Djavan Capa Vesúvio
Foto: Divulgação

Por Nathália Pandeló Corrêa

Djavan é uma das instituições da música brasileira. Na ativa desde 1972, o cantor alagoano se destacou por composições que sempre trilhavam o caminho poético sem perder contato com o popular. Metáforas conviviam com levadas cheias de groove, samba, soul, jazz, bossa. Encontros improváveis que, nas mãos de Djavan, viravam sucessos como “Lilás”, “Flor de Lis” e “Oceano”.

Em comum, traziam uma verve lírica muito própria, que o destacava dos demais artistas da música brasileira à época. É o que Caetano Veloso viria a chamar de “djavanear”. Sem abrir mão dessas origens e dando um passo além, Djavan lançou na última sexta-feira (23) o álbum Vesúvio (Luanda Records/Sony Music), com 13 faixas compostas, arranjadas e produzidas pelo próprio artista, acompanhado por velhos companheiros — como o guitarrista Torcuato Mariano e os pianistas Paulo Calasans e Renato Fonseca — e dois músicos novos, o baixista Arthur de Palla e o baterista Felipe Alves. Uma parceria de destaque fica por conta de Jorge Drexler, que surge em “Esplendor”, faixa bônus versão de “Meu Romance”, a décima canção do trabalho.

Vesúvio explicita ainda mais a forte ligação de Djavan com a temática da natureza, já escancarada em alguns dos seus maiores sucessos. Aqui, ele aposta na potência do vulcão italiano para ilustrar os assuntos que embalam o novo disco, composto entre o período conturbado do processo eleitoral brasileiro e o contraste de seu sítio em Petrópolis, região serrana do Rio, que inspirou “Orquídea”. Lá, em meio à Mata Atlântica, o artista coleciona 850 plantas de 360 espécies diferentes, em uma espécie de retiro do turbilhão de informação da atualidade.

O trabalho de Djavan sempre foi fruto de seu tempo, e em seu 24º disco, isso não seria diferente. Partindo de uma vontade genuína de se comunicar com o ouvinte sobre temas tão presentes e à flor da pele, ele transforma um discurso político — “Tudo vai mal/Muito sal/Nada vai bem/Pra ninguém/Nessa pressão/Quem há de dar a mão/Pra que o mundo/Saia lá do fundo/Pra respirar/E não morrer?” (“Viver é dever”) — em otimismo: “Vidas fardos/Meros dados/Incontáveis casos/De desamor/Quanta dor/Muita dor/Quem é que sabe/O quanto lhe cabe/Dessa solitude?/Por isso a hora/De fazer é agora/Tome uma atitude” (em “Solitude”). Mas não deixa de ser intenso, como na faixa-título: “Todo mar tem onda/Você tem um poder/Que me lembra o Vesúvio/O sol é de ouro/Que na foz do prazer/Me transforma em dilúvio”.

Esse contraste é exibido na capa do disco, que chegou a ser comparada com Tutu, de Miles Davis. Elas compartilham a fotografia franca de um artista se apresentando ao público de forma sincera e honesta. A associação a nomes de expressão mundial é apenas um dos elementos que fazem de Djavan um dos talentos brasileiros mais respeitados lá fora. Ele começa 2019 atingindo a marca de sete décadas de vida, e embarca em uma turnê que chegará inclusive a Portugal.

O Tenho Mais Discos Que Amigos! conversou com Djavan por telefone sobre o lançamento de “Vesúvio”. Confira logo abaixo e a agenda de shows ao fim da publicação!

TMDQA!: O texto de divulgação do disco comenta muito do potencial pop das suas canções, mas ao mesmo tempo que é acessível, ele vai na contramão do que é radiofônico hoje em dia. Tem várias levadas de jazz, por exemplo, que acabou ficando um gênero elitizado. Como é colocar uma intenção pop para o disco, mas sem perder de vista uma sofisticação que é muito associada à sua música?

Djavan: Bem, sem perder de vista a mim mesmo, não é? (Risos) Eu queria nesse disco dar uma noção pop em algumas canções para torná-las mais fluidas. Mas o pop não é nenhuma novidade na minha obra, uma vez que eu lido com diversidade de estilos desde sempre, e o pop é um deles.

TMDQA!: A aura “floral”, digamos, de “Orquídea” não chega a ser novidade nas suas músicas, mas essa tem uma construção bem diferente por brincar com os nomes das plantas. Eu sou daqui de Petrópolis, onde ficam as suas orquídeas, e sei que daqui já “brotaram” — por falta de palavra melhor (risos) — algumas músicas icônicas. Essa atmosfera, de vir para as montanhas, se resguardar do barulho do mundo lá fora, é algo que inspira o seu trabalho?

Djavan: Você diz a reclusão da natureza, de ir para a serra?

TMDQA!: Isso!

Djavan: Como sou aficionado pela natureza, toda oportunidade que tenho de ir pro sítio, ver a exuberância natural, é um refazer de alma, de energia. E isso é essencial no meu trabalho.

TMDQA!: Uma das temáticas que aparecem nas letras é a solidão. Não necessariamente com uma conotação ruim — “Solitude”, por exemplo, tem uma mensagem otimista no final. Nesses momentos de lançar disco, acho que solidão é o que você menos tem, meio que dá a cara a tapa, especialmente na era de tudo amplificado nas redes sociais. Como é pra você sair desse casulo e encontrar o turbilhão aqui do lado de fora? Seria a música esse caminho para a gente fugir dessa sensação de caos?

Djavan: A gente escreve tudo que nos envolve, e por isso que o disco tem momentos políticos, de falar de amor, relacionamento, natureza. Eu escrevi refletindo, revelando, o entorno de mim durante esse período. E apesar dos tempos modernos e difíceis na comunicação — é um turbilhão de informação, todo mundo quer saber como as coisas são feitas, e você é capaz de se envolver numa polêmica –, não deixa de ser uma coisa natural. Não tem nenhuma grande novidade pra mim, pois lanço discos há 40 anos.

TMDQA!: O disco acaba tocando em política, mesmo sem citar nomes. Vesúvio seria uma referência justamente a essas emoções que estamos vivendo, de tudo à flor da pele na atual situação política do Brasil?

Djavan: Hoje vivemos tempo difíceis, conturbados e tudo vira uma questão, um problema. Mas na verdade, eu pensei mais esteticamente mesmo. Porque o vulcão tem aquela beleza e exerce um poder de atração, ao mesmo tempo que tem poder de destruição. Eu diria que é um dos mais fortes elementos da natureza.

TMDQA!: Falando em dar a cara a tapa, a capa do disco tem sido muito comentada. Você já esclareceu que não se inspirou no Miles Davis e que a foto representaria um vulcão em erupção, certo?

Djavan: Isso, o vulcão e a lava foram caracterizados como tinta preta e dourada no meu rosto. Essa foi a ideia.

TMDQA!: Você novamente assina a produção e os arranjos do disco. Acredito que se deva à vontade de deixar as canções exatamente como você as imaginou, mas existe algum lado negativo nesse “acúmulo de funções”, por assim dizer? Como os músicos que participaram do disco te ajudaram a dar forma à sua visão?

Djavan: Com certeza é um trabalho gigantesco, mas que também me coloca na possibilidade de revelar minha ideia musical de maneira íntegra, de forma completa. Mas os músicos justamente me ajudam a trazer à tona essa ideia. São músicos que eu conheço e trabalho com eles há muito tempo — pelo menos três da banda, outros dois são novos integrantes. São músicos com os quais eu tenho uma identificação musical inteligível, eles já conseguem sentir as minhas ideias, por assim dizer.

TMDQA!: A faixa bônus traz um dueto com o Jorge Drexler. Quando ele lançou esse último disco, “Salvavidas de hielo”, o entrevistei e ficou muito clara a devoção que ele tem à música brasileira e o carinho que tem ao colaborar com artistas daqui. Eu li em outras entrevistas suas que vocês não se conheciam pessoalmente, mas que você pensou no Drexler na hora de lançar a música para o mercado latino. E hoje estamos presenciando um novo flerte do próprio Brasil com a música dos nossos vizinhos, a ascensão de ritmos como o reggaeton por aqui e tudo mais. Sei que haverá shows seus em Portugal ano que vem, com essa turnê. Como você vê a atual visibilidade que a música brasileira tem nos mercados estrangeiros e vice-versa, a entrada das músicas em espanhol aqui?

Djavan: Na verdade, quando pensei no Drexler, foi por ser um compositor e cantor com quem me identifico. Como eu gosto do trabalho do Drexler, na hora fazer uma versão e escolher alguém pra cantar comigo, lembrei dele. Essa interatividade entre o mercado latino e a música brasileira, ela é antiga e está se acentuando cada vez mais. Mas a decisão de lançar uma versão em espanhol nem foi pensando mercadologicamente, trata-se de um bolero espanhol e faria sentido adaptá-la para outra língua.

TMDQA!: Sei que você tem uma relação com Angola e se inspira por alguns ritmos africanos também. E na hora de se tornar artista independente, antecipando um movimento de vários outros pares seus, nomeou sua gravadora de Luanda. Então queria saber: por que Angola e Luanda, especificamente? E por que ser independente?

Djavan: Eu visitei Luanda pela primeira vez em 1981 e foi muito marcante, porque eu pude observar ali certa identidade musical, entre mim e aquela música se fazia ali naquele momento. Fiz alguns shows, vivenciei um tempo bastante profícuo, porque aprendi muito, ficou marcado em mim. Quando criei a gravadora e produtora, pensei em Luanda, que estava estava tão forte nas minhas lembranças, então veio daí essa ideia. Mas sempre fui independente, então não saberia dizer a diferença de ser independente hoje ou antes. Essa decisão no meu trabalho ocorreu por uma necessidade pessoal, para passar de maneira íntegra a música que eu queria fazer.

TMDQA!: No ano que vem, você completa seus 70 anos. Está planejando alguma comemoração especial, alguma recapitulação da sua carreira, reedição de discos, shows especiais?

Djavan: É muito provável que tudo isso vá ocorrer, mas não por minha iniciativa. Não tenho hábito de comemorar aniversário. Esse é um hábito que a gente desenvolve na infância, né? Eu acabei não tendo esse hábito, por falta de condições financeiras mesmo, então não planejei nada nesse sentido. Mas pode ser que aconteçam de forma orgânica.

TMDQA!: Bem, certamente, haverá muito a ser celebrado! Obrigada por seu tempo e parabéns pelo disco.

Djavan: Obrigado!

Shows já confirmados:

  • 22/03 – Santos – SP // local: Mendes Convention
  • 30/03 – Ribeirão Preto – SP // local: Centro de Eventos Ribeirão Shopping
  • 06/04 – Belo Horizonte – MG // local: Km Hall de vantagens
  • 12/04 – São Paulo – SP // local: Credicard Hall
  • 13/04 – São Paulo – SP // local: Credicard Hall
  • 27/04 – Brasília – DF// local: Auditório Master do Centro de Convenções Ulysses Guimarães
  • 03/05 – Rio de Janeiro – RJ // local: Vivo Rio
  • 04/05 – Rio de Janeiro – RJ // local: Vivo Rio
  • 11/05 – Salvador – BA // local: Concha Acústica
  • 17/05 – Feira de Santana – BA// local: Ária Hall
  • 24/05 – Recife – PE // Classic Hall
  • 25/05 – João Pessoa – PB // Teatro Pedra do Reino
  • 06/11 – Estoril – PT// Casino de Estoril
  • 08/11 0 Lisboa – PT // Campo Pequeno
  • 09/11 – Porto – PT // Coliseu

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