Momo - Voá

Momo, que fora dos palcos responde por Marcelo Frota, tem fala minuciosa e discurso sempre bem explicado. Falta marra no sotaque carioca do cantor e compositor, que deixa sempre claras suas intenções por mais trivial que seja o assunto abordado.

Essa poesia direta de tempo próprio é o pilar de Voá, quinto disco da carreira dele. Lançado em fevereiro, Voá é, em muitos sentidos, uma estreia. Ou várias.

É o primeiro trabalho de Momo desde que ele se mudou para Lisboa, Portugal, há cerca de dois anos. É também o primeiro álbum dele a contar com produção que não a dele próprio; no caso de Voá, o manche ficou nas mãos de outro carioca-lisboeta, Marcelo Camelo (Banda do Mar, Los Hermanos), de quem é amigo e parceiro de longa data. Mas mais que isso: Voá é a estreia de Momo por mares mais solares do espectro sonoro, sem perder a intimidade que aprendemos a testemunhar nos discos anteriores.

Há algumas semanas, bati um papo por Skype com ele, conversa que você lê logo após o vídeo de “Pensando Nele”, um dos destaques do álbum:

Faixa Título: Voá é o seu primeiro álbum desde sua mudança pra Lisboa. Antes de tudo, qual foi o motivo da mudança?

Momo: Inicialmente eu vim pra cá pra fazer alguns shows, em maio de 2015. A ideia era ficar uns três meses, de repente gravar algumas coisas, e talvez começar um disco. Eu tinha acabado de voltar pro Rio dos Estados Unidos, depois de um tempo morando em Chicago. Aí encontrei o Marcelo [Camelo] e a Mallu [Magalhães] numa dessas coincidências da vida, numa esquina, assim… Foi na época que a Banda do Mar estava fazendo turnê no Brasil. E com eles também o Fred [Ferreira, baterista português que toca na Banda do Mar], que eu conheci em 2013, quando vim a Lisboa com o Wado e o Cícero pra gravarmos o O Clube [projeto do trio com músicos portugueses]. Mas aí eu consegui mais tempo, mais uns shows pelo país, e me apaixonei por Lisboa. E aí o disco começou a acontecer. Nessa época comecei a escrever algumas coisas pra complementar o que eu já tinha escrito no Rio, antes de vir. E aí começamos a pré-produção, com o Marcelo, e em seguida a gravação do disco. Fui ficando, e pretendo ficar, por agora.

Como essa mudança mexeu com você, pessoalmente?

Acho que qualquer movimento, como uma mudança geográfica, de cidade, é uma transformação. Nós somos frutos dessas mudanças. Eu já morei nos Estados Unidos, na Espanha, e acho que essas mudanças vêm acompanhadas de mudanças na forma de ver as coisas. Lisboa é uma cidade muito tranquila, muito calma, que traz muita inspiração. A cidade é tranquila, tem um outro tempo. A gente não sente aquele clima opressor da cidade grande, das capitais do Brasil. Além da beleza arquitetônica – Lisboa tem uma luz muito bonita. Um amigo fotógrafo me contou que as cores do prédios daqui influenciam na luz, que reflete neles e volta diferente… Aqui é um novo ponto de partida pra mim. Aqui eu saio mais, me lanço mais nesse desafio de fazer música, de ter novos parceiros na música.

E musicalmente?

Acho que esse disco já traz algum tipo de nova direção musical. E muito em função do Marcelo, né? Foi a primeira vez que eu “tirei a mão” de um trabalho, que eu trabalhei com um produtor. Acho que não só estar em Lisboa, mas o fato de trabalhar com ele deu uma nova direção pra esse trabalho.

Você e Marcelo Camelo já se conheciam antes do Voá, mas como rolou o convite pra ele produzir o novo álbum?

A gente sempre esteve muito junto. Quando eu cheguei aqui, eles estavam em turnê com a Banda do Mar, e eu ia com eles. Conheci muito de Portugal assim. A gente começou a conversar nesses encontros e veio essa ideia. Quando a gente viu, a coisa já tava meio encaminhada. Esse disco é fruto da nossa amizade, desses encontros, das conversas. O Marcelo era a pessoa certa para produzir esse disco, a gente desenhou o disco juntos. Nos outros discos, eu começava o processo quando tinha umas 5 ou 6 músicas prontas, e fazia as outras durante a gravação. Esse foi diferente. Eu tinha mais de 20 músicas prontas quando a gente começou a pré-produzir o disco. A gente escutava as músicas, se reunia semanalmente, e depois fomos para o estúdio dele para gravar as coisas de verdade. Mas posso te dizer que pouca coisa mudou no estúdio. Teve espaço para improvisos do Marcelo, mas o trabalho foi feito mesmo anteriormente.

Voá soa mais solar, mais litorâneo que seus discos anteriores, especialmente em comparação ao Cadafalso [o antecessor de Voá, lançado em 2013]. Você concorda com essa percepção?

São discos que estão em opostos extremos. O Cadafalso é um disco minimalista, voz e violão, e o Voá é um disco muito cheio, com muita instrumentação, muitas camadas sonoras. O Cadafalso é um disco mono, nem estéreo ele é. O Voá é mais espacial, com mais profundidade. A sala dele é grande. Continua alguma coisa de melancolia, algumas melodias, sequências harmônicas, mas é um disco mais solar, sim. É fruto dessa mudança de país, que muda a gente internamente. Além dessa contribuição do Marcelo, que trouxe muitos grooves, um balanço que no meus discos anteriores não aparece muito. Eu diria que são discos complementares, que um complementa o outro.

A distância às vezes oferece pra gente um novo olhar sobre as coisas. Morando em Portugal, como você vê o momento que o Brasil atravessa, especialmente nos últimos meses, tão conturbados? E como isso se relaciona com a arte?

Acho que o que tá acontecendo no Brasil tá acontecendo no mundo. As pessoas me perguntam muito aqui sobre essa coisa do Temer, a saída da Dilma. Mas entender o Brasil é muito complexo. Eu tento não separar muito as coisas. É no mundo inteiro, nos Estados Unidos, na França… Tudo isso vem do mesmo lugar. O mundo tá em crise. São anos de muita desigualdade pra todos os lados. É um momento de muita coisa ruim, mas acredito que um processo de mudança, também. Não consigo ser muito pessimista. Acho que vai chegar num lugar em que as coisas vão melhorar.

E tem muita gente saindo do Brasil rumo a Portugal, né?

Pois é, mas onde a gente estiver, o problema é sempre o mesmo. É aquela frase do Joaquim Nabuco que o Caetano cantou: “a escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil…” [em “Noites do Norte”, de 2000]. As coisas não mudaram ainda, o Brasil ainda é um país colonial. O mundo não conseguiu sair desse ciclo de exploração. A crise dos imigrantes é fruto disso, a violência no brasil é fruto disso. É fruto dessa desigualdade. Portugal também tem pobreza, mas aqui a coisa é um pouco mais balanceada. Acredito que a música e a arte têm um papel de fazer um contraponto a essa discriminação dos povos nesse momento. Uns amigos às vezes me perguntam porque eu não falo de política, e eu respondo que falar de amor também é falar de política.

No segundo semestre, Momo deve desembarcar no Brasil para uma turnê por aqui, com datas ainda a serem anunciadas. Ouça Voá no player abaixo:

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