O universo pop precisa de Taylor Swift. Apesar de estar bem servido de vozes femininas para canções de grande apelo juvenil, o pop exige renovação constante de seus provedores, e Taylor atendeu perfeitamente às insaciáveis demandas do mercado fonográfico, esse voraz devorador de cifrões, ao migrar definitivamente do country para o pop com 1989, quinto álbum da cantora, lançado em outubro do ano passado.

Não falou-se de outra coisa: de repente Taylor era cool, era viral, e chegou a dominar o debate sobre o futuro do streaming ao exigir a retirada de suas canções do Spotify e cobrar a remuneração sobre os direitos autorais que a Apple Music recusava-se a pagar no início de suas operações. Apenas uma peça bem orientada pelo mercado que a rege, claro, mas não importa. Taylor se posiciona sempre do lado certo, tem o visual idealizado pela indústria, atrai o público que a publicidade quer conquistar, enfim; é a celebridade ideal do momento, e capitalizou em cima disso com uma habilidade singular.

Quando Ryan Adams abandonou o passado country no Whiskeytown para seguir carreira solo, a recepção também foi calorosa, apesar de economicamente distante do sucesso de Taylor. Heartbreaker (2000) foi um hit dentro do universo alternativo, e “New York, New York”, de Gold (2002), tornou-se um hino informal à Nova Iorque destroçada pós-11 de Setembro. Ryan também era cool, também era a novidade sobre a qual todos queriam falar, mas, viciado em uma rebeldia delinquente, emoldurada pelo cabelo perfeitamente desalinhado, foi abandonado lentamente pelo mesmo mercado que o abraçou pouco antes.

Após brigas constantes com a Lost Highway Records, que quase resultaram no irônico Rock N Roll (2003) e no quase boicote ao subestimado Love Is Hell (2004), Adams passou a década seguinte produzindo nove álbuns de inéditas e incontáveis singles, mas falou-se mais sobre o relacionamento dele com a atriz Mandy Moore nesse período do que de seu trabalho musical. Nesse percurso de amor e ódio com a mídia, Adams voltou à forma com Ryan Adams (2014), disco repleto de canções que emulam à perfeição o auge de Bruce Springsteen, Johnny Marr e – por que não? – Bryan Adams, três baluartes do pop e do rock oitentista.

No meio disso tudo, houve espaço para elogios mútuos entre Ryan e Taylor ao longo dos anos. Taylor já postou fotos dela com discos de Ryan no passado, e ele declarou que Swift é “uma das compositoras mais incríveis que ele conheceu”. Portanto, com os pontos devidamente ligados, não é de se estranhar que Ryan tenha lançado, em setembro último, a sua própria versão de 1989. Sempre tão próximo e tão distante do universo pop, Adams não esperou ser convidado de volta a ele – resolveu abrir a própria entrada com versões das 13 músicas do álbum como se lançadas não em 2014, mas no ano que lhe batizou.

O 1989 de Swift é uma epopeia do pop contemporâneo. É grandioso, dançante, efusivo, romântico e, claro, obra de um roteiro completamente previsível. De “Welcome to New York” – o hino que marca a transformação da menina que sonhava com o sucesso country em Nashville na jovem adulta que persegue o pop na Big Apple – ao melodrama de “Clean”, o 1989 original é um banquete de clichês repetidos à exaustão sobre bases instrumentais produzidas sob medida para reprodução nas mídias digitais. E essa era o maior desafio de Adams: domar um repertório de méritos popularescos, mas com pouco a oferecer além disso.

Como produtor e (re)arranjador do álbum, Ryan fez milagre. A enfadonha “Out of the Woods”, por exemplo, foi mutilada e recosturada em uma balada semi-acústica generosa em linhas emocionantes de guitarra e arranjos passionais de cordas. Os versos soturnos deram dinâmica a “I Know Places”, e o country alternativo de “Clean” agradará até o fã mais exigente do início da carreira de Adams. Já a falta de tempero de “Style” foi compensada com um arranjo vigoroso e sujo, que dá tons ácidos ao ingênuo refrão original, enquanto as guitarras em “Bad Blood” a fazem soar quase madura. “Wildest Dreams” virou um outtake perfeito de Ryan Adams (o álbum) e, se rebatizada “Welcome to New Jersey”, a versão roqueira de “Welcome to New York” poderia ser creditada a Springsteen com discordância de poucos.

Mas nem só de êxitos se constrói a reinterpretação. Infelizmente, em “Blank Space” e “Shake It Off”, dois dos maiores hits do disco, Adams foi conservador, e se preservou em arranjos simples que pouco acrescentam às originais. “This Love”, única faixa do álbum composta por Swift sem a ajuda de produtores, virou uma balada careta de piano, e “I Wish You Would” deixou de lembrar grandes sucessos da new wave para ganhar andamento arrastado e maçante.

Ryan Adams não se leva a sério, e a versão dele para 1989 não deve ser julgada a ferro e fogo. É uma adição bem-humorada a um catálogo que inclui um disco de heavy metal (Orion, de 2010), um EP com 11 canções punk em menos de 15 minutos (1984, de 2014), e covers de Oasis, Madonna e Alice In Chains. Na pior das hipóteses, ao menos adapta composições mastigadas a quem não suporta os arranjos originais ou a figura de Swift. Na melhor delas, dá arranjos atemporais a canções que, como o pop exige, soarão datadas em pouco tempo. Revolucionário? Não. Essencial? De forma alguma. Louvável, despretensioso e com grandes chances de grudar na sua cabeça até você enjoar? Com certeza absoluta.

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