Vento Festival 2017
Foto: FLASHIT

O Vento Festival, que teve suas duas primeira edições realizadas em Ilha Bela, muda de localização e em São Sebastião estabelece uma nova casa, que tem tudo para ser a definitiva: uma estrutura mais próxima da população local e dos turistas que vêm a passeio para a cidade, a utilização do espaço público para promover arte de maneira gratuita, a necessidade de movimentação na baixa temporada e a pauta, que se move rapidamente da música independente ao feminismo, da luta por direitos à ocupação do espaço público, todas tão necessárias e tão urgentes a São Sebastião, ao Litoral, a São Paulo, ao Brasil.

Com o convite para olhar para dentro, o festival trouxe diversas atrações que promoveram justamente essa descoberta. A abertura com o ritual da Aldeia Rio Silveiras, um pouco atrasada, foi o primeiro sinal do claro convite, nos fazendo refletir sobre nossas origens. Aproximadamente 18 índios cantaram, dançaram e trouxeram suas boas energias para o público, que já se concentrava na Rua da Praia.

Em uma de suas falas, o Pajé explicou:

O índio não faz nada como ele quer – o índio faz as coisas como Deus quer. Então, que Deus queira que o evento de vocês seja muito bom!

Após o ritual, começou a dinâmica dos dois palcos do evento: o principal, o Palco Son Estrella Galícia, trouxe as atrações musicais mais diversas, enquanto o segundo palco, a Oca Vento, se transformou na casa dos Djs da Free Beats, colocando a galera para dançar desde o início do Festival.

Entre as atrações da primeira noite, chamaram a atenção o show de Paula Cavalciuk, primeiro do palco Son Estrella Galícia, que trouxe uma das pauta que dominaria o evento: o feminismo. Na ativa desde 2015, a cantora e compositora de Sorocaba apresentou as canções de seu primeiro disco Morte & Vida. Despojada, espontânea e carregada de humor, Paula chamou para frente do palco tanto os fãs de música que já se chegavam para o evento, quanto turistas e locais buscando entender o que acontecia ali. Um dos grandes momentos do evento foi a participação de Juliana Strassacapa, do Francisco, El Hombre que dividiu o microfone com a moça em “Morte e Vida Uterina”. Para o fechamento, “Maria Invisível”, o delicado tapa com luva de pelica conta a história de uma empregada doméstica que não existente fora do trabalho, morre tendo sua ausência notada apenas pelos pratos sujos deixados na pia.

Enquanto Do Amor misturou seus três discos de estúdio brigando entre si para definir que tipo de sonoridade faria sentido na apresentação – resultando em um baby doll de nylon fodido demais que confundiu a cabeça do público, a ponto de parecer que mais de uma banda tinha se apresentado durante seu set de dez faixas.

Mombojó, por sua vez, anoiteceu no Palco Principal com seu projeto “lo-fi”, celebrando 15 anos em uma porradaria de hits pra dançar e cantar sem amarras. De “nadadenovo” a “Alexandre”, a banda revisitou seu próprio trabalho, fazendo o público redescobrir com eles sua história, entre “Faaca”, “Entre a união e a saudade” e “Baú”.  Destaque para “Papapá”, que ganhou uma adaptação celebrada para fechar o evento, o “Fora Temer” mais ritmado das noites de festival (e claramente, não o único).

Vento Festival - Francisco el Hombre
Foto por FLASHIT

Mas não dá para dizer que o destaque da noite não foi a Francisco, El Hombre. Em turnê com seu Soltasbruxa cada vez mais acertado, o quinteto fechou o primeiro dia de Vento Festival em festa. O peso político da pauta e a leveza com que a banda já entrega as canções do álbum em uma catártica redescoberta a cada show, aproximaram o público para dançar como se não houvesse amanhã. E não houve: a nostalgia que a mistura de “Calor da Rua” com “Maracatu Atômico” promove, aproximou os que não conheciam o trabalho para se surpreender com a outra mistura, agora de repertório próprio, quando “Minha Casa” e “Primavera” receberam os mesmos batuques. Já na metade da apresentação, Juliana Strassacapa assume o microfone para falar de sua canção-filha, “Triste, Louca ou Má” e da participação especial que as garotas do Mulamba fariam em sua execução:

Na maioria das vezes, a sociedade nos resume a esses três adjetivos nada bonitos. Mas eu queria deixar claro que se for preciso, nós seremos os três ao mesmo tempo, SÓ para provar o nosso valor!

Para fechar o show, Sebastian anunciou a versão da banda para “Mi Revolución”, do Quatro Pesos de Propina, antes de chamar o público para formar uma roda no meio da plateia e dançar junto em “Não Vou Descansar”, finalizada, claro, com o versinho Até o Temer derrubar já tão parte da letra quanto qualquer outra frase.

https://www.youtube.com/watch?v=H7iviV5kvxI

Para a sexta-feira, a surpresa já havia sido anunciada no show da Francisco: a banda de Curitiba, Mulamba, ganhadora do voto popular na seleção Open Mic para participar do evento, em nenhum momento pareceu ter seus recém completos um ano de estrada. A facilidade de dominar o público e a segurança, tanto no palco como no repertório ainda curto, mas impactante, fizeram com que o sexteto formado por Amanda Pacífico (Voz), Cacau de Sá (Voz), Caro Pisco (Bateria), Fer Koppe (Cello), Naíra Debértolis (Baixo) e Nat Fragoso (Guitarra) fossem uma das atrações mais elogiadas do evento.

Vento Festival - Mulamba
Foto por FLASHIT

As garotas que se uniram para fazer um tributo à Cássia Éller no final de 2015 contaram história e encaram com os singles “Mulamba”, “Provável Canção de Amor para Estimada Natália” (e até agora não sabemos se Natália estava ou não presente no evento – aliás, nos digam!) e encerraram a apresentação com “P.U.T.A”, com participação de Juliana Strassacapa, e a história da mulher que não aguenta mais ter medo, não aguenta mais sofrer assédio, abuso, não aguenta mais trabalhar mais e ganhar menos, não aguenta mais se podar para tentar garantir que conseguirá chegar em casa sem sofrer nenhuma violência. A história de todas nós, no segundo melhor show da noite!

E aí você pergunta, leitor, qual foi o melhor show da segunda noite de Vento Festival? Pois bem: não teve para ninguém. Nem o psicodélico e um tanto intragável Negro Leo, que pode ter sido prejudicado por sua dor de garganta ou por sua difícil conexão com o público, nem a poesia multicultural de Ava Rocha, que partilhou bem os frutos de seus dois discos (Diurno e Ava Patrya Yndia Yracema respectivamente), nem a mistura de ritmos de Dani Nega e Craca – dupla que aliás mudou a dinâmica da Oca para chamar o público pra perto, casando o rap e a música eletrônica – conseguiriam segurar o furacão de emoções que foi o show do Metá Metá.

Vento Festival - Craca e Dani Nega
Foto por FLASHIT

Com Juçara Marçal cantando em casa pela primeira vez (a cantora nasceu em São Sebastião) e com sua família à postos na grade para a assistir de pertinho, a emoção tomou conta desde os primeiros acordes. Com o afiadíssimo e indiscutível último trabalho da banda, MM3 rasgando a noite, Juçara, Kiko e Thiago também encontraram espaço para incluir os outros dois discos do repertório no rápido mas intenso concerto. De São Jorge” a “Angolana”, de “Cobra Rasteira” a “Oya”, a banda foi chamando aos poucos os presentes que vinham da Oca, da Rua da Praia e dos bares do entorno para curtir junto o repertório afro-brasileiro, recheado de ritmos e gingados, outro retorno às origens promovido pelo festival.

Vento Festival - Metá Metá
Foto por FLASHIT

No terceiro e último dia do evento com programação cheia, foi a vez do pernambucano Barro abrir o evento. Com seu recém lançado disco Miocárdio, o cantor de Recife, ex-integrante da banda Dessinée, mostrou com alguma timidez as canções de seu trabalho, como a bela “Vai”, a swingada “Ficamos Assim” e “Piso em chão de Estrela”, com a participação especial de Luiza Lian. A veia pop e o sotaque pernambucano foram aproximando o público que chegava ao centro histórico de São Sebastião para entender novamente o que estava acontecendo ali no feriado.

O show seguinte foi da banda Tono, que se apresentou pela primeira vez como trio, após a ausência notável de Ana Cláudia Lomelino, que tem se dedicado mais ao projeto Mãeana. O desafio da banda não ficaria apenas nesse novo formato: o som teve diversas falhas em vários momentos do show, deixando inclusive o guitarrista Bem Gil sem sua guitarra por mais de uma vez, enquanto os colegas Bruno e Rafael se desdobravam entre uma música e outra. Ainda assim, “Intuição” e “À Cada Segundo no Mundo” mostraram a melodia suave que o agora trio exibe, obviamente em qualquer circunstância.

Vento Festival - ANELIS ASSUMPÇÃO
Foto por FLASHIT

Mas aqui, nem os dez anos do disco Artista Igual Pedreiro de Bruno Kayapy e seu Macaco Bong, nem a mistura ideal de ritmos da Abayomy Orquestra – que encerrou a noite de shows em um eterno culto a Fela Kuti –  mas a simplicidade discreta de Anelis Assumpção que roubaram a cena do terceiro dia de Vento. Abrindo com “Cê tá com tempo?”, a cantora de amigos imaginários encantou à primeira vista e calcificou seu terreno na preferência daqueles que já foram ao palco Son Estrella Galícia para vê-la. Seguindo com “Eu Gosto Assim” e “Mau Juízo”, a leveza dos gestos da cantora e seus amigos nada imaginários foram dominando o palco e extravasando para fora dele sua genialidade. Em pequenos e suaves movimentos, a cantora que domina a plateia pelo simples fato de estar em pé sob ele, carrega em si a simplicidade e a precisão de uma world music pronta, que a gente precisa e merece ver alçando vôos cada vez mais altos.

Vento Festival - ABAYOMY
Foto por FLASHIT

No último dia e já sem uma programação de shows extensa, ficou para o Bloco Tarado Ni Você dar vida àquela tarde de domingo, depois de uma longa jornada de emoções. E o time homenagem ao gênio Caetano Veloso não deixou por menos: com os clássicos do músico revisitados e a alegria dos Carnavais fora de época, os músicos animaram a Oca que recebia os últimos convidados de uma festa que não queria acabar, num fim de tarde de amor, respeito e prosa.

VENTO FESTIVAL - BLOCO TARADO NI VOCÊ
Foto por FLASHIT

A Oca

Promovendo diferentes sonoridades, em sua maioria carregadas pela dinâmica da galera do Free Beats e seus DJs animando o público, a Oca se tornou um espaço mais aberto, ao ar livre, em que os fãs de música chegavam timidamente e se soltavam ao som do que a música pedia.

Palco de grandes momentos do evento, como o show de Craca e Dani Nega, o espaço mostrou seu valor também ao abrigar debates importantes como as discussões sobre os caminhos do indie e o poder da cultura, além de ser de fato um espaço inserido no dia a dia dos jovens de São Sebastião. Ponto para a organização do evento ao utilizar um espaço do público para o público!

O convite aceito!

O olhar para dentro vem de muitos lados e oferece muitas descobertas. Mas o que seria desse olhar se não concluíssemos que, depois de entender o que somos e para onde queremos ir, não entendêssemos também que esse olhar afeta o outro, que o atinge e o faz presente? O olhar para dentro não é egocêntrico: é esclarecedor. Quando você descobre o que te move, o externo passa a ser mais entendido, pois todos estamos lutando por esse espaço, que deve ser de respeito e gratidão.

Que o olhar para dentro nos faça entender, participar e vivenciar o que está fora, entendendo, respeitando e fazendo valer o que é do outro, para que o que é de dentro seja mais belo.

Vida longa ao Vento Festival e à sua promoção de olhares e de sensações.

O TMDQA! foi ao evento a convite da organização do festival. 

 

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