Mano Brown
Foto de Mano Brown por Fernando Eduardo

Mano Brown é um ícone da música brasileira.

Com o Racionais MC’s, o rapper mostrou ao país a dura realidade das periferias e das favelas, e ao mesmo tempo que conquistou sucesso de público com discos como Sobrevivendo No Inferno e Nada Como Um Dia Após o Outro Dia, também foi exaltado pela crítica por conta de suas letras contundentes.

30 anos após a fundação da banda lá em 1988, Brown está agora em outra fase da carreira, abordando gêneros musicais como soul, disco e R&B no projeto Boogie Naipe.

É justamente com o show desse disco, lançado em 2016, que ele toca hoje (03/02) no Rio Grande do Sul como uma das atrações do festival Planeta Atlântida, e por lá deu uma entrevista para Rafael Balsemão, da GaúchaZH.

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Na entrevista, o músico parece ter tirado do peito uma série de temas que estão lhe incomodando há algum tempo, e com declarações contundentes, traçou um panorama do que entende que seja a sociedade brasileira hoje em dia e, principalmente, a periferia:

Não sei se minha música é um caminho. As músicas novas, sim. As dos Racionais talvez tenham servido em algum momento. Hoje, a maioria está reclamando porque não tem iPhone. Você tem realidades distintas. Hoje, a luta que as pessoas dizem ter é individual. Não vejo mais luta de classes. A luta é por conforto. A periferia está pedindo segurança, votando em polícia, se escondendo dentro de igreja e atrás de pastor, não assumindo a parte que lhe cabe. Então, qual seria a importância dos Racionais hoje? Falar de Deus, de família? Não. Isso é o que fala o discurso da direita no Congresso. Que é homofóbica, racista, um monte de coisas. Os discursos se misturaram. A extrema-esquerda, hoje, virou direita, de tão à esquerda que está. A gente vai ter de rever os conceitos. Você pega os pensadores do movimento (hip hop): eles estão neutros. Porque, hoje, você é apedrejado por falar de Lula. É linchado na internet, junto à opinião pública. Então está todo mundo com medo.

Ao ser questionado se há algo para comemorar no aniversário de 30 anos dos Racionais, ele é direto:

Não. Só há luto. Se vejo como a periferia pensa hoje, como o brasileiro pensa… Estou de luto. Hoje é sexo, drogas e vida dos outros. Não há mais nem rock’n’roll, porque até a música hoje é dispensável. Música, hoje, é para consumir, chapar, ficar louco e já era. Você pode falar: nem todos são assim. Mas vê os números. Grandes artistas, grandes pensadores estão sendo esquecidos, apagados, varridos do mapa. Não é o Brown que está falando. É o mundo. A culpa não é minha. Quem levou o Brasil para isso foi o próprio povo. O povo elege quem quer. Consome o que quer, come o que quer, veste o quer.

Em outro ponto, Mano Brown volta a usar a palavra “luto” quando é perguntado se 2018 será um ano a ser celebrado, e ainda fala da fama que conquistou com os Racionais MC’s:

Não. Celebrar com os seguidores de Bolsonaro me perseguindo? Meus fãs me traindo? Não tem nada para celebrar. É luto, meu parceiro. Os caras que eram fãs, hoje, me perseguem. Me chamam de maconheiro, defensor de bandido, petralha, Lei Rouanet – que nem sei como usa, nunca usei. Celebrar? É celebrar a vida, irmão. Celebro o baseado que fumo, a Chandon que estouro quando estou com alguém de quem gosto. Celebrar coisa coletiva não existe, o Brasil mudou.

Fama no Brasil é lixo, irmão. Se você não ganhar dinheiro com fama, não presta para nada. Quem tem fama vira alvo dos covardes. Famoso é alvo. No Brasil, fama boa é com dinheiro, só. Não recomendo a ninguém.

Por fim, questionado sobre o futuro e sobre como sair de um cenário de “pressão e tantas ofensas”, Mano Brown não tem uma fórmula mágica, e ainda diz que não deseja mais gravar com os Racionais:

Não é para todos os lados, não. É para quem defende o Lula, no governo de quem os mais pobres conquistaram muito. Quem faz média vive bem. Agora, para quem fala o que sente, fala a verdade do Brasil… A verdade pega mal. Se você comprar um carro novo e postar, mostrando que é seu, você está fodido. Você tem de andar a pé e dizer que não tem carro. Porque a mentira interessa mais do que a verdade no Brasil.

Os caras têm de deixar os Racionais quietinhos. O pessoal não está merecendo os Racionais, não. Racionais é algo muito verdadeiro, é sangue no olho. É brabo, já pegou em armas. Racionais, para mim, é sagrado. Por mim, não gravava nunca mais. Minha música foi sempre ligada às lutas, ao povo, aos becos e às vielas. Aquele povo para quem a gente cantava não é o mesmo de hoje, aquele povo queria outras coisas. O Brasil mudou, e é com essas regras novas que vou jogar agora. Não vou jogar com regras antigas, não sou otário, se não os próprios caras que gostavam de mim vão me engolir, como já estão tentando fazer. A periferia está com muito medo, está votando em polícia porque conquistou as coisas no governo Lula e agora tem raiva de tudo o que soe ameaçador. Não concordo quando o rap critica o funk, quando o outro critica o gay ou o candomblé. Neste momento me sinto minoria. Preciso ter inteligência. Já fui só coração. Hoje, sou coração e cérebro.

Você pode ler a entrevista na íntegra, onde Mano Brown ainda fala sobre os rappers que considera inovadores no Brasil e o que pensa de nomes como Anitta e Pabllo Vittar, clicando aqui.

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