Com seu pagode irreverente e bem-humorado, o Molejo dominou os corações de uma geração inteira durante os anos 90. Sucessos como “Cilada”, “Dança da Vassoura” “Voltei” deram o tom de carnavais, bailes e churrascos e mostraram ao Brasil um pouco da vida dura, mas digna e feliz, de cidadãos humildes por todo o país.

Mantendo-se ativo ao longo dos anos, o grupo ganhou uma espécie de cult status com fãs de outros gêneros, que cunharam a clássica frase “Molejo é melhor que Beatles”. No fim do ano passado, a semelhança lírica entre os refrães do hit “Cilada” e de “Perfect Illusion”, então novo single da estrela pop Lady Gaga, se tornou viral na internet e até o próprio Molejo entrou na brincadeira.

Fato é que os cariocas têm se mantido relevantes de várias maneiras e, duas décadas depois, seguem excursionando o país e cantando seu pagode malandro para quem quiser ouvir.

No fim do ano passado, o Molejo lançou seu décimo primeiro disco de estúdio, Molejo Club – que, em alguns momentos, se aventura no arrocha e até no samba-rock. Aproveitamos a ocasião e conversamos com o divertidíssimo vocalista Anderson Leonardo sobre o novo disco, o lugar do pagode na cultura pop, a trajetória da banda e muito mais.

Leia abaixo!

TMDQA!: O Molejo Club é o primeiro álbum de vocês em seis anos. Por que deram essa pausa e o que os inspirou a gravar esse disco?
Anderson: Quando você tem um acervo grande, acaba sendo difícil lançar um disco só de inéditas. O mercado é muito competitivo. A nova geração está fazendo direitinho, tocando em assuntos atuais. Então você precisa se atualizar, acompanhar o que tá rolando. E nos nossos shows sempre rola muito aquilo de “toca essa!” e “toca aquela!”, pessoal pedindo as antigas. Então fica difícil encontrar a hora de lançar algo novo. Não é porque a gente não queria, não! Também teve a adaptação, a transição do CD pro digital, então fomos recolhendo material, ouvindo, e hoje temos experiência e um estúdio próprio, o nosso ‘parque de diversão’, para lançar esse álbum.

TMDQA!: A primeira faixa do álbum, “Tudim”, aparentemente conta a morte de um homem e tem um ritmo bem cadenciado. A partir da segunda música o tom muda bastante, falando de romance, festa e curtição. Por que decidiram abrir com uma música mais calma, enquanto todas as outras são bem animadas?
Anderson: Na verdade a letra parece ser triste, mas é de duplo sentido! A letra diz “Tudim morreu / Vou enterrar Tudim / Eu sei que vai doer / Mas é só se acostumar” (risos). É um duplo sentido mais leve. A nossa ideia pro Molejo Club é divertir do início ao fim. O Brasil precisa de alto astral, porque tem muita coisa triste acontecendo ao mesmo tempo. Hoje em dia até pra falar de amor você precisa de bom humor. Sabe, “Não sei se dou na cara dela ou bato em você” [fazendo menção à música “50 Reais”, de Naiara Azevedo com Maiara e Maraisa] e essa coisa toda. Então se você tirar a tal da hipocrisia, porque tem gente que vai vir com “ah, mas essa música tá falando de violência” e não tem nada a ver, tudo isso é alegria. E se você procurar no dicionário a palavra ‘alegria’, a definição tá lá: Molejo!

TMDQA!: Uma das músicas do disco, “Hipnotiza”, começa com uma espécie de baião, um samba-rock. Tem também a versão arrocha de “Desculpe por Tudo”, que fecha o álbum. Além disso, vocês mencionam assuntos atuais como o Instagram. Dá pra dizer que o Molejo Club é um álbum atual, que conversa com os jovens de hoje da mesma forma que vocês conversaram com os jovens de dez, vinte anos atrás?
Anderson: Com certeza. A gente tem que estar se atualizando. Quando o Molejo começou eu era um garoto de 19 anos, e agora continuo um garoto de 44 anos. Até nos dentes eu mudei! A gente vai acompanhando toda essa galera. A música que fala do Instagram e do Twitter é a “Papai Chegou”, que é uma gíria que o Catra carimbou. Essa história de ostentação, mulherada louca e tal é uma coisa da garotada e a gente vai na onda.

TMDQA!: Hoje em dia o funk e o rap tomaram o lugar que o pagode ocupava na cultura pop, quando era um gênero outrora marginalizado que representava a população sem voz, a parcela mais desfavorecida da sociedade. No entanto, estes dois gêneros não falam das mesmas coisas e com o mesmo bom humor que vocês falavam – a maioria dos funks, principalmente, trazem mais anedotas sexuais explícitas do que outra coisa. Acha que está faltando novos grupos de pagode que reconquistem esse espaço no mainstream e representem o povo humilde da forma que vocês representavam nos anos 90?
Anderson: Essa é uma pergunta que gosto de responder. Pensa assim: você vem retratando desigualdade social, estuda, fala isso, fala aquilo na sua música. Aí vem alguém e faz uma coisa mais acessível e estoura. Aí o cara que é teu empresário fala “pô, essa tua parada aí não vende”. O Cartola fez uma música falando pra filha dele tomar cuidado ao sair de casa sozinha e essa música se tornou imortal com o passar do tempo. A verdade é que, atualmente, quem tem uma mensagem bonita como essa acaba ficando pra trás e só vai ser reconhecido bem depois. O sucesso fica com o pessoal que faz uma coisa mais fácil, mais acessível.

TMDQA!: Vocês estão há mais de vinte anos na estrada e, ao longo desse tempo, viveram tanto a época em que todo mundo comprava CD quanto a atual, onde ninguém mais compra. Diante dessa transformação da indústria, do avanço da pirataria e dos serviços de streaming como alternativa, está mais difícil ser uma banda atualmente em relação aos anos 90? 
Anderson: Acho que hoje, de uma certa maneira, o seu trabalho tem que ser tipo um fast-food ou uma pizza em forno elétrico: precisa ser mais instantâneo. A gente tenta fazer o meio-termo, ir se adaptando devagar sem mudar tudo, mas é difícil.

TMDQA!: Como você acha que o Molejo evoluiu ao longo da carreira? Quais aprendizados lhes foram mais importantes?
Anderson: Hoje eu sinto que a gente tem que ter mais paciência e que as coisas não acontecem de uma hora para a outra. Quando somos jovens, é tudo muito intenso. Não tínhamos paciência pra muita coisa e hoje vejo que, no bom sentido da palavra, eu era um babaca e hoje sou um homem de verdade. Vejo que hoje a gente aprende cada vez mais coisas. Levamos na boa as brincadeiras que fazem com a gente, no bom humor, porque de repente o cara tem boas intenções. A gente começa a aceitar opiniões, críticas ao nosso trabalho. É importante ouvir esse lado também. Nesse disco, por exemplo, a gente pediu opinião da nossa secretária, dos meus filhos, da galera que é fã e da galera que não curte tanta coisa nossa.

TMDQA!: Você tem mais discos que amigos?
Anderson: Rapaz, eu sou fanático por disco. Minha patroa sumiu com um monte de vinil meu, falou “Cê é muito velho, fica ouvindo vinil!”. É igual a nova geração, que só quer saber de whiskey e energético. Eu curto mais a minha cervejinha tradicional.

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