São Paulo, 05 fevereiro de 2017. Um calor abafado aterrava o ar no Jockey Club de São Paulo, casa da primeira edição brasileira – e internacional – do renomado festival holandês Dekmantel. Conhecido pela curadoria de primeira e pelo aspecto relativamente intimista, com lotação máxima muito inferior a de outros festivais do mesmo porte, o Dekmantel estreou com line-up espetacular no Brasil, com nomes que, entre a louvação nostálgica e a vanguarda eletrônica, representam parte generosa do que há de melhor na música contemporânea.

Entre os headliners de um time tão vasto, diverso e qualificado, estava Nicolas Jaar, produtor novaiorquino de ascendência chilena, palestina e francesa. Nome forte no circuito desde o excelente Space Is Only Noise (2011) e da vasta adoração ao Darkside, projeto paralelo dele com o guitarrista Dave Harrington, Jaar voltou em alta ao país. Agora, o foco da adoração em torno dele é o excepcional Sirens, segundo álbum de inéditas dele, lançado no ano passado.

Sirens não é um disco fácil. Fruto da colisão de universos a princípio distantes, como jazz, cumbia, ambient music, gospel e múltiplas facetas da eletrônica, Sirens é princípio, meio e fim em si; um disco que exige foco, feito para ser digerido na íntegra, sem interrupções, na contramão da frivolidade dos nossos tempos. Da quietude à catarse, Jaar distorce samples, canta e toca saxofone sobre camadas e camadas de efeitos, desconstrói sons diversos em batidas das mais surpreendentemente dançantes. A pergunta era: como ele seria capaz de recriar isso ao vivo, a céu aberto, em um ambiente de festival?

Sucedendo os divertidos sets de Moodyman, Fatima Yamaha e John Talabot no Main Stage e rivalizando com as pressão de Helena Hauff no palco UFO e a pancadaria entre Ben UFO & Joy Orbison no palco Selectors, Jaar surgiu pontualmente às 21h na contramão do que vinha sendo apresentado no segundo dia de Dekmantel até ali.

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Envolto por colagens sonoras disfarçadamente sutis, repletas de pequenos retalhos melódicos, Jaar era um vulto na penumbra do Main Stage quando começou a compor agudos angustiantes com frequências contínuas e subliminares. Ciente de ser aguardado pela plateia, ele brincava com a ansiedade dos presentes sem pressa alguma, oferecendo pequenos aperitivos da dinâmica que comandaria a hora e meia do set que encerrava o Dekmantel Brasil.

No lugar da fórmula climinha + crescendo + batidão + repete, Jaar tirava as batidas graves quando o público se preparava para as porradas mais óbvias, diminuía a velocidade depois de nos preparar para uma subida vertiginosa, e se a expectativa era de outro longo momento de calmaria, synths distorcidos penetravam as luzes dos holofotes centralizados no impressionante painel de LEDs coloridos. Se o público esperava o claro, Nicolas oferecia o escuro, em uma experiência tântrica e sinestésica com poucos pares na produção contemporânea.

Baseado não só no repertório de Sirens, mas também nos ótimos EPs Nymphs II e Nymphs III (2015), ainda mais abstratos que Sirens, Jaar demandava atenção do público, muitas vezes disperso pela faceta mais experimental do set. Em contraponto, o produtor oferecia passagens mais acessíveis, dançantes e de fácil digestão, inspiradas na longa e complexa biblioteca de referências do novaiorquino.

Sensível e detalhista, Jaar fechou com maestria a estreia do Dekmantel por aqui. Ponto pra ele, pra quem presenciou a performance, e pro festival, que entre (justas) críticas aos preços altos dos ingressos e preconceito de setores da mídia e da sociedade, tenta se firmar no circuito brasileiro. A organização já prometeu retorno pra 2018, o que tem potencial de preencher o vácuo de grandes festivais de boa música eletrônica no Brasil. agora, resta torcer para que o Dekmantel não repita a intermitência do Sónar por aqui.

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