quais vocês diriam que foram os melhores amigos da torre nesses últimos anos?

Danillo: Essa pergunta é mais difícil do que parece. (risos) Mas se fôssemos organizar uma listinha, seria algo tipo assim:

  • King Krule – The OOZ
  • Nick Cave & the Bad Seeds – Skeletron Tree
  • Fleet Foxes – Crack Up
  • Adult Jazz – Gist IS
Published by
Stephanie Hahne