Deborah Blando
Reprodução/Instagram

Por Nathália Pandeló Corrêa

Quem cresceu nos anos 90, tem na memória a voz de Deborah Blando embalando trilhas e aberturas de novelas da Rede Globo. Eram outros tempos, de mídia física, alcance incomparável da TV e álbuns completos — com direito a edição especial em vinil. Agora, na era do single, Blando segue relevante, mas de uma forma completamente diferente.

Atualmente, ela está radicada na Inglaterra para um curso dentro da tradição Kadampa do Budismo, que segue há 20 anos. Deborah mantém a conexão com os fãs com lançamentos como o recente EP Heart of Gold e o novo single “We Fly”, que sai hoje em parceria com o DJ Bruno Knauer e Diego Marcsant na produção, sem perder o foco do que guia sua vivência atual: a paz interior.

Trazendo para a música esse olhar profundamente inserido na sua redescoberta espiritual ao longo das últimas duas décadas, a artista mergulha fundo para levantar voo. Após a turnê One Truth, com a qual apresentou o EP Heart of Gold (também trilha sonora da novela O Tempo Não Para, com o single), ela entrega uma faixa que começa com a suavidade das cordas do violão mas logo ganha uma batida eletrônica bem dançante.

O single narra esse processo de reencontro e autodescoberta pessoal que transborda para o lado artístico. Da Inglaterra, Deborah conversou com o Tenho Mais Discos Que Amigos! sobre essa fase de vida.

Leia abaixo

TMDQA!: Oi Deborah, obrigada pelo seu tempo! Você está em um novo momento na carreira, com lançamento do último EP e novos singles. O público te conheceu numa época em que o disco era muito ligado a uma ótica mercadológica que já mudou completamente hoje, e artistas como você pegaram essa transição, inclusive de fugir do formato tradicional de CD. O modo como consumimos música atualmente impacta de alguma forma a maneira como você pensa sua carreira de agora em diante ou não?

Deborah Blando: Sabe que eu peguei o último ano do LP, do disco? Isso foi em 1991, lembra? E chegou a sair um LP meu, A Different Story, e o Special Edition, que teve uma música a mais — foi a regravação do Raul Seixas, “A Maçã”, e depois tinha mais uma música que entrou nessa edição especial do LP. E eu peguei o finalzinho, foi muito legal. Também peguei a fita k7 com a A Different Story, e o comecinho do CD. Uma pena que o mercado mudou tanto, né? Era um mercado fonográfico, hoje em dia virou outra coisa. A música também é outra coisa, já se tornou vários outros produtos.

Atualmente no mercado brasileiro, em específico, há muitos produtos musicais, mas música mesmo, composições com letra, é raro. Existe, mas é raro, não é a grande maioria. Eu peguei essa época, que foi maravilhosa, e mudou bastante. Na verdade, o meu foco não é na minha carreira. Eu gravo e lanço singles para os meus fãs, que merecem, e claro, porque a minha natureza é a música, faz parte de mim.

E composições saem de alguma inspiração que eu estou tendo na minha vida espiritual, por exemplo. “We Fly” fala sobre isso, sobre esse momento de voar esse voo mais alto, esse outro voo, que nunca é tarde pra você ir atrás de algum sonho, encorajando as pessoas a deixarem o passado para trás e não desistirem, aprender com os erros, seguir em frente. E a minha carreira hoje se resume à minha conexão com os meus fãs, que não vai acabar nunca, e eu não estou focada, como se fosse a coisa mais importante pra mim. Hoje o mais importante é evoluir como ser humano, ter a minha vida espiritual, a paz que eu tanto busquei na minha vida, e é isso.

TMDQA!: “We Fly”é uma música sobre recomeço. Considerando as mudanças que aconteceram na sua vida mais recentemente — como a espiritualização budista e a mudança para a Inglaterra –, você diria que está vivendo uma espécie de recomeço?

Deborah Blando: “We Fly” fala sobre isso sim, de voar um voo mais alto, eu e meu espiritual estamos voando. Estou seguindo os passos dele [Buda] porque ele é uma pessoa que conseguiu chegar a um nível de paz e felicidade permanente — estando em paz, a gente encontra a felicidade — e ele ajuda tantas pessoas a encontrarem a paz que procuram. A grande ambição de um Buda vivo — eu diria que ele é um Buda vivo, posso falar isso — é a paz mundial. E ele está criando vários templos pelo mundo inteiro que são espaços que servem para essa paz, pra que a gente aprenda a ter paz dentro da nossa mente e do nosso coração e que um dia, com as pessoas encontrando a paz dentro de si, não vai ter mais motivo de guerra. Não vai ter mais motivo de “o meu é importante, o seu não é”. A gente começa a entrar numa realidade e maturidade emocional e espiritual onde respeitamos o outro. É uma civilidade milenar.

O Budismo é um método científico milenar que funciona pra que a gente tenha qualidade de vida. Se não estamos felizes, podemos estar nas melhores condições externas, numa ilha, num iate, e não vamos curtir, não tem como. Você não encontra felicidade fora da mente, é ela que faz com que você seja feliz. Não é um barco ou só o dinheiro. Claro que tem coisas que ajudam, mas não são a fonte de felicidade. A fonte de felicidade é paz no coração, ter amor, compaixão, pensar no outro. Shantideva, um grande mestre indiano, ele falava que nada de bom vem contemplando o defeito dos outros e as nossas próprias qualidades. E que tudo de bom vem, acontece, quando a gente contempla as nossas falhas e muda, e contempla sempre as qualidades dos outros, faz com que as qualidades dos outros cresçam.

Então tem muitas técnicas budistas fazem com que você comece a ter menos problema na sua vida, a ser uma pessoa mais agradável, que pensa no outro. Toda a felicidade que existe na nossa vida vem de desejar a felicidade para o outro, e não para si mesmo. Então é muito diferente do que o mundo está pensando. Cada vez o homem está mais egoísta e acabando com seu planeta, com tudo, continua em guerra, cada vez mais intolerante, mais preconceituoso… A gente vê os problemas aumentando no mundo, na vida das pessoas. A minha corrida é o oposto, é trazer soluções pro mundo. E começa pela gente.

A música fala desse recomeço. Eu fui aceita para fazer um curso especial que acontece de dois em dois anos, ou de três em três anos, na nossa tradição Kadampa NKT, o nosso guia espiritual Geshe Kelsang Gyasto fundou essa tradição aqui no ocidente, nos anos 70, ele veio para a Inglaterra e fundou a nova tradição Kadampa. É essa que eu sigo desde 1999. E esse recomeço é através da minha espiritualidade, desse curso que eu vou fazer. É uma formação de professora, para dar aula de budismo e meditação pelo mundo. Ainda não sei aonde que no futuro vai ser isso, primeiro a gente se forma e depois ele vê onde é a melhor forma da gente beneficiar as pessoas e a si também.

TMDQA!: A música casa dois lados do seu trabalho – o violão, orgânico, e os beats, eletrônicos. O quanto você traz da sua própria personalidade para as canções e o quanto você se permite construir junto com os produtores em estúdio?

Deborah Blando: O violão, o piano, as cordas, são mais a minha veia, minha alma, eu acho, que é a coisa mais orgânica. E quando você tem uma boa melodia e uma boa letra, a música fica maravilhosa só no violão e voz. Esse que é o maior teste de uma canção, se ela funciona no piano e voz e no violão e voz. Então as minhas músicas são sempre feitas assim. Claro, algumas vezes se usa uma base eletrônica, que foi nessa última, “We Fly”, com Bruno Knauer e Diego Marcsant. Essa música foi um projeto que um amigo meu – JP, de muitos anos já – me chamou para fazer uma parceria com o Bruno Knauer. E o Bruno me mandou uma base eletrônica, porque eu gosto muito de música eletrônica também.

Tem uma coisa bacana que remete à música disco, dos anos 80 e 90, de que eu também fiz parte. Então acho que a minha musicalidade é bem abrangente e eu gosto disso, de brincar. Não gosto da mesmice. Acabei de lançar um EP que está em todas as plataformas chamado Heart of Gold que é justamente baseado em corda, violão, uma coisa mais orgânica. Foi produzido quase todo com o Leo Casper — uma faixa teve o Eric Silver com o violão. Depende muito da parceria com quem meu estou compondo, porque as pessoas me influenciam muito.

TMDQA!: We Fly tem muito do seu processo de autoconhecimento. Há algo que você aprendeu ao longo da sua jornada que te trouxe uma nova perspectiva sobre sua carreira na música?

Deborah Blando: “We Fly” reflete muito do meu momento agora. Eu aprendi tudo que vivi espiritualmente. Eu saí de um retiro e fiz uma música, “All the things I normally see”. Foi quando a gente recebeu transmissão oral do Mahamudra, e no meio do retiro, o professor falou: “olha, contempla isso e fala isso pra você mesmo como mantra”. Através da contemplação de um ensinamento, surgiu uma canção. Então pra mim as músicas sempre fizeram parte do momento de vida que estou vivendo. Eu vejo a música assim, como artista eu sou obrigada a criar. A natureza de um pássaro é cantar. Então eu crio porque eu existo (risos), como música, desde que me conheço por gente. E a espiritualidade reflete a música, acho que as coisas estão um pouco ligadas.

Quando a gente faz mandala de oferenda pros Budas, uma das oferendas são músicas. As outras são flores, luzes, incenso, mas uma delas é música. E eu gosto muito de fazer essas oferendas pro meu guia espiritual, de música. É uma coisa que vem naturalmente pra mim.

TMDQA!: O nome do nosso site, Tenho Mais Discos Que Amigos, tem muito a ver com a relação de proximidade que temos com a música! Você pode compartilhar com a gente qual disco se tornou um “amigo” pra você, aquela companhia presente sempre nas horas boas e ruins?

Deborah Blando: O que me veio de cara foi Purple Rain, do Prince. Esse disco eu ouvi, viu? Mas muito! Levaria pra uma ilha. Outro também, do Queen, Led Zeppelin, ouvi bastante. Beatles, também levaria o White Album e Revolver. É isso aí.

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