Foto: Flora Nigri

Paulinho Moska é um dos artistas mais inquietos do país. Além de ter algumas das canções mais marcantes do que ficaram conhecidas como “nova MPB”, ele trabalha com audiovisual, fomenta a criação de novos artistas e dialoga com criadores de toda a América Latina. E sempre com um sorriso no rosto.

Esse sorriso, esse carinho que ele emana em tudo que faz, ecoa em suas canções. Porém no novo álbum, isso está diferente. Em Beleza e Medo, álbum lançado recentemente pela Deck, Moska sintoniza as incertezas de nossos tempos e, apesar de alguns dos momentos mais dramáticos de suas músicas, cria um paralelo de otimismo e crença no futuro.
Conversamos por telefone com ele sobre o processo de criação do novo álbum, da arte da capa e essa nova fase da carreira. Confira abaixo.

Indicamos a leitura ao som do novo álbum. Moska recentemente fez um show de lançamento no Rio, no Circo Voador, e no dia 21/09, se apresenta em São Paulo, na Casa Natura Musical. Para mais informações e datas: http://paulinhomoska.com.br/site/

https://www.instagram.com/p/BnQ_0eYhQaN/?hl=pt-br&taken-by=circovoador

TMDQA: Eu conheci sua obra lá no começo dos anos 2000, com um amigo me mostrando “Um Móbile no Furacão”. Ele me disse que eu ia ouvir um dos artistas mais inventivos que tinha por aí. Curiosamente, esse seria um adjetivo para te descrever hoje. Como você faz para se manter curioso e criativo com o passar dos anos?

Moska: Eu acho que tem a ver com minha formação em casa. Sou o quarto filho de uma família que permaneceu unida, com os filhos juntos. Era uma casa bem cheia e cada um tinha seu estilo. Meu pai ouvia clássico, meus irmãos eram roqueiros. E a minha irmã tinha um critério especial: ela ouvia bandas formadas por homens bonitos (risos). Eu tinha muitas opções de gostos diferentes… tinha muitos tios, primos, pessoas amigas que visitavam a casa.

E, acima disso: tudo me interessava. Eu era muito curioso. Só pra ter uma ideia: eu era colecionador de tudo. E quando falo tudo, era tudo mesmo. Selo, garrafa, maço de cigarro… mas tudo de um modo super organizado. No primeiro dia de circulação de um selo eu ia nos Correios para receber o carimbo também. Ia em feiras de colecionadores e era um um campo de diversidade, de conhecimento sobre o mundo.

Eu aprendi através da curiosidade. Toda minha formação, como artista e como pessoa, foi em cima da curiosidade. Seja no teatro, filosofia, ciência ou dirigindo série de TV. A curiosidade me mantém vivo pois morro de medo de virar a mesma coisa.

TMDQA: Nos últimos anos você trabalhou de um modo bem coletivo: seja com o Zoombido ou com o disco do Fito, como foi voltar a trabalhar em um disco solo?

Moska: Muito renovador, muito novo em si mesmo. Tinha oito anos que não fazia um um disco novo (o último foi o disco duplo Muito Pouco). Desde que virei artista independente, não tenho uma data de entrega do álbum, quem delimita é a própria obra. Meus primeiros discos foram sob contrato com gravadora, e tinha que fazer com 1 ano e meio de diferença, mais ou menos. Era uma correria. Desde o Tudo novo de novo eu encontrei esse ritmo de ciclos mais longos, mais calmos.

Sabe, eu comecei a gostar de música com o LP na mão e consumia eles como livro. Começava no título, na capa, a introdução e a viagem que passava por vários capítulos e tinha um encerramento. Meu mundo era esse. Ver os discos do Caetano, Chico, Milton e viajar nas letras e fichas técnicas.

Eu não consigo ficar lançando singles… Me dá nervoso, parece que eu tô enrolando (risos).

O single é rápido e eu sou muito desacelerado. Mas sempre tem algo que pulsa dentro, essa vontade como se você precisasse escrever um livro daquele momento. Depois dos últimos dvds, eu já pensava em um disco novo, mas eu tinha que esperar por essa canção que vale o disco, que cria o disco. Sempre tenho uma canção que faz a cascata jorrar.

Foi assim com “A Seta e o Alvo” e “Tudo Novo de Novo”, por exemplo. É a faixa que abre o disco, eu compus e, Montevidéu, enquanto gravava uma série de ciências e eu estava num lugar lindo, hospedado, num pôr do sol, e essa canção falou comigo. E ainda disse mais: “eu sou um disco”.

https://www.youtube.com/watch?v=NhTdmE14vZg

No começo, era um álbum positivo… sobre amor. Algo quase uma visão meio Alice no país das maravilhas…

TMDQA: Aí o Brasil aconteceu?

Moska: Ele desaconteceu. E eu me sentia constrangido de não tocar nesse assunto. Achei que o disco não podia ser o que tava sendo. Eu tinha que colocar ali esse medo, esse medo estranho. Desde a minha infância, sentia que o mundo tava melhorando e as coisas, está muito evidente, que talvez não. Seja em âmbito nacional ou no Rio, onde vivo.

Mas eu não sou um militante de rede, mas sentia a necessidade de me posicionar. Queria algo sobre você poder se olhar no espelho e se sentir normal, se sentir respeitado. Convidei o Carlos Rennó, que já tinha feito canções-manifestos com o Chico César e ele voltou com essa letra especial. Quando vi a letra de “Nenhum Direito a Menos”, pensei “isso não pode ser uma ilha no meio do disco, um EP temático dentro do disco”. Foi nesse momento que surgiu essa ideia da dualidade entre o amor e o medo que rege o disco.

Na verdade, em toda minha obra já tem essas idéias e sentimentos contrários em conflito. Isso está em “Tudo Novo de Novo”, “Um Móbile no Furacão” ou “Muito Pouco”. Mas nesse novo disco é diferente. Surge muito forte a figura da morte em alguns momentos, é algo novo e pesado dentro que escrevi.

TMDQA: Verdade, nem em “O Último Dia” tem essa figura da morte tão agressiva.

Moska: Verdade, nem nessa faixa. Exato! Foi todo um processo novo. Foi tudo novo de novo… de novo (risos).

https://www.youtube.com/watch?v=Zb4eqZqCZFo

Fora que depois de alguns anos tocando e fazendo turnê voz e violão, eu sentia falta de uma banda, sabe? Estar sozinho no palco é ainda continuar na solidão do processo criativo. Show com banda é tipo uma festinha.

Eu adoro fazer shows assim, voz e violão, (NOTA: na época de nossa conversa, Moska estava numa turnê no Nordeste nesse formato) mas é uma atividade mais solitária. O novo show é roqueiro. Eu estava precisando disso, estava com vontade de gritar. E estou com uma banda muito jovem com Larissa Conforto (da Ventre e Xõó) na bateria, Lancaster no baixo, Miguel Bestard na guitarra e Gustavo Tibi (da banda Jamz) nos teclados.

https://www.instagram.com/p/BnPSppPlZ9l/?taken-by=paulinhomoska

TMDQA: Uma coisa que me surpreendeu muito foi a faixa “Nenhum direito a menos”. Quais os direitos que você acha que são mais necessários de lutarmos para manter ou conseguir?

Moska: Direitos só fazem sentido se forem num todo. Mas nas condições atuais, lutamos um por vez. Isso que comentei, de ser curioso, de ter interesse pelo outro, influencia muito na minha capacidade de empatia. Observar e conhecer o outro é o que me melhora.

Eu acredito que o nosso olhar para o outro que constrói o que somos por dentro. Até para os nossos “inimigos”. A gente tem que olhar para eles e ver de onde vem aquele mal.

A cada dia aprendo que em cada uma das minorias existe um universo. Acho que os principais direitos tem que ser ao conhecimento e de ter liberdade de ser quem você é. A busca por isso é mundial, o Brasil não está sozinho nisso. Precisamos de amor e esperança e eu faço canções para isso. Para espalhar uma espécie de torcida para que tudo melhore, nem que por uns 3 ou 4 minutos.

TMDQA: O disco em alguns momentos fala sobre os dias de ódio que vivemos e você escolheu o amor e a beleza como resposta a isso. Para você, como artista, qual a importância de se posicionar contra isso?

Moska: A gente pode se manifestar de muitas maneiras, sendo um alto-falante de seu tempo. E eu não consigo ficar na minha bolha. É aquilo que comentei. Eu não me vejo como militante, mas não consigo ficar calado. E acho importante cada um fazer um pouquinho. O seu pouquinho. Esse é o meu pouquinho.

E eu acho que sempre escolho a beleza. Eu me manifesto assim em tudo na vida. Minhas relações sempre são de amor, de carinho. É o que busco na minha vida. Amor não de casal, sabe? Amor é uma palavra muito pequena que não faz jus aos sentidos do afeto. Você ama o país, a língua portuguesa, seu time de futebol, seus filhos, as formas de arte.

Pra mim, o amor é a energia que fez aquele primeiro carbono se unir ao outro. O amor é a energia que cria o mundo. E o medo é o que nos faz avançar. O medo da sua mãe não voltar quando você é pequeno, medo da nota da escola, medo de não ser amado. A vida pra mim é um baile entre a beleza e o medo.

TMDQA: Queria falar um pouquinho sobre a capa. Sei que a parte visual é muito importante para o seu trabalho. Queria saber como ela surgiu, pois é muito impactante. É uma daquelas peças que você acha bonita mas não sabe muito o porquê…

Moska: (risos) Então a capa cumpriu o desejado. Quem fez essa foto foi a pernambucana Flora Negri. A minha esposa me mostrou o instagram dela e eu fiquei muito impressionado. Qualquer foto dela podia ser a capa do disco. Todas tem isso que você disse… Você sabe que é legal, mas demora pra entender e não sabe porque acha isso.

Quando ela foi em casa para falarmos do disco, ela me mostrou no celular uma foto de uma amiga dela dentro do rio e que parecia uma flor mas representava um afogamento. Era exatamente o que eu queria.

Quando fomos para a sessão, com esse vestido, com essa “flor”, foi rápido. Ela fez essa foto e disse “acho que tenho a capa”.

Acho que é um resultado interessante, não teve nenhum acréscimo de luz ou nada. A capa chamou a atenção e fiquei muito feliz.

TMDQA: E para fechar num clima mais leve: você tem mais discos que amigos, como nós? E se você tivesse que selecionar um disco que você sempre volta como refúgio, qual seria?

Moska: Mas isso é certo, certo demais. Hoje que ultimamente eu nem compro tanto disco e acabo conhecendo muita gente (risos). É engraçado como o tempo muda muito, quanto mais velho você fica, menos amigos ficam. E muitos amigos vieram exatamente por causa de discos, de dividir música.

Mas se tiver que comentar um: “Talking Book”, do Stevie Wonder. Esse disco é maravilhoso e acaba comigo.

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