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Resenha: Slipknot – .5: The Gray Chapter

Nunca um álbum do Slipknot foi ou será tão aguardado quanto o novíssimo .5: The Gray Chapter. Tamanha expectativa não se deve à relevância artística do grupo, questionável mesmo entre os círculos do metal desde o lançamento do disperso Vol. 3: The Subliminal Verses (2004) e enterrada após o fraco All Hope Is Gone (2008). Depois de capitanear uma nova geração do metal norte-americano com Slipknot (1999) e Iowa (2001), a banda pareceu desnorteada pela própria vontade de evoluir musicalmente, traduzida em canções virtuosas demais, baladas ao violão e vocais limpos em refrãos quase pop. A ansiedade por .5: The Gray Chapter se dá por ser o primeiro trabalho do ex-noneto sem o baixista Paul Gray, morto em 2010 por uma overdose, e o baterista Joey Jordison, demitido no fim de 2013 em uma situação mal explicada que sugere o abuso de drogas por parte de Joey.

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As duas perdas foram extremamente significativas para o Slipknot. Gray e Jordison, juntos, representavam muito mais que a cozinha da banda; a dupla, ao lado do vocalista Corey Taylor, ditava os rumos musicais do grupo, e compôs a maioria das canções dos quatro primeiros álbuns. Abalado pela morte repentina de Gray, até então o fiel da balança entre Jordison e Taylor, o grupo passou a exibir rachaduras profundas.

Enquanto o vocalista se recusava a dar continuidade ao Slipknot devido ao luto, Jordison insistia em demonstrar publicamente a vontade de voltar a escrever com a banda. Ignorado, reaproveitou as ideias no Scar the Martyr, o mais recente entre os inúmeros projetos musicais dos quais participou ao longo dos anos. A dedicação de Joey à nova empreitada parece não ter repercutido bem com Corey, que além de dispensar o baterista, demitiu o guitarrista Jim Root do Stone Sour, projeto paralelo ao Slipknot integrado pelos dois. Com Root restrito ao Slipknot, Gray morto e Jordison demitido, o Slipknot tinha um novo e incontestável líder: Corey Taylor, com Shawn Crahan – o palhaço – como braço direito e dois substitutos misteriosos no lugar do baixista e do baterista ausentes.

A intenção aqui não é vilanizar o cantor. Situações similares ocorreram em muitas outras bandas, de todos os estilos musicais, em todas as épocas. Se power trios muitas vezes não conseguem se entender, é fácil imaginar o inferno das relações entre nove quarentões – ou quase isso – de uma banda conhecida por adotar personalidades alternativas à realidade através de um tolo teatro de máscaras inspiradas na semiótica dos filmes de horror. Entre suposições e fofocas, um fato nos interessa aqui: pela primeira vez na história da banda Corey Taylor é oficialmente o líder incontestável do Slipknot, e essa talvez seja a mudança mais importante para a banda em .5: The Gray Chapter.

Desenvolvido como um tributo a Gray, Gray Chapter é ao mesmo tempo a marca de um renascimento do grupo e uma tentativa de reafirmação da identidade do Slipknot da origem até aqui. Muitos elementos são diferentes, até porque era previsível ser assim sem Gray e Jordison, mas muitos são iguais. O disco é inaugurado como manda a tradição: com uma dramática faixa de introdução, “XIX”, que determina o clima emocional do álbum e dá espaço para uma sequência de faixas extremamente pesadas – no caso, “Sarcastrophe” e “AOV”, excelentes exemplos da dualidade entre a renovação e a reinvenção do Slipknot.

“Sarcastrophe” chama a atenção pela melodia ritmada da voz de Corey nos versos e pelo refrão pesado com levada cadenciada à la Pantera que remete ao primeiro álbum do grupo, ainda no tempo em que a banda era erroneamente jogada no balaio no new metal. “AOV”, por sua vez, prova que o agora septeto ainda está disposto a ousar, e apesar do refrão meia-bomba, capricha em levadas extremamente rápidas, riffs inteligentes e um interlúdio lento estrategicamente posicionado, de forma a descansar os ouvidos da pancadaria sem deixar a faixa desinteressante.

As duas faixas também chamam atenção para um outro fator: o excelente nível técnico do novo baterista do grupo, cuja identidade dificilmente será revelada oficialmente no futuro próximo. O maior suspeito é Jay Weinberg, ex-Against Me! e Madball – e filho de Max Weinberg, baterista da E Street Band de Bruce Springsteen. Se os maneirismos no clipe de “The Devil in I” (acima) não são evidências suficientes para confirmar a entrada de Weinberg na banda, as levadas rápidas com óbvias influências de grindcore e crossover revelam um baterista oriundo de uma escola mais próxima ao hardcore do que o estilo de Joey Jordison, adepto menos frequente das blastbeats. Os timbres são os mesmos de Jordison: tambores secos, com muito impacto e pouca profundidade, mas há algumas diferenças de estilo que apontam mais uma vez para Jay. É esperar para ver.

Em seguida surge a supracitada“The Devil in I”, que não funciona tão bem sozinha quanto no impressionante clipe lançado há algumas semanas. O refrão é de fácil assimilação e há todos os ingredientes de um sucesso do Slipknot, mas não fosse o instrumental complexo, poderia facilmente entrar em um disco do Stone Sour. Essa afirmação, inclusive, poderia descrever vários outras músicas de .5: The Gray Chapter, que daí em diante passa a oscilar perigosamente entre momentos ótimos e decepcionantes. De forma geral, o argumento também serve para “Killpop”, facilmente uma das canções menos interessantes da história do Slipknot, uma espécie de balada com letra de dor-de-cotovelo. Os versos, se literais, são simplesmente bobos, e caso escondam algum significado misterioso, não despertam a mínima curiosidade. Por sua vez, “Skeptic” é outro ponto alto, logo ofuscado pela genérica “Lech”, que encerra a primeira metade do álbum.

A dobradinha “Goodbye” e “Nomadic” abre a segunda parte com um túnel do tempo direto para Iowa. Enquanto “Goodbye” ecoa “Gently” sem mesma força, “Nomadic” lembra uma versão polida de “Disasterpiece”, com vantagem para as originais nos dois casos. Com um refrão maçante e meloso, “The One That Kills The Least” é outra faixa que decepciona vindo da banda que um dia lançou canções bem aceitas comercialmente como “Before I Forget”, “Vermillion” e “Left Behind”, mas dá lugar à ótima “Custer”, provavelmente a faixa mais pesada de todo o álbum.

A trinca final começa com “Be Prepared For Hell”, outra espécie de interlúdio atmosférico que serve como introdução para a razoável “The Negative One”, que apesar de energética parece mais um retalho de composições antigas do Slipknot. Para fechar o álbum, a escolhida foi “If Rain Is What You Want”, talvez a melhor entre as mais lentas do disco, mas não o suficiente para deixar ouvintes boquiabertos.

É natural que o Slipknot, agora totalmente comandado pelo mesmo frontman do Stone Sour, se aproxime da sonoridade do projeto paralelo de Corey Taylor. Além disso, é louvável que a banda tenha conseguindo se manter de pé entre tantos revezes, e se o objetivo for garantir a sobrevivência do grupo, .5: The Gray Chapter cumpre a missão. O problema é mesmo a repetição e a obviedade, talvez aumentadas pela falta da criatividade de Paul Gray e Joey Jordison nos arranjos e composições do grupo. Em vários trechos, inclusive nos bons, a banda soa pesada apenas para ser pesada, sem conteúdo para justificar tudo isso. E em 2014, ano em que o Behemoth lançou The Satanist e em que o At the Gates volta a lançar material novo depois de 19 anos, toda a revolta do Slipknot soa muito mais como um teatro encenado. É uma evolução se comparado a All Hope Is Gone ou qualquer lançamento do Stone Sour, mas ainda assim fica muito abaixo dos primeiros trabalhos do grupo, e Paul Gray certamente merecia mais em seu requiém.

Nota: 6,5/10

Published by
Guilherme Guedes