Novos nomes do jazz

Depois de falarmos sobre as bandas de Goiânia, a nona edição do Amplifica – coluna do TMDQA! que reúne discos nacionais e internacionais de gêneros e datas diversas – traz os principais nomes do jazz no momento atual. Os artistas inclusos aqui provam que as possibilidades desse gênero não acabaram. Dois grandes nomes parecem ser uma grande influência para esses novos artistas: Alice Coltrane, com sua imersão ao que há de transcendente na música, e Sun Ra, um experimentador maluco que praticamente diluiu qualquer obstáculo que impusesse limites bem definidos para o que o jazz deveria ser.

Nessa linha, o estilo tem incorporado outros gêneros, como as batidas do hip hop, a música eletrônica e o rock progressivo. Nessa lista demos preferência àqueles grupos em que os elementos do jazz são mais preponderantes na sonoridade. Por critérios diversos e para que não nos prolongássemos, alguns álbuns acabaram ficando de fora da lista, mas merecem a nossa menção, podendo aparecer em outras edições da coluna: Invisible Cinema (2008) de Aaron Parks; Stretch Music (2015) de Christian Scott; Animalia (2014) de Mammal Hands; Lest We Forget What We Came Here To Do (2015) de Sons Of Kemet, The Way We Play de Marquis Hill; III (2014) de BadBadNotGood; The Imagined Savior Is Far Easier To Paint (2014) de Ambrose Akinmusire e Chronicle (2007) de Chicago Underground Trio. Vamos lá para os nossos destaques:

Kamasi Washington
Créditos: Divulgação / Site oficial

Kamasi Washington (Estados Unidos – California)
Disco: The Epic
Ano: 2015
Brainfeeder

Em uma primeira visão, o título do primeiro álbum do saxofonista Kamasi Washington pode soar extravagante. Ao fim da audição, entretanto, sequer é possível imaginar um nome mais apropriado. The Epic é grandioso em quase tudo. São quase 3 horas de faixas vibrantes e intensas, com um magnetismo capaz de atrair os ouvidos daqueles que não estão muito habituados ao formato do jazz. O disco é dividido em três volumes: The Plan, The Glorious Tale e, por último, The Historic Repetition, que conta com uma versão do compositor francês Claude Debussy. Kamasi concebe o disco como uma espécie de sonho ou um delírio onírico, em que a imaginação é a principal matéria-prima das faixas. Assim, mais do que resgatar alguém que corre perigo (o suposto ostracismo do jazz), o músico segue o caminho da invenção criativa. Para ouvir tentando criar profecias.

Para quem gosta de: Flying Lotus, Randy Weston, Alice Coltrane

Amaro Freitas
Créditos: Divulgação / Bandcamp

Amaro Freitas (Brasil – Pernambuco)
Disco: Sangue Negro
Ano: 2016
Independente

Entrando fácil para qualquer lista de melhores discos instrumentais nacionais já lançados, o pianista pernambucano Amaro Freitas assina um trabalho que explora as raízes da música brasileira, a partir de um olhar que vem do jazz. No disco, o jovem pianista está muito mais preocupado com a organicidade das músicas do que em demonstrar as suas habilidades técnicas no instrumento – algo que fica implícito em sua capacidade de compor e na própria execução. Além da musicalidade pernambucana, Sangue Negro destaca referências das mais diversas, como o samba e o chorinho, apontando sempre para as origens africanas da nossa música. Com dinamismo e harmonias bem elaboradas, o disco é capaz de se manter sedutor da primeira até a última faixa. Para ouvir andando na rua à noite.

Para quem gosta de: Nelson Ferreira, Tom Jobim, Charles Mingus

Hiromi Uehara
Créditos: Divulgação / Site oficial

Hiromi (Japão – Shizuoka)
Disco: Spark
Ano: 2016
Concord Music

Particularmente, conheci a pianista japonesa Hiromi Uehara através dessa apresentação disponível no Youtube, com a artista entrando em uma espécie de transe momentâneo enquanto toca a faixa XYZ do seu disco de estreia, Another Mind (2003). De lá para cá, Spark já é o décimo trabalho da artista, que possui uma carreira consolidada. Nesse disco, lançado no ano passado, ela é acompanhada por Anthony Jackson como guitarrista e Simon Phillips na bateria. Acima de tudo, trata-se de um álbum desafiador para os próprios membros, empurrando cada músico aos seus limites, com ênfase aqui na incansável Hiromi, que parece desafiar as leis da Física. Ora veloz (muito veloz se for necessário) e enérgico, ora mais sereno, a habilidade técnica dos músicos permite executar composições intrincadas com extrema precisão e vibração. Para ouvir fugindo de uma serpente marinha.

Para quem gosta de: Ahmad Jamal, King Crimson, Frank Zappa

Takuya Kuroda
Créditos: Divulgação / Blue Note Records

Takuya Kuroda (Japão – Hyōgo)
Disco: Zigzagger
Ano: 2016
Concord Music Group

Com referência ao afrobeat (incluindo uma participação do Antibalas na última faixa) e o funk na grande parte das composições, as harmonias do japonês Takuya Kuroda escoam com fluidez. Pertencente ao estilo denominado de post-bop, o músico já lançou alguns álbuns com a clássica gravadora de jazz Blue Note, fundada no fim da década de 30. Vívido e colorido, a primeira faixa do disco Zigzagger já mostra a razão do músico ser considerado como um dos grandes nomes do cenário do jazz no momento. Os instrumentos estão conectados de uma forma impressionante, se tornando quase uma manual desproposital de como um coletivo de músicos pode atuar em conjunto, seguindo objetivos semelhantes, sem perder a particularidade de cada instrumento. Para ouvir depois de receber uma boa notícia.

Para quem gosta de: Don Cherry, Herbie Hancock, The Dave Brubeck Quartet

The Comet Is Coming
Créditos: Divulgação / Bandcamp

The Comet Is Coming (Inglaterra – Londres)
Disco: The Comet Is Coming
Ano: 2016
The Leaf Label Ltd

Uma grande parte das melhores novidades do jazz atual possuem uma sonoridade que remete à busca pela transcendência e ao imaterial. O grupo inglês The Comet Is Coming leva essa aventura cósmica às últimas consequências, contudo, essa viagem não é feita de forma austera e fechada, mas através da explosão de ritmos e do dinamismo das composições. Sem qualquer pudor de usar sintetizadores e batidas eletrônicas no jazz, Sun Ra provavelmente ficaria bastante contente em conhecê-los. Dos anos 50 até os anos 80, esse artista experimentador abriu as portas para que outros músicos pudessem explorar o que há de mais lisérgico no jazz, afastando-se da ortodoxia do gênero. De volta para o presente, as músicas do The Comet Is Coming poderiam tocar em qualquer festa sem enxotar os mais animados, com batidas concentradas de peso que ocasionam uma explosão cósmica de jazz, rock progressivo funk. Para ouvir se preparando para uma viagem no tempo.

Para quem gosta de: Polar Bear, Melt Yourself Down, Sons of Kemet

Theo Crocker
Créditos: Site oficial / Geordie Wood

Theo Croker (Estados Unidos – Florida)
Disco: Escape Velocity
Ano: 2016
DDB Productions / Sony

O trompetista Theo Crooker apresenta em Escape Velocity de 2016 faixas com arranjos inventivos e uma sonoridade que remete diretamente ao soul. A partir daí, consegue conectar os elementos mais tradicionais do jazz com o contemporâneo. A ideia de transcendência também está presente aqui e equivale à busca sonora encaminhada pelo músico, ou seja, transcender no sentido de extrair algo que há de sublime nos sons, e, nesse caso, principalmente no jazz. O título dado ao álbum e às faixas inclusas já são pistas para isso: Raise Your Vibrations, Transcend, This Could Be (For The Travelling Soul), para citar apenas as três primeiras músicas do disco. Trata-se ainda de um trabalho dançante, repleto de grooves, relembrando as realizações do fusion jazz na década de 70. Theo é acompanhado por Kassa Overall (baterista), Irwin Hall (sax alto, flauta, entre outros), Michael King (piano/teclado), Eric Wheeler (baixo), Anthony Ware (sax barítono), Ben Eunson (guitarra) e Femi Temowo (guitarra). Para ouvir aguardando uma ligação importante.

Para quem gosta de: Thelonious Monk, Wayne Shorter, Roy Hargrove

Melissa Aldana
Créditos: Divulgação / Site oficial

Melissa Aldana (Chile – Santiago)
Disco: Back Home
Ano: 2016
Wonmusic

A saxofonista chilena Melissa Aldana já possui uma carreira premiada. Em 2013, venceu o importante prêmio do Thelonious Monk Institute of Jazz, alavancando a sua carreira internacional. Back Home é o seu quarto disco, o segundo sendo acompanhada pelo Crash Trio, que é formado pelo baixista Pablo Menares e o baterista Jochen Rueckert. As raízes musicais latino-americanas ficam evidentes pelo colorido do disco e a sua expressividade. Back Home é um álbum espirituoso, um aspecto em grande parte obtido pelo entrosamento entre os músicos participantes e, acima de qualquer coisa, pelas melodias cativantes e envolventes de Melissa Aldana. A ideia de manter uma estrutura de trio veio pela referência ao Sonny Rollins. Para ouvir conhecendo lugares pela primeira vez.

Para quem gosta de: Charlie Parker, Sonny Rollins, Wayne Shorter

Austin Peralta
Créditos: Divulgação

Austin Peralta (Estados Unidos – California)
Disco: Endless Planets
Ano: 2011
Brainfeeder

Infelizmente, o pianista Austin Peralta faleceu no ano de 2012, com apenas 22 anos de idade. Em uma carreira curta, o músico deixou uma impressão forte de originalidade e talento, mas também um vazio sobre todas as outras obras que ele poderia vir a desenvolver em seu futuro. O seu primeiro disco, Maiden Voyage (mesmo título de um álbum do Herbie Hancock), foi lançado quando ele ainda era adolescente. É em Endless Planets, entretanto, que o músico dá forma a suas aptidões. Mesmo jovem, foi capaz de transcender os modelos mais tradicionais do jazz, incorporando elementos eletrônicos e toques surreais. Como o próprio apontou em uma entrevista, o músico tentou se afastar da atmosfera pomposa do jazz, para se aventurar em uma dimensão cosmicamente visceral. Nesse trabalho esteve acompanhado pelos músicos Hamilton Price, Zane Musa, Zach Harmon, David Wexler e Ben Wendel, emaranhando os instrumentos como em um nó, para ir aliviando aos poucos. Para ouvir em uma trilha sem rumo.

Para quem gosta de: Flying Lotus, Dave Holland, John Coltrane

Daniel Podsk
Créditos: Divulgação no Facebook oficial

Daniel Podsk (Brasil – Pernambuco)
Disco: Relembrando PE
Ano: 2015
Independente

Assim como o trabalho de Amaro Freitas (que participa do álbum como pianista), o primeiro disco solo do baterista Daniel Podsk traz a marca da música pernambucana. Além dos dois nomes já citados, Daniel é acompanhado por Jean Elton (contrabaixo acústico) e Vasconcelos Jr. (trompete), assim como por outras participações. A estrutura jazzística dança em ritmo de frevo e outros gêneros típicos do estado de Pernambuco, como o título escolhido para o álbum já avisa. Infelizmente, como outros trabalhos brasileiros, o disco foi feito com muita força de vontade dos participantes, sem o adequado apoio financeiro. A maioria das músicas são releituras de artistas como Hermeto Pascoal, Egildo Vieira, Tom Jobim, entre outros. Para ouvir a caminho de Olinda.

Para quem gosta de: Spok Frevo Orquestra, Hermeto Pascoal, Amaro Freitas

Yussef Kamaal
Créditos: Divulgação no Facebook / Salem Wazaki

Yussef Kamaal (Inglaterra – Londres)
Disco: Black Focus
Ano: 2016
Brownswood Recordings

O nome pode até enganar, mas o Yussef Kamaal é uma dupla de ingleses e não um artista único. Estamos falando de Yussef Dayes (bateria) e Kamaal Williams (piano/teclado). Arrojado e experimental, Black Focus desenha uma paisagem mais moderna do jazz, livrando-se das regras conservadoras que existem em todos os gêneros. Entretanto, não se trata de um álbum de difícil digestão, pois a espontaneidade do grupo dá uma fluidez especial para as faixas. O duo explora com muita habilidade os ritmos tortos do jazz em suas batidas, com influências perceptíveis do afrobeat , hip hop e funk. Apresenta ainda o lado mais espiritual e viajado do gênero, remetendo a trabalhos de Alice Coltrane e Mahavishnu Orchestra. Para ouvir em um planetário.

Para quem gosta de: The Heliocentrics, Herbie Hancock, BadBadNotGood

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