Rincon Sapiência investe na musicalidade pop africana em novo disco
Foto: Andreh Santos / Divulgação

Uma das formas de arte mais antigas do mundo, a dança diz respeito a movimentos gerados e potencializados através da música. É uma expressão de sentimentos usada ao longo da história para as mais diversas finalidades. Dependendo da cultura, essa arte pode ser usada até mesmo em velórios.

Ela traduz a inquietude do corpo humano e explora suas diversas potencialidades. É ao mesmo tempo uma missão de reconhecimento corporal e uma celebração à vida. E é dançando que Rincon Sapiência explora os limites da sua já expressiva sonoridade. Em Mundo Manicongo: Dramas, Danças e Afroreps, o cantor desenvolve ainda mais sua singularidade musical, que ganhou projeção no Brasil com a repercussão de Galanga Livre, seu último disco.

Desta vez, Rincon abre ainda mais seu leque de inspirações. Foge dos limites brasileiros e conversa de forma mais clara com movimentos musicais africanos, especialmente com o pop local. Essa estética mais desenvolvida, aliada aos reflexivos temas presentes nas letras que contemplam a libertação de amarras sociais por meio da dança, é uma porta para que entremos em seu Mundo Manicongo.

Por meio do disco, Rincon nos dá a chave para que consigamos entrar em seu próprio “infinito particular” (parafraseando Marisa Monte).

 

“Meter dança”: uma proposta de libertação

A dançante sonoridade que dialoga com elementos do pagodão, do funk e do R&B, mostra um artista mais confortável com sua obra e que não tem medo de arriscar. No mais, as participações de nomes como Mano Brown, Lellê, ÀTTOOXXÁ e Rael ainda reforçam a mensagem plural do disco.

Tivemos a oportunidade de conversar com Rincon sobre o novo disco e sobre detalhes de seu mundo. Tudo isso durante o intervalo de seu ensaio. Esta sexta (31), ele apresenta o novo show no Circo Voador, consagrada casa de shows do Rio de Janeiro. Os ingressos podem ser adquiridos aqui.

Confira abaixo o papo:

Rincon Sapiência - Mundo Manicongo

TMDQA!: O novo disco é mais pessoal do que o Galanga Livre. Nele, você nos apresenta de forma mais clara à sua visão de mundo. Como foi fazer essa apresentação por meio da música?

Rincon Sapiência: Foi colocar o meu momento. Era uma vontade muito grande minha de fazer um álbum mesmo, não apenas de compor e de fazer coisas. Eu tive essa vontade e existia um leque de coisas das quais eu poderia falar, de tipos de som que eu poderia produzir… Tudo isso fez com que eu entendesse que era como se eu estivesse expondo o meu próprio mundo: um mundo sobre o que eu vivo, sobre a experiências do meu bairro, o que eu ouço, o que eu visto e da fé que a gente cultua. Foi uma abertura para o meu mundo em todos os sentidos, tanto no texto quanto na qualidade.

TMDQA!: É um disco muito dançante. Se pararmos para pensar, ele foge um pouco da estética da grande maioria dos discos de rap. Além de trazer referências ao pagodão, ao funk e a outros ritmos, as letras são reflexivas em muitos aspectos. Essa coisa do “pense e dance” tem sido bastante vista recentemente, e nos mais diversos gêneros musicais. Como é, para você, conciliar a reflexão social com a proposta de “meter dança”?

Rincon: Eu acho que a ideia do “meter dança”, corporalmente falando, é uma liberdade total no sentido de nos livrarmos de uma rotina que nos cadencia para tensões. Contas para pagar, rotina apertada, trabalho… A ideia de fazer as pessoas dançarem tem a ver com fazer as pessoas exporem essa energia, sem falar que faz bem para a saúde. Também penso e gosto do entretenimento dentro da música. Acho que ela tem esse resultado de fazer as pessoas se divertirem. Se você vai viajar e precisa de algo para se distrair ou para passar o tempo, você coloca música.

Mesmo que eu tenha algo que seja mais sério e contundente para falar, eu entendo que eu não preciso abrir mão de fazer uma música para entreter as pessoas, considerando que o entretenimento é algo importante dentro de todas essas tensões que a gente vive. E isso surgiu de forma bem natural da minha parte. Não é algo que eu consiga desmembrar.

TMDQA!: Muitos artistas afirmam a dança e a movimentação como uma formas de resistência. Como você falou, trata-se de uma questão libertatória.

Rincon: Sim! Sem falar que, como comunicação em outras tradições, especialmente no continente africano, a dança aparece no entretenimento e nos flertes, mas ela também pode aparecer em uma situação de luta ou em uma situação fúnebre ou triste. Esse lance de se comunicar através do corpo pode passar outras mensagens e valores culturais colocando a dança como resultado de um som menos complexo. Mas, na verdade, a dança pode se aplicar a qualquer sonoridade, nos mais diversos sentimentos.

 

“[O pop africano] me destravou muito artisticamente”

TMDQA!: Ainda explorando o conceito do Mundo Manicongo, como foi incorporar a sonoridade africana ainda mais às suas músicas? No novo álbum, elas ficam ainda mais explícitas.

Rincon: Foi muito interessante para mim. Eu gosto de muita coisa que acontece no meu contemporâneo, mas eu queria um trabalho que tivesse mais a minha assinatura e a minha marca. Artisticamente falando, eu pensei em não fazer o mesmo que algumas coisas estavam fazendo. Então eu encontrei na sonoridade africana contemporânea, especialmente na vertente do pop africano, algo que me fizesse fazer um som moderno e pop, onde eu pudesse colocar meus signos. Foi muito libertador para mim. Minha criatividade estava ainda em pesquisa. Eu ainda estava procurando o que fazer e o que falar. Quando eu conheci esse universo do que está acontecendo no continente africano, isso me destravou muito artisticamente. Conhecer esses sons foi essencial para eu conseguir concluir esse disco.

TMDQA!: Nesse mundo novo que você explorou, existe algum artista ou movimento específico que tenha chamado mais a sua atenção? Que dicas você daria para os ouvintes interessados em explorar mais dessa sonoridade pop?

Rincon: A cada hora, especialmente por causa da internet, explodem novos interessantes artistas. Eu posso sugerir Burna Boy, WizKid, Yemi Alade, Tiwa Savage, Preto Show… Considerando que a África é um continente enorme, especialmente a Nigéria tem colocado vários artistas de sucesso fazendo essa linguagem. Existem outros países emplacando artistas incríveis, como Angola, Costa do Marfim, Cabo Verde… Isso tem se refletido aos poucos na Europa também. Tem acontecido muito coisa e isso tem me influenciado muito no que eu tenho feito ultimamente.

TMDQA!: O grupo de participações especiais é todo composto de artistas negros, possivelmente para reforçar a mensagem contida no disco. Tem Lellê, 3Duquesa, Audácia, ÀTTOOXXÁ, Rael, Gaab e Mano Brown, que é bastante impactante por promover um encontro entre duas gerações diferentes do Rap BR. Como foi escolher todas essas parcerias?

Rincon: Foi sensacional! Eu sou muito feliz por pode contar com esse time de participações. Audácia é um grupo do qual eu faço parte. Somos sete ao todo, daqui de São Paulo, das zonas sul, leste e oeste. É interessante porque cada um tem uma escola diferente de rap, cada um tem uma forma de fazer sua música. Juntos, fazemos algo muito interessante. A Lellê é uma cantora que está impulsionando a sua carreira solo agora, após o sucesso do Dream Team do Passinho. Ela tem referências parecidas com as minhas dentro do trabalho dela, com a música jamaicana e caribenha, além, é claro, do pop.

Gaab é de uma geração mais nova. É um artista muito versátil, que se encaixa bem em samba, rap, trap, afrobeat… É muito fácil trabalhar com ele, além de ser um companheiro e um cara muito contemporâneo que se encaixou bem nesse estilo de som que eu propus. ÀTOOXXÁ, além de tudo, são grandes companheiros meus, e eu vejo muitas semelhanças entre o trabalho deles e o meu. A 3Duquesa é outro nome mais jovem no disco. É uma cantora de Feira de Santana. Ela está começando a expor o seu trabalho agora, e posso afirmar que, desses artistas mais novos, é um dos mais promissores que eu conheço. Ter essa gama toda de artistas no meu disco foi um presente.

TMDQA!: Se você tivesse espaço no disco para mais parcerias, que nomes chamaria?

Rincon: Eu tenho uma relação muito legal com vários artistas do funk e do samba. Queria todos eles, mas precisamos formatar um disco. Considerando que eu gosto muito de funk, naturalmente sou fã de muitos artistas. Gosto também da galera do samba e da música tradicional, como o carimbó e o maracatu. Eu poderia fazer colaborações, fora essas do disco, com uma tonelada de artistas. Eu conheço muita gente fazendo um trabalho muito legal, e isso me inspira muito para novas parcerias no futuro.

 

“É a minha verdade, então eu deixo fluir”

TMDQA!: Você vai se apresentar no Circo no próximo dia 31. O que você pode adiantar sobre a turnê do novo disco para os fãs cariocas? Como vai se dar a narrativa nova do show, considerando a mistura do repertório novo com o antigo?

Rincon: Vamos ter essa união das antigas com as novas, mas as novas obviamente serão o carro-chefe do show. Agora tem um balé no repertório. A velocidade das novas músicas dita muito o clima da apresentação. Toda essa cadência do disco novo é o que vai dar o tom do show. Vamos ter, para esta ocasião, a participação da Lellê. Vai ser nosso primeiro encontro juntos no palco e esperamos nos divertir muito juntos. No mais, é o que o título do disco sugere: dramas, danças e afroreps. Principalmente danças e afroreps são dois elementos que estarão bem presentes no Circo Voador.

TMDQA!: Você ficou reconhecido, especialmente por conta do Galanga Livre, por seu estilo único. É uma singularidade que chama atenção, especialmente por conta de elementos estéticos, tanto sonoros quanto na aparência, que diferenciam você do que está sendo feito no hip hop brasileiro. O que você pensa em relação a isso? Você se considera diferente da maioria?

Rincon: É um trabalho, especialmente em termos estéticos, bastante diferente (risos). Mas isso é muito a minha naturalidade e a minha verdade. Esses ritmos que eu utilizo fazem com que eu me divirta e queira dançar. Naturalmente, eu instigo as pessoas a fazerem o mesmo. Esse tipo de som que eu faço, no meu entendimento, é resultado da minha linguagem e da minha estética. Se eu fizesse um rap mais parecido com outras coisas que acontecem no geral, eu não conseguiria explorar todas as coisas que gosto na arte, como dançar. Essas coisas, no meu ponto de vista, acabam enriquecendo o meu trabalho. Eu vejo, sim, que é bem diferente. Pode ser que, dependendo do ouvinte, essa diferença possa ser chocante, mas, acima de tudo, é a minha verdade, então eu deixo fluir.

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