Por Matheus Degásperi Ojea

Foto por Lucas Shtorache

Fazer parte de uma banda e tocar para grandes multidões. Esse sonho compartilhado por pessoas de todo o mundo contrasta com a realidade de grande parte dos que tentam a sorte no mercado de música autoral brasileiro. Daniel Teles, de 23 anos, resolveu enfrentar as dificuldades criando ele mesmo o seu caminho. Ele e a sua banda organizaram o próprio festival, e com essa experiência, parte dos músicos envolvidos criaram o selo musical Peixinho Records, que movimenta a cena de música alternativa da Baixada Santista
desde o ano passado.

Apesar da data, a história começou em 2014, quando Teles fundou ao lado de seu irmão a banda The Scuba Divers. Ele é guitarrista e um dos vocalistas da banda, e logo no começo se deparou com as dificuldades de encontrar lugares para tocar em Santos.

Quando começamos a procurar shows, ficou bem claro o quão carente a cidade era no departamento de música autoral.

Para não serem “explorados por casas de show”, Teles e a banda resolveram que a saída seria criar o seu festival, e assim nasceu o Alternapalooza. “Conversando com outras bandas que passavam pelos mesmos problemas, percebemos que tínhamos equipamento suficiente para bancar o próprio evento,” ele explica e afirma que, como o nome  ( derivado do festival Lollapalooza ) sugere, tudo começou de maneira “mega-desprentensiosa”.

Desde então, já se realizaram catorze Alternapaloozas e graças à sintonia entre as bandas que costumam tocar nele, o cantor e compositor Heitor Vallim, de 21 anos, teve a ideia de criar a Peixinho Records.

“A ideia era reunir público, artistas e pessoas que acabavam já se encontrando e esbarrando,” explica Vallim, que além da carreira artística, trabalha como técnico de gravação e professor de iniciação musical.

O foco é na inserção dos artistas no circuito de shows locais, gravação multimídia e auxílio no setor de divulgação. Para Telles, “funciona muitas vezes como um coletivo, onde todos se ajudam, trocam contatos e recomendações”.

As “cenas” independentes de Santos

A banda The Scuba Divers, da esquerda para a direita: Maurício Teles, Daniel Teles e Gabriel Ramacciotti
Foto por Nathan Ramos

A palavra “cena” não é a preferida de Vallim.

“É meio complicado, porque não é somente por ser daqui que eu vou andar e fazer as coisas junto”, opina. Apesar disso, por muito tempo, Santos foi conhecida por uma “cena” específica: a das bandas de hardcore.

Os artistas da Peixinho Records não tocam hardcore, mas a importância do que foi conquistado pelos músicos do estilo não passa despercebida. “A galera do hardcore vive muito a cultura do ‘do it yourself’. Isso faz com que eles sempre estejam alguns passos na frente no sentido de levantar do computador e colocar a mão na massa. Nós tentamos levar um pouco dessa ideologia mais guerrilheira deles para o nosso nicho, mesmo que no geral as nossas bandas não tenham um viés político tão forte, realizar arte independente já é uma luta por si só,” diz Teles.

Essa mentalidade parece estar funcionando. Iniciativas como a Peixinho Records colaboraram para, na opinião do músico, a “cena” alternativa da cidade estar mais “estruturada” do que em 2015, quando ele começou a organizar eventos.

Pegamos um momento de transição, bandas perdendo o combustível enquanto outras começavam a se organizar e entender como as coisas funcionavam.

Apesar da proposta rara na região, o mercado da música independente no Brasil não é fácil. O lucro que o selo dá não é grande e, por isso, soluções criativas são necessárias para que ele seja mantido. “A grana é sempre curta em qualquer setor artístico no Brasil, então, contornamos a maioria dos nossos problemas através de uma rede de amigos e apoiadores que acreditam tanto quanto nós na qualidade da produção artística local,” conta Teles. Na hora de gravar, por exemplo, existe a parceria do Red Studio, onde Vallim trabalha. “Todos  nós que coordenamos o selo temos um certo conhecimento de produção musical, mas não nos metemos na questão de decisões dos artistas. Apenas damos dicas,” ele explica.

“Mesmo sendo um selo ainda novo, sentimos um aumento do público,” conta Carlos Cruz, vocalista e guitarrista da banda Cavve, que entrou para o elenco — que ainda conta com O Cubo, A Sea Of Leaves e Iury Cascaes, além dos projetos de Teles e Vallim — após gravar uma demo.

Queríamos muito fazer shows e eles estavam bem dispostos a articular tanto isso quanto a divulgação em geral.

O independente e o sucesso comercial

“É muito importante o intercâmbio entre artistas, produtores e empresários para promover ao público a experiência de ter um contato com a cena da música local e para que os artistas tenham contato com o público,” opina Marcão Britto, que fez sucesso como guitarrista original da banda Charlie Brown Jr.

Apesar de a Peixinho Records atender um “nicho” específico de fãs de música, Marcão explica que iniciativas de integração como a que é promovida pelo selo são benéficas tanto do ponto de vista artístico como também do comercial.

O mercado é assim, alguém precisa começar a fazer e dar certo para que a coisa se amplifique e tudo isso vire um movimento que dê lucro, assim os empresários se sentirão atraídos novamente, essa é uma parte muito importante na engrenagem.

O guitarrista, que gravou em grandes gravadoras, considera que as oportunidades culturais oferecidas na cidade de Santos eram maiores quando ele estava começando a sua carreira.

Existiam muitos festivais locais em clubes santistas, as pessoas iam para assistir os shows e fazer parte daquele movimento, daquela cena, e não para escutar o hit do momento. Era uma outra mentalidade. Acho que isso que deveria ser resgatado. Uma sociedade precisa valorizar a contracultura.

Daniel Teles espera continuar organizando novos eventos como o Alternapalooza para manter contato com o público que seu selo está criando: “Eu não acho que exista nada mais relevante que valha minha atenção”.

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