Jorge Drexler no Vivo Rio 1

Texto por: Daniel Corrêa e Nathália Pandeló

Fotos por: Nathália Pandeló

As cortinas do teatro abertas revelam um palco escuro, de onde o som de sintetizadores e um teremim soam altos e misteriosos com as bolas iluminadas que parecem flutuar no palco. O clima da ansiedade do público com os 40 minutos de atraso para o ínicio parecia desaparecer no ar como a chuva que começava a sumir lá fora.

É quando surge Drexler, já tocando, ainda no escuro criando o clima para “Hermana Duda”, primeira música do show: “Não tenho a quem rezar pedindo luz / ando tateando o espaço às cegas / não me entendam mal, não estou me queixando / sou jardineiro do meus dilemas”.

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Quase cinquentão, Jorge Drexler traz no seu violão e na sua voz um repertório rico composto por pequenas obras-primas que ele vem acumulando nos últimos 15 anos de sua carreira fonográfica, pautada em temas fora do comum – indo da biologia até a ciência do universo, citando leis da química e Einstein – com uma roupagem pop e sincera, transformando o show em um livro aberto dos sentimentos dele enquanto músico e enquanto público.

O show do último dia 17, no Vivo Rio, fechou uma perna realmente curta da tour “Mundo Abisal”, que traz um formato diferente de show do o que ele vinha fazendo. Com dois músicos de apoio usando instrumentos eletrônicos, o espaço de experimentação do espetáculo se tornou ainda maior do que o que já havia sido visto no registro ao vivo “Cara B”. A desconstrução das músicas era tão grande que elas eram uma surpresa até para os fãs mais ávidos do cantor.

Drexler ganhou notoriedade mundial com uma polêmica. Ele teria sido impedido de cantar sua canção “Al Otro Lado Del Rio” no Oscar. A canção, uma milonga com toques argentinos que é um dos pontos mais altos do filme “Diários de Motocicleta”, ganhou uma versão meio flamenca/meio-sei-lá-o-que-foi-isso cantada por Antonio Banderas e Santana. Mas ao receber a estatueta, ele não exitou em deixar o discurso de lado e cantar a capella, em alto e bom som, os versos da canção.

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Esse foi o primeiro dos muitos pedidos que o público tomou a liberdade de fazer naquela noite. O clima intimista e até amigável do show quase convida que a plateia manifeste ali a sua setlist dos sonhos, quatro anos após a última passagem do cantor pelo Rio. O sentimento é reforçado pela figura simpatissíssima de Drexler, que após algumas canções, na primeira saída da banda, caminha para um banco com seu violão, olha a casa quase cheia e puxa conversa – fala da vida, de viagens e de biologia, dando um novo significado a canções como “Noctiluca”. A “tradução” é bem recebida, mas não seria necessária. Desde os primeiros versos, Drexler ganhou um coro que recita, tão baixinho quanto demanda a calmaria daquele ambiente, e se emociona com os seus poemas cantados.

O clima gostoso, que é quase palpável no show, vem do fato de o artista ser público também. Após cantar sua música “Zamba del Ouvido”, ele explica o que é o Zamba e acaba tocando, de brincadeira, “Desde que o samba é samba”, só para exemplificar a diferença com o ritmo brasileiro. Pouco depois de emocionar a platéia com sua linda versão de “High and Dry”, do Radiohead, enquanto espera novos pedidos, ele improvisa uma versão de “Dear Prudence”, dos Beatles.

A sensação é de ver um amigo no palco, daqueles que você conhece faz tempo, que bebeu cerveja junto e com quem já conversou sobre a vida. As canções – mesmo as escolhidas ao acaso pelo público – criam um panorama muito interessante da solidez da obra de Drexler. Suas músicas falam da impotência do homem diante do desconhecido, seja ele a imensidão do universo ou a complexidade do amor e outras relações humanas.

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Relações complexas como a retratada na canção-experimento “Habitación 316”, composta para um aplicativo para smartphones e tablets, com versos combinatórios que oferecem “n” possibilidades e permitem que o ouvinte crie a sua própria versão da música. Ele fez isso ao vivo, chamando voluntários do público para brincarem com a canção enquanto ele a interpretava ao vivo.

O prazer por experimentar estava tanto no repertório quanto na arte do show. O palco, que tinha uma das iluminações mais espetaculares que vimos em muito tempo, ganhava ambientes diversos – desde uma noite estrelada até o mundo abissal que dá título ao show, passando pelo fundo do mar com um azul que coloriu o público e recriou o clima do álbum “12 segundos de oscuridad”.

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Essa escuridão pontua as letras do disco, mas ganhou uma bela interpretação na forma de luz – ou ausência dela. Explorando tons quentes, formas e sombras, Drexler deixa claro que não quer saber de holofotes. Em momentos completamente às escuras, o foco se volta para o público, que escolhe repertório, canta e se encanta.

Já no fim do show, ele anuncia que queria cantar uma música do modo que a maioria de nós fomos apresentados a ela. É quando surge “Al Otro Lado del Rio”, a capella, não como um protesto, mas como um mantra. Assim como na canção que vem logo a seguir, “Sea”: “Estou no meio dessa estrada / tantas encruzilhadas ficaram para trás / Minha moeda está girando no ar / e o que tiver que ser, será”.

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Jorge Drexler guardou pra o bis a lindissima “Salvapantallas” e o hit “Todo se transforma”, além de uma bela versão em cumbia de “Deseo”, misturada com a versão de “Fora da ordem”, que ele fez para o disco “A tribute to Caetano Veloso”. Era como se ele quisesse conquistar o público, que de pé já aplaudia.

O show de Drexler é um sorriso, é um abraço da pessoa amada, é um copo de um bom vinho, é acordar ao lado do seu amor num domingo de sol, é nadar numa praia deserta, é um convite a sonhar. É imperdível.

Se ele passar pela sua cidade, vá. Assim como iremos da próxima vez. Não perca a chance de ver um gênio, desses que emergem do público para o palco, que estimulam a gente a criar.

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