Sou um grande fã do AC/DC. Um grão de areia no deserto, é verdade. Mas um fã decepcionado por nunca ter visto a banda ao vivo. Não pude aproveitar as oportunidades que tive no passado; na última, precisei escolher entre pagar o combo ingresso + viagem para São Paulo ou um curso que seria essencial para o meu TCC. Escolhi o curso, que foi cancelado dias antes, e fiquei sem os dois. Tudo bem, imaginei que teria outras oportunidades, e nos últimos meses, com o crescimento dos boatos de que os australianos voltariam ao Brasil, cheguei a me animar novamente. Mas hoje eu sinceramente espero que a banda encerre as atividades o quanto antes.

Highway To Hell (1979) é um dos grandes álbuns da história da música, e certamente um dos que mais ouvi na vida. Nem tanto pela faixa-título (badum-tsss), mas por furiosas canções menos aplaudidas como a levada sedutora de “Touch Too Much”, o hino “If You Want Blood (You’ve Got It)” e a excepcional “Beating Around the Bush”, um exemplo perfeito da conexão entre Angus Young e Bon Scott, com riffs enfurecidos sobre a levada four-on-the-floor de Phil Rudd. Um disco ímpar, sustentado por uma discografia igualmente impactante até ali. Bon Scott morreu naquele mesmo ano, e meses depois surgiu um novo AC/DC com Brian Johnson nos vocais, a garganta do histórico Back In Black (1980), um dos maiores sucessos da indústria fonográfica.

Não sou purista nesse sentido, e acredito sim em bandas que seguem sem integrantes-chave na formação. No que hoje chamamos de rock clássico, sem entrar em discussões voláteis sobre subgêneros, o Black Sabbath sem Ozzy Osbourne não é o Black Sabbath com Ozzy, mas por algum tempo foi Black Sabbath com Dio, e foi maravilhoso. Nunca gostei do Van Halen sem David Lee Roth, mas Sammy Hagar salvou o grupo do colapso, sem sobra de dúvidas. Em casos de morte, como foi no AC/DC, essa situação fica ainda mais grave – não é sobre brigas de ego ou questões judiciais, era simplesmente impossível ter Bon Scott no palco novamente, e eu entendo a banda ter seguido sem ele. Johnson entrou com categoria, e desenvolveu uma nova linguagem que respeitava o passado e pavimentou um novo futuro para o AC/DC. Infelizmente, não é o que vemos hoje.

O quinteto começou a desmoronar em 2014, quando o guitarrista Malcolm Young, irmão mais velho de Angus, foi diagnosticado com demência e aposentado permanentemente dos palcos. Menos reconhecido que o irmão, Malcolm foi uma figura primordial na construção do som do AC/DC, ajudando a compor linhas de guitarra reconhecíveis até por leigos completos. Sem ele, a banda – conhecida justamente por inovar tão pouco entre álbuns – passava a ter um leque ainda menor de expressão criativa, caso decidisse seguir em frente. E seguiram, com Stevie Young, sobrinho de Malcolm e Angus, no lugar do guitarrista original.

Meses depois, outro baque. O baterista Phil Rudd foi preso por tentativa de assassinato e posse de drogas, entre outros problemas pré-existentes com a lei. A exemplo de Malcolm, Rudd teve um papel subestimado no desenvolvimento sonoro do AC/DC, com levadas simplórias mas eficientes, exemplos vívidos do “menos é mais”. A diferença era que o quinteto já havia sobrevivido sem ele antes, quando Rudd saiu do AC/DC em 1983, para voltar somente em 1994. Era um quebra-mola alto, mas não uma vala impossível de se atravessar. Chris Slade, baterista do grupo entre 1989 e a volta de Rudd, retornou à bateria, e a locomotiva do AC/DC seguiu adiante outra vez.

Atualmente, no entanto, vemos o AC/DC atravessar um novo trauma: a surdez iminente de Brian Johnson, proibido pelos médicos de continuar a cantar com o grupo, com o risco de nunca mais ouvir nada. Após anunciar o adiamento de dez datas da turnê de Rock or Bust (2014), último álbum do grupo, a banda seguiu calada, supostamente em busca de um novo vocalista para ocupar a vaga de Johnson nos dez shows reagendados, ou além disso. De lá pra cá, os boatos explodiram, indo de supostas declarações de Johnson de que não era bem assim a um suposto convite feito a Axl Rose para substituí-lo.

O AC/DC é o show de Angus Young, todos nós sabemos. Não precisamos ser gênios para deduzir. Mas se hoje, em 2016, eu tivesse que pagar o que não paguei em 2009 para ver o AC/DC sem Malcolm, sem Phil, sem Brian e com Axl Rose ou qualquer outro, não sei se pagaria. Há muitos fatores obscuros nessa equação toda, e a intenção de Angus pode ser boa, talvez para evitar o desemprego repentino da enorme equipe técnica do grupo, para responder ao clamor incessante dos fãs, para simplesmente se divertir com algums horas extras de rock n’ roll nos maiores estádios do planeta. Quem somos nós para falar que não, não é mesmo?

Bandas acabam e se reúnem todos os dias, praticamente. Só nos últimos anos recebi com muita alegria a volta de bandas como Refused, At the Drive-In (que vive um momento parecido, mas isso fica para outro post), Death From Above 1979 e Braid, entre várias outras. Se as pessoas responsáveis por criar e tocar aquelas músicas estão afim de fazê-los novamente, quem sou eu para proibi-los? Paga ingresso quem quer, compra disco novo quem quiser. Não paguei para ver a inifintésima reunião pós-término do Los Hermanos no ano passado, mas ganhei um ingresso, assisti a um ótimo show e entendo os fãs que pagaram para estar lá, muitos pela primeira vez diante dos ídolos. Dito isso, entendo as possíveis razões de Angus para seguir em frente. Mas nem por isso elas deixam de me entristecer.

Eu nunca vi e nem verei as formações clássicas de Led Zeppelin, The SmithsSmashing Pumpkins juntas, e tudo bem. A importância deles para mim não diminuiu por isso. E se um dia o meu sonho de ver o AC/DC nos palcos se realizar, tenho certeza que vou me divertir muito, mas ainda assim, verei o pastiche do pastiche de uma das bandas mais icônicas da história. Verei o AC/DC de Slade, retão demais e sem o microgroove de Phil. O AC/DC sem Malcolm, o par perfeito de Angus. E sem Brian, que nunca foi Bon Scott, mas preencheu um vazio impossível e transformou uma grande banda em lenda. Estaremos vendo a expressão solo de Angus acompanhado apenas pelo baixista de longa data Cliff Williams, talvez no AC/DC liderado por Axl Rose, que mal consegue suportar grandes turnês com o Guns n’ Roses, mas entende bem do troço – afinal liderou o grupo sem os companheiros originais, por mais de duas décadas, e agora junta-se a Slash e Duff McKagan em um reencontro caça-níqueis.

A reunião de parte da formação original do Guns n’ Roses em 2016, justo enquanto Axl é cogitado como substituto de Johnson, é a materialização do oposto de tudo o que o rock me ensinou. É o contrário do estilo de vida ousado, das ideias libertárias que inflamam corações adolescentes até hoje. É a consolidação do rock marqueteiro, do rock de slogans no lugar de ideias, dos cifrões no lugar das notas musicais. Por isso, como fã, eu prefiro ver o AC/DC eterno entre meus discos e minhas playlists a vê-lo decrépito dia após dia, em manchetes sensacionalistas de tablóides e birras egocêntricas de roqueiros milionários. Depois de tanto fazer por nós, que o AC/DC enfim descanse em paz.

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