Canto Cego
Foto: Divulgação

Sempre foi motivo de descontentamento pensar que o que nos divide é mais importante do que aquilo que nos une. Ao longo da história, a aversão às diferenças motivaram guerras, ódio, medo… Vemos isso hoje também, em tempos de confusões políticas e sociais. Em 2019, é como se a única característica que une todos nós fosse simplesmente o fato de sermos da mesma espécie.

É como se a humanidade estivesse perdida, tendo perdido seu elo consigo mesma. Gradativamente, nos afastamos de nós mesmos e da natureza da qual viemos. No entanto, se tudo parece estar perdido, temos visto um movimento cultural que busca reforçar o que temos em comum, que enfatiza a ideia de que somos todos iguais. A música, conforme temos visto nos últimos anos, tem contribuído muito para isso.

Por sinal, a banda carioca Canto Cego tem novidades às vésperas de seu show no Rock In Rio (que acontecerá no próximo dia 4, no Espaço Favela). O grupo, formado por Roberta Dittz (voz), Ruth Rosa (bateria), Magrão (baixo) e Rodrigo Solidade (guitarra) acabou de lançar seu segundo álbum de estúdio. Intitulado Karma, o disco busca relembrar a essência do ser humano e de suas pluralidades. Nisso, o álbum aproveita para nos colocar para pensar acerca dos conceitos de liberdade, empatia e sociedade.

 

Estética sonora

Se nós, enquanto seres humanos, estamos sempre em contante evolução, podemos traçar um paralelo com a carreira da Canto Cego. Em Karma, a proposta musical do grupo é expandida. Enquanto flertavam com ritmos regionais ao falar a realidade em Valente (2016), agora eles foram além. Novas experimentações sonoras, inseridas de forma genuína nas canções, chamam a atenção para uma sonoridade cada vez mais rebuscada.

Novamente, a banda traz muito da questão da brasilidade, reforçando o local de fala do país. Toda essa estética instrumental conversa com as letras da banda, desde a agressividade de “Fantasmas” (que cita o “karma” que dá título ao disco) até a ausência de elementos instrumentais em “Correnteza“.

 

“Deixa o povo passar!”

As novas letras entregam uma grande preocupação com a questão da identidade perdida da humanidade. O disco propõe um processo delicado de mudança, que vai da mentalidade do indivíduo à mentalidade coletiva de uma sociedade.

Uma das canções que remetem a esse clima de coletividade é “Corpo a Corpo“, divulgada como single prévio. Ela defende a ideia de que estamos “todos juntos em um só ser”. Também vemos isso em “Marcha Coração“, uma das mais dançantes de Karma. Vemos o poder da união, que faz com que um grupo de pessoas passe por um tal “doutor” sem sequer pedir licença. “A cidade é nossa”, enfatiza.

O tal “doutor” vira uma espécie de personagem no disco, a quem as mensagens podem se dirigir. Logo depois, em “Febre“, contemplamos isso novamemte. “Eu ouço o choro das crianças nas suas ordens de terror”, revela a canção ao denunciar mazelas sociais que assolam a nossa convivência. A faixa reforça também a proatividade, já que é preciso “coragem para se levantar, para se libertar, fazer nossa vontade ressoar”. A mesma abordagem é combustível para “fogueira da sua agonia” descrita em “Transmutação“.

Mas a Canto Cego não trata isso como uma aula. Aliás, o grupo garante em “O Blefe” que a injustiça pode estar com seus dias contados. “Mal sabem eles que a gente já aprendeu a se organizar”, comunica Roberta.

 

A relação com a natureza

Já falamos das camadas temáticas e sonoras que permeiam a grande cebola (entendam isso como um elogio) que é Karma. Mas existe também toda uma questão visual que é evocada pelo conjunto letra/instrumental. E não estamos falando necessariamente do ótimo clipe de “Passarada“.

A banda usa a natureza como forma de provocar um sentindo imagético palatável às canções. Os quatro principais elementos estão presentes com papel de protagonismo. Vai do tato da terra à leveza dos ventos, passando pelo caos do fogo e pela fluidez da água.

A própria “Passarada”, divulgada como single prévio, já entregava essa referência. As ações do vento e da chuva ocasionaram mudanças. A mesma terra que esconde os mortos é capaz de permitir vida. Enquanto isso, a personagem principal de “Correnteza” descreve-se como o mar, que “dilui a tristeza de tudo”. Trata-se de aceitar a complexidade da vida e de tudo que a permeia.

Além disso, as constantes referências à natureza podem ser entendidas como um retorno às nossas origens. É uma forma de voltarmos a um ponto em que tudo é igual, onde a única força predominante é justamente a da natureza (como o tal incêndio de “Transmutar”, necessário para queimar as decepções da vida).

 

Da dúvida à resposta

canto cego
Foto: Paulo Barros

Em “Nascemos“, são levantadas algumas questões sobre o sentido da vida. “É a escolha que traça o caminho ou o caminho que traça a escolha?”, questiona a banda na intrigante poesia que abre o disco. “Não se sabe por ora”, respondem.

Ao longo de Karma, essas questões relativas à vida e à convivência com os outros são exploradas, convidando o ouvinte a também refletir sobre. A parte final do disco, no entanto, tenta mostrar que a resposta para nossas dúvidas está dentro de cada um de nós.

Vida Rendeira” começa o encerramento do disco na forma de um mantra, que propõe que sigamos a vida em frente confiando no que ela nos reserva. Aqui, não se fala de questões sociais ou políticas, mas sim do puro mistério da existência. “Ó vida rendeira, faz de mim seus braços”, suplica o refrão.

O fechamento definitivo, no entanto, está em “Grão“. Sob o som de elementos sonoros experimentais, o disco se encerra com a mensagem de que somos, ao mesmo tempo, insignificantes e importantes. Insignificantes por sermos pequenos se comparados à grandiosidade do mundo. Importantes porque, juntos, conseguimos ser enormes.

Somos o que somamos
Restos de meteoro, cauda de cometa
O ir e o vir dos planetas
O circular da lua
Cada gota de oceano
Acendemos e transmutamos em cada pensamento doce
Em todo sentimento amargo
Morremos e nascemos a cada fim 
Dentro de um estrelado sonho real

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