Foto: Flora Negri

A cantora paraense Aíla conquistou muito em 2012 ao lançar seu dançante disco de estreia Trelelê. Depois, deixou que seu trabalho assumisse uma postura mais ativista com versos certeiros em 2016, quando lançou Em Cada Verso Um Contra-Ataque.

Agora, em 2019, a cantora está preparando o terreno para lançar seu terceiro disco. Ainda sem nome, temos uma certeza: será um disco plural. Isso porque Aíla nos contou que tem se interessado cada vez mais por parcerias em suas composições e produções.

Já temos um exemplo disso na recente “Treme Terra“. A canção foi composta em parceria com os colegas Barro e João Deogracias, e tem sua produção assinada por, além de João, Aline Falcão e Pedro Regada. Misturando Norte e Nordeste, a dançante música traz referências de arrocha, música eletrônica, tecnobrega e pagodão baiano.

Mesmo remetendo um pouco à época do primeiro disco por conta de sua ambientação, o novo single conta com a veia questionadora do segundo álbum. A canção propõe movimento, proatividade e reflexão. “Quando a mente abre, o corpo reverbera”, inicia Aíla.

Movimento e cores

O tratamento visual do single levou à sério a questão do movimento. Isso se reflete na capa do single e também no videoclipe oficial. Ambos com direção artística da também paraense Roberta Carvalho, os materiais exaltam também uma paleta de cores mais pop.

A pesadíssima divulgação, com grande foco na questão visual, também conta com a venda de um pendrive (no formato de uma fita VHS) que reúne cinco clipes da cantora (incluindo “Treme Terra”) e making of‘s inéditos da produção dos vídeos. São poucas unidades no momento, mas estão à venda.

https://www.instagram.com/p/B0jOuZTHbos/

Movimento também será uma palavra chave nas apresentações da nova turnê de Aíla. A série de shows têm início nesta sexta-feira (02), no Rio de Janeiro. Ela abrirá o Festival Levada, evento do qual já participou na edição inaugural, em 2012. Os ingressos estão disponíveis!

“Precisamos dar uma sacudida em tudo”

Conversamos por telefone com Aíla, que nos falou sobre a nova fase de sua carreira e sobre as possibilidades visuais de uma canção. A cantora nos contou também sua interessante visão sobre os métodos de divulgação de música, diante das mudanças que as novas ferramentas têm proporcionado à indústria fonográfica.

Confira:

TMDQA!: Nas redes sociais, você comentou que queria fazer com que a protagonista do clipe fosse a dança. Como você enxerga a relação entre música e dança?

Aíla: Acho que a música, para mim, vai muito além da música. Eu tento dialogar com as artes visuais também. A dança sempre foi um diálogo próximo às músicas que lancei no meu último trabalho, como “Lesbigay”. Misturamos surf music com punk, por exemplo. A dança sempre foi muito presente nos shows, mas nunca tinha arriscado isso nos clipes. “Treme Terra”, por cruzar essas referências de ritmos periféricos bem fortemente, como o arrocha, o pagodão baiano e o brega, trouxe a possibilidade de brincar mais com a dança. A gente criou uma coreografia, com uma liberdade de criação mais individual em uma dança coletiva. Isso refletiu muito no que a música fala, de tremer o corpo, tremer o ombro, tremer a língua, mas tremer também as ideias, a mente, a estrutura, o sistema… A dança tem muito a ver com liberdade, e a música fala um pouco sobre isso.

TMDQA!: Ouvindo a música, conseguimos associar à ideia de se libertar de qualquer amarra. Tem a questão da incitação ao movimento, à proatividade.

Aíla: Estamos em um tempo meio estagnado, parado e careta. Precisamos dar uma sacudida em tudo. A música pop brasileira faz isso muito bem. Ela faz as pessoas balançarem, mexerem os corpos. Eu queria juntar isso com a ideia de dar uma cutucada e mexer um pouco essas ideias que estão meio engessadas, sabe? A música dialoga bastante com o pop, mas tem uma reflexão por trás das metáforas.

TMDQA!: O corpo é um instrumento político. Instigar movimento, como faz “Treme Terra”, é uma forma de colocar os outros para refletir também.

Aíla: O corpo é total político. Quando o mexemos e nos libertamos desses padrões de corpo, de não ter vergonha de se jogar e de experimentar, isso faz com que as nossas ideias também se mexam. Cada vez mais, o corpo precisa estar associado a essa liberdade, a um movimento político, que vai da terra para o corpo e para a cabeça.

TMDQA!: Você tem uma carreira consolidada, e essa foi a primeira vez em que você trabalhou dando foco na questão do movimento em um clipe. Como você enxerga a arte de fazer um videoclipe, considerando o papel que ele tem para a divulgação de uma música?

Aíla: Eu acho que, hoje em dia, a gente ouve música assistindo a ela. O videoclipe é fundamental para a difusão dos trabalhos. Se eu pudesse fazer um clipe por música, eu faria, porque eu curto essa questão visual da música. Eu acho que, cada vez mais, essa relação abre caminho para conseguir chegar em lugares que, apenas com a música, não seria possível de se chegar.

TMDQA!: É uma questão de conseguir extrair todos os frutos possíveis de uma obra musical, ao tentar leva-la para outra linguagem.

Aíla: Acho que essa questão dos singles, por exemplo, é uma possibilidade de trabalhar a imagem com mais calma. Se você lança um single por mês, você consegue produzir mensalmente esses clipes e, consequentemente, trabalha essas outras camadas da música. Eu acho esse diálogo superlegal.

“Em termos de som, o Brasil é muito rico”

TMDQA!: Sobre a música em si, eu queria saber o que você usou como influência. Teve algum artista ou movimento específico que serviu de base, seja para a canção ou para a imagem?

Aíla: Em relação à música, eu queria muito sair desse lugar de pegar um produtor de grande nome para produzir a música. Eu queria fazer algo mais coletivo, mais colaborativo, e chamei amigos para produzir junto comigo: Aline Falcão, Pedro Regada e João Deogracias. A gente produziu coletivamente a música, e isso trouxe referências de cada um também. Trouxe um pouco do Pará, um pouco de João Pessoa, um pouco da Bahia… É interessante cruzar essas referências de ritmos pop brasileiros que geralmente vêm da periferia.

Já sobre a questão da imagem, a direção criativa nesse sentido foi do Vitor Nunes, que é um artista paraense também, que já trabalhou com nomes como Jaloo e trabalha bastante com figurinos. Ele pensa a roupa como obra de arte também, o que é bem legal. A gente pensou em trazer a coisa das cores vibrantes, de mudar um pouco o visual para algo mais pop. Isso surpreende aquele que esperam sempre a mesma coisa. Quisemos trazer um novo visual para mim e para o clipe. Ficou algo bem mais colorido do que meus trabalhos anteriores.

TMDQA!: Esses “riscos” são ótimos. Isso foge do padrão de “colocar a música em uma caixinha”, qualificando ela em determinado estilo musical. Você mesma comentou das influências no arrocha e no pagodão baiano, por exemplo. Se torna algo instigante para o ouvinte.

Aíla: Parece que tem que ser uma coisa só, né? Essa música pode ser várias coisas, até um tecnobrega. Dependendo de onde você veio e das suas referências, pode ser um arrocha, um pagodão… Em termos de som, o Brasil é muito rico. A gente precisa trazer esse diálogo para o pop e, ao mesmo tempo, trazer uma poesia que nos faça pensar um pouco mais também.

TMDQA!: O seu primeiro álbum é de 2012. Desde então, muita coisa aconteceu no mundo da música, como, por exemplo, a força que o streaming ganhou. Como você enxerga o crescimento da música feita no norte. Você acha que as coisas estão ficando mais igualitárias, fugindo da mesmice?

Aíla: Eu acho que a questão das plataformas digitais é uma transição no mundo da música. Ela facilita que a música chegue ás pessoas. Eu tenho impressão de que as rádios ainda fazem muito sentido nos interiores do Pará, do Amapá, do Amazonas… Essas plataformas são como rádios nesse sentido, já que ajudam a difundir esse trabalho em muitos locais. A forma de consumo mudou. Quando você lança um disco inteiro na internet,  por exemplo, me parece que as pessoas não ouvem mais tudo. Ao mesmo tempo, tem a questão da efemeridade, e eu me coloco dentro disso.

Existe uma ansiedade tecnológica que, de repente, influencia um pouco nas coisas. Lançar singles parece ser uma alternativa interessante para essa nova cena. Eu tenho experimentado lançar dessa maneira para trabalhar melhor as canções. Isso é uma possibilidade interessante, mas também não podemos ficar reféns de um modelo. Existem vários modelos e a gente escolhe o que é melhor para cada trabalho.

TMDQA!: Acredito também que isso da questão do streaming tem um lado bem positivo, que é que as pessoas agora podem correr atrás do que elas querem ouvir e moldar seu próprio estilo musical.

Aíla: Acho que a gente é meio refém também, porque nos sentimos livres para escolher o que queremos ouvir, mas, no fundo, existem propagandas que nos influenciam a ouvir certas coisas. Cada vez mais eu percebo que estamos entendendo até onde temos autonomia. É um processo da vida perceber as camadas de uma transição. Eu me vejo consciente nesse sentido de escolher o que eu quero fazer e tentar, de alguma forma, “hackear” tudo isso.

TMDQA!: O streaming é algo relativamente recente. Parece que a indústria inteira ainda está se adaptando com o maior número de possibilidades que possuem, mas que ainda se prendem ao modelo padrão. A questão dos singles, por exemplo, é uma ferramenta que pode fazer mais sentido hoje.

Aíla: Total! Acho que a gente consegue melhor a canção nesse formato. Mas acho superlegal também quando um artista lança um disco com 20 canções. Eu acho inusitado e isso me instiga. Esse consumo instantâneo está cada vez mais intenso. Mas tudo faz parte de um processo de autoconhecimento. Eu, por exemplo, gosto de ouvir música e assistir ao mesmo tempo, em plataformas como o YouTube.

TMDQA!: “Treme Terra” é o primeiro single desde o lançamento de seu último álbum, de 2016. Quais são seus planos futuros? Você pode adiantar algo sobre seus próximos passos?

Aíla: Acho que o caminho desses singles é explorar esses ritmos brasileiros periféricos e sempre trazer um feat, desde a composição até uma participação especial. Em Setembro, já quero lançar a próxima novidade. Quero lançar uma série de singles até o final do ano. É um caminho que vai me levar até o lançamento do próximo álbum, em 2020.

Eu quero lançar de 3 a 5 singles até o início do ano, para depois gerar o álbum. É um processo de experimentação. A banda é nova e vamos investir em um repertório novo, com músicas que acho que combinam com a nova fase.

TMDQA!: O que você pode adiantar em relação aos novos shows? Como “Treme Terra” vai ser inserida no repertório?

Aíla: Nesses últimos três anos, a guitarra ficava à frente nos arranjos. Guitarra com distorção, bateria meio rockeira. Agora, fizemos uma inversão onde tiramos a bateria e a guitarra. Agora é uma banda com base eletrônica: muitos beats, sintetizadores, percussão eletrônica… É um formato completamente novo que entrega uma reinvenção das músicas dos primeiros discos. Vamos tirar esse lado mais rockeiro, que eu amo, mas circulou bastante, e vamos deixar o eletrônico, o pop, o dançante mais presente nos shows.

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