Notícias

Roger Waters em Curitiba e uma noite difícil de explicar

“Eu também amo vocês. Muito obrigado. Esse show é sobre amor, tem a ver com amor.”

Essas palavras são corriqueiras em shows de artistas nacionais e internacionais, tanto aqui quanto lá fora, mas no caso da apresentação de Roger Waters em Curitiba no último dia 27, a situação foi bem diferente.

Advertising
Advertising

A lenda do Pink Floyd disse isso após receber vaias e xingamentos de boa parte dos mais de 41 mil dos seus fãs que foram até o estádio Couto Pereira, na capital paranaense, para vê-lo no palco.

Isso não se deve a uma eventual má escolha de canções, possíveis falhas técnicas ou antipatia do músico, mas sim o seu posicionamento político em mais um show da turnê Us + Them, como Roger Waters tem feito ao rodar pelo Brasil e pelo mundo.

Desde o primeiro show em São Paulo, que dividiu opiniões quando Waters deixou claro o seu posicionamento contra o neofascismo e incluiu o nome do agora presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em sua lista de políticos que se enquadrariam no movimento, o músico passou a chamar atenção para a turnê tanto pela música quanto pelos protestos que vinham dos dois extremos do espectro político que tomaram conta do país e do mundo nos últimos anos.

Em Curitiba havia ainda um fator extra, já que o show aconteceu um dia antes do segundo turno das eleições gerais no Brasil e antes da apresentação houve muitas notícias sobre como a lei eleitoral dizia que a partir das 22 horas ele não poderia se manifestar politicamente. E o show começou às 21:30 em ponto.

Foto por Aline Krupkoski

É claro que Roger Waters não ficaria quieto em uma data tão importante, então faltando alguns segundos para as 22 horas ele publicou a seguinte mensagem no telão:

São 9:58, nos disseram que não podemos falar da eleição depois das 10 da noite. É lei. Temos 30 segundos. Essa é a nossa última chance de resistir ao fascismo antes de Domingo. Ele não! São 10 horas. Obedeçam a lei.

Foi justamente aí que chegamos ao momento com o qual abrimos esse texto: enquanto uma parte do estádio apoiou a opinião do músico e gritou “Ele Não”, a imensa maioria foi contrária e não apenas o vaiou como começou a gritar “Mito, Mito, Mito”, dando apoio a Bolsonaro.

Essa, aliás, não foi a primeira manifestação a favor do então candidato e hoje presidente do país pelo PSL, já que tanto nas redondezas do estádio quanto dentro dele era possível ver muita gente com camisetas apoiando quem o britânico havia acabado de criticar.

E é aí que as coisas começaram a ficar difíceis de explicar.

No meio de uma mega produção absurda, com o maior telão de LED do planeta, em vários momentos as pessoas relevaram as mensagens musicais e também políticas que estavam sendo proferidas por Roger Waters para criticá-lo.

“Sai daqui” e “Toca logo” foram algumas das expressões que ouvi, mas cheguei a presenciar declarações do tipo “esse cara dividiu todo mundo aqui” de um rapaz que usava a camiseta de Roger Waters e que alguns minutos depois estava gravando vídeos do ídolo que acabava de ter mandado ir tomar naquele lugar.

É difícil explicar como o mesmo fã que ali xingou Roger Waters pelas críticas posteriores a Donald Trump no show, vê coerência em opinar sobre a política dos EUA e dizer que “um gringo não poderia vir aqui falar sobre política”.

É difícil explicar como muita gente nunca nem chegou a ler as letras de clássicos como “Another Brick In The Wall” e nunca se atentou ao fato de que a carreira de Waters é permeada por críticas sociais e políticas, sempre indo contra regimes autoritários e deixando claro que está ao lado do povo e longe dos políticos.

Foto por Aline Krupkoski

Não me leve a mal, o direito de protestar é legítimo e se o fã de Roger Waters é também fã de Bolsonaro, tem o direito de protestar contra o músico vaiando ou dizendo que sua opinião é diferente. Bizarro, porém, é dizer que um dos homens que mais tem moral no planeta inteiro para falar de política, com um passado ligado às lutas contra a opressão e o sistema, deve se calar e não deve dar sua opinião.

A maioria das pessoas ali não parou para absorver nada do que era dito. Mesmo que seja para criticar, é sempre importante entender o argumento para contra-argumentar, mas ali no estádio Couto Pereira isso simplesmente não existiu. Poucos foram os que prestaram atenção no intervalo quando Waters falou de desmandos e tragédias acontecendo no mundo inteiro e muitos foram os que mandaram o cara tomar no c… porque ele não estava tocando.

Foto por Aline Krupkoski

Musicalmente e esteticamente o show é um espetáculo. Não dá pra perder, é histórico. As projeções são impactantes, o som é avassalador, o palco reserva algumas grandes surpresas, bem como figuras passando pela plateia como os porcos voadores.

No palco, clássicos do Pink Floyd como “Money”, “Wish You Were Here” e “The Great Gig In The Sky” são compartilhados por Roger Waters com seus músicos de primeira, que dão um show à parte com talento de sobra principalmente nos vocais.

Em um palco com um telão enorme a área real onde eles ficam é bem pequena, e a banda mostra que tem afinidade e coesão como se estivesse tocando em um pequeno bar, mesmo à frente de tanta gente.

Volta e meia Roger Waters vai para os cantos do palco e lá interage com o público que fica muito perto dele. São caras, bocas e a vontade de deixar claro que ele não apenas toca seu baixo como também o utiliza como uma verdadeira arma para disparar notas e ideias.

Foto por Aline Krupkoski

A noite foi mágica, como todos os shows de Roger Waters pelo Brasil têm sido e como, sem dúvidas, o de Porto Alegre será.

Difícil é explicar como a intolerância fez com que tanta gente perdesse momentos grandiosos daquele que provavelmente foi o último show de seu ídolo no Paraná em toda carreira. Vivemos em um mundo maluco onde o que importa são as selfies e a frase “eu fui”, com o conteúdo em segundo ou terceiro plano. Não foram poucas as pessoas que viram uma ou duas músicas e saíram beber no copo da turnê que custava 20 reais e virou alvo de críticas de um cidadão que empilhava vários deles em suas mãos e dizia que Waters é um mercenário. E olha que estamos falando da pista premium, a mais cara, aquela em que até outro dia seria inimaginável presenciar alguém tratando o show como se fosse uma festa qualquer de final de semana.

São tempos sombrios, mas eu ainda tenho fé que um dia aprenderemos todos a argumentar e, principalmente, a discordar sem precisar ofender. Criticar e seguir respeitando a obra, a história. Ser completamente contrário à opinião mas entender a importância do próximo no mundo, principalmente quando o próximo é uma das maiores referências mundiais em sua área. Ouvir, absorver, formar uma opinião e se posicionar a favor ou contra sem precisar dizer que ali está uma pessoa inferior por não seguir a sua linha. Eu acredito.

Foto por Aline Krupkoski

Ingressos

Se você ainda não garantiu seu ingresso para o show de Porto Alegre, o último de Roger Waters no Brasil possivelmente em toda sua carreira, pode correr para comprá-lo por aqui.

Foto por Aline Krupkoski
Foto por Aline Krupkoski
Foto por Aline Krupkoski
Foto por Aline Krupkoski
Foto por Aline Krupkoski
Foto por Aline Krupkoski
Foto por Aline Krupkoski
Foto por Aline Krupkoski
Foto por Aline Krupkoski
Foto por Aline Krupkoski
Foto por Aline Krupkoski
Foto por Aline Krupkoski
Foto por Aline Krupkoski
Foto por Aline Krupkoski
Foto por Aline Krupkoski
Published by
Tony Aiex