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Exclusivo: conversamos com Jonathan Ferr, uma das 3 novas atrações do Locomotiva Festival

O Locomotiva Festival fará este ano a sua quarta edição. O evento, conhecido pelo estímulo à cena nacional, será realizado no Espaço Haras, na cidade de Piracicaba (SP) no dia 10 de Agosto e contará com nomes como Tuyo, Terno Rei, Garage Fuzz e muito mais.

Agora, exclusivamente pelo TMDQA!, o festival anunciou mais três atrações: Odradek, Violet Soda e Jonathan Ferr. Os ingressos da pré-venda podem ser obtidos aqui, com valores a partir de 100 reais.

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No entanto, enquanto as duas primeiras atrações anunciadas acima conversam com subgêneros do rock, Jonathan se comunica com seu público através de outro: o jazz. Pode parecer estranho um evento com maioria de bandas de rock receber um artista tão diferente. Mas não se trata exatamente do jazz que você está pensando.

Caso não conheça Jonathan ainda, saiba que ele é o idealizador de um movimento musical chamado urban jazz (ou jazz urbano, se preferir). Trata-se de um jazz levado para as ruas, que incorpora elementos do hip-hop, da música eletrônica e do funk. A proposta do movimento é desmitificar o jazz, visto por muitos como um gênero musical intelectual. Por sinal, ele também está confirmado como atração do Espaço Favela na próxima edição do Rock in Rio!

 

“Coloquei na minha cabeça a missão de desconstruir a ideia de que jazz é inacessível,” conta Jonathan Ferr

Recentemente, Jonathan lançou seu álbum de estreia Trilogia do Amor, que está disponível em todas as plataformas digitais. A turnê do lançamento já tem vários shows em diversos lugares, desde Madureira até Rio das Ostras, além das passagens pelos grandes festivais citados.

Conversamos com Jonathan sobre sua passagem pelo Locomotiva, sobre sua vivência como músico e, é claro, sobre o interessante movimento do jazz urbano. Confira abaixo o nosso papo.

TMDQA!: Trilogia do Amor junta o jazz contemporâneo urbano a elementos eletrônicos, com pitadas de neo soul e de hip-hop. Quais foram suas principais influências para alcançar essa sonoridade? Como você desenvolveu essa identidade musical?

Jonathan Ferr: Na minha adolescência, eu ouvia muito rock. Bandas de death metal, new metal… A questão da atitude do rock era algo que me fascinava muito. Desde então, eu já colecionava discos e já era fascinado por entender o processo musical. Depois disso, veio o hip-hop e funk, que foram gêneros musicais que chegaram com muita força para mim, pela questão do ativismo político. Passei a ouvir muito Racionais MC’s, por exemplo, com aquela questão negra que me conquistou. Depois vieram outras bandas e grupos. Um dos últimos caras que chegou para mim foi o Robert Glasper, que é um pianista de jazz. Eu já queria tocar jazz, queria fazer uma junção das coisas que eu gostava. Quando ouvi Black Radio, um disco super importante no recente jazz contemporâneo, eu percebi que era esse caminho que eu queria seguir.

Então eu comecei a desenvolver o que eu chamo de “urban jazz”. É uma música brasileira, de um movimento que estou liderando que propõe fazer um jazz que seja pensado fora das salas de concerto. Para isso, misturo sonoridades urbanas como hip-hop, música eletrônica, funk… Colocamos tudo isso na linguagem do jazz, que é tida como uma linguagem intelectual e inacessível para muita gente. O meu objetivo sempre foi impactar a juventude. Muitos falavam para mim “ah, jazz é música de avô”. Quero desconstruir esse estereótipo do velho no bar tocando jazz (risos). O jazz é, na verdade, uma música de vanguarda muito inovadora. A história dele se reflete não só nos Estados Unidos, mas no mundo, já que ele se adequa à cultura local. Em Israel, na Etiópia, e aqui no Brasil, por exemplo, ele se adequa a características de cada local. Isso me incentivou a buscar uma sonoridade mais brasileira, algo que seja bem contemporâneo e que possa se conectar com a juventude. Eu usei tudo que tinha ao meu alcance: jazz, dub, drum & bass, funk… Queremos criar um movimento realmente brasileiro.

TMDQA!: Você citou o fato de o jazz ser normalmente associado à galera mais velha. A sua música consegue dar uma face mais jovem ao gênero. Considerando o fato de ser um movimento um tanto inédito, qual costuma ser a reação do público? Qual feedback você costuma receber de seus ouvintes?

Jonathan: A primeira coisa que todo mundo fala é que nunca ouviu esse som em lugar nenhum. É um som realmente inédito. À medida que ia fazendo as músicas, ouvia as pessoas comentando que nunca tinham ouvido isso antes. E era uma maioria jovem, o que me incentivava a pensar que isso era realmente algo inovador. É uma galera que está faminta por inovação. Era a oportunidade perfeita de liderar um movimento e influenciar uma nova galera mais jovem para que a coisa expanda. Eu acho que, a partir disso, podemos criar um mercado relevante de jazz urbano. A cada show, vejo cada vez mais pessoas impactadas. Sou muito grato por isso tudo que está acontecendo.

TMDQA!: Você alguma vez já teve algum feedback da galera mais velha, daqueles que, digamos, são o público associado ao jazz clássico?

Jonathan: Sim, e isso é muito legal. Certa vez, fiz um show que teve muitos senhores e senhoras na plateia. Pensei que essa galera não fosse curtir ou entender muito bem, já que fazemos um som bem “barulhento”. Acabou que, depois, recebi abraços de senhoras que estavam lá. “Querido, que coisa maravilha! Estamos precisando disso mesmo: de inovação”, uma delas disse. É muito legal ver que a música está alcançando também pessoas que, até então, não pensei que conseguiria alcançar.

TMDQA!: Seu álbum conta com uma narrativa bem interessante, além das participações de Donatinho, Alma Thomas e Mari Milani. Todas as canções são de sua autoria e arranjos. Como é o seu processo criativo? Como foi o processo de composição do álbum de uma forma geral?

Jonathan: A composição desse álbum durou, mais ou menos, cerca de dois anos e meio. Foi o tempo que precisei para maturar ele e fazê-lo chegar onde chegou. Eu costumo dizer que o álbum é resultado de uma busca espiritual minha. Tive várias experiências espirituais durante esse tempo que impactaram bastante no trabalho. Ao longo das gravações, as músicas foram se reconfigurando, se amadurecendo junto a mim.

O nome do disco, Trilogia do Amor, não implica três álbuns, como algumas pessoas acham. A trilogia está contida no próprio álbum, dividida em três capítulos: “A Jornada”, que vai da primeira à quarta faixa, “O Renascimento”, das faixas 5 e 6, e “A Revolução”, que encerra o disco. Nesse processo, eu pensei um disco muito maior, com várias vozes, já que estava muito envolvido com a música. E eu queria fazer algo para adaptar o meu trabalho para o audiovisual. Então eu contatei alguns profissionais e montei uma equipe. Decidi fazer um curta-metragem para cada capítulo. Toda a trilha sonora é do álbum. “A Jornada” foi o primeiro curta do álbum. Eu me desafiei inscrevendo o curta em vários festivais, concorremos à várias categorias nestes festivais, incluindo uma vitória na categoria “Melhor Figurino”. Foi uma experiência muito bacana, e agora estamos preparando o lançamento dos próximos dois curtas, ambos dirigidos por mim.

TMDQA!: Hoje em dia, a música está muito atrelada à imagem. Como surgiu a ideia desse projeto audiovisual? Qual é a proposta dele?

Jonathan: A ideia surgiu enquanto as músicas eram compostas. A primeira faixa, “Luv Is The Way” é dividida em duas partes que se completam. Elas nasceram de uma forma muito visual para mim. Já tive diversas ideias enquanto a tocava. A ideia de “isso dá um filme” começou a ficar na minha cabeça. Só faltava materializar isso. A ideia inicial era lançar apenas clipes, mas foi tomando maiores proporções e virou o que virou. O álbum como um todo, por sinal, se tornou muito maior. O plano era lançar um álbum de jazz urbano, mas ele foi se reconfigurando e mostrando vários caminhos. É um disco muito imagético, não só pelos curtas em si.

TMDQA!: É muito maneiro ver seu posicionamento de expandir a música para outras mídias, para torna-la mais consumível. Dá para perceber que é algo mais desenvolvido. O consumo, por conta disso, chega a ser mais fácil.

Jonathan: Uma coisa muito legal que vejo por aí é que cada um tem a sua própria visão do álbum, o que é ótimo. Isso é atrelado à questão da acessibilidade, que muitos comentam comigo também. Gosto de chamar de “suíte de jazz urbano afrofuturista”. Suíte é um termo que eu peguei da música clássica, que remetia a uma obra completa dividida em várias partes. Eu pensei em adaptar essa mentalidade para o jazz urbano. Por isso as três partes. Já o afrofuturismo é uma corrente artística que conta com elementos de ancestralidade, com referências à história da África, só que olhando para o futuro, buscando tecnologias do futuro. Tem toda a questão estética atrelada a isso também. É reconhecer de onde vim e saber para onde quero ir.

TMDQA!: Você é um pianista muito talentoso. Em depoimento para as redes do Rock in Rio, você contou que, quando comenta ser músico, às pessoas logo te associam ao samba. Por que, no seu olhar, existe essa visão estereotipada? Como esses novos movimentos e mentalidades musicais da atualidade ajudam a desmistificar isso?

Jonathan: Eu acho que existem estereótipos em relação ao artista negro. Eu vi que vários amigos atores sempre são chamados para papéis de bandidos. Quando vamos para a música, o músico negro dificilmente é imaginado tocando música erudita. Ele costuma ser associado ao samba, que é uma música maravilhosa. Um negro, ao falar que é músico, dificilmente vai ser associado à figura de um pianista. Na verdade, isso faz parte de todo um processo de colonização de ideias também. No Brasil, vemos poucos pianistas negros reconhecidos.

Há um tempo, tive uma experiência de ir a uma escola da Penha. Fui lá contar minha história para as crianças, e é interessante porque eu não cheguei a ter essa referência quando era pequeno. No geral, eu sinto que as coisas estão mudando finalmente. Quero mostrar que é possível sim, e espero que inspire outra geração. Que tenham mais pianistas negros!

Foto: Tânia Artur

TMDQA!: Como você acha que o Brasil enxerga o jazz?

Jonathan: Eu acho que tem isso de as pessoas acharem que é jazz é algo muito “cabeçudo”, muito inacessível. Acho que “inacessível” é a principal palavra. As pessoas pensam nele como um gênero muito intelectualizado. Existe uma imagem que foi construída assim. Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, se você fala em jazz, você o associa a bairros ricos como Ipanema, Leblon… Quem vive na periferia normalmente se sente longe desses movimentos. Eu e Tânia fazemos um evento de jazz a cada 15 dias, lá na Lapa. Já tive amigos que não foram e deram como justificativa que “não tinham roupa para ir”. É um lugar onde alguns não se sentem confortáveis. Acabam associando o gênero a algo que “não é para ele”. À medida que fui entendendo isso, coloquei na minha cabeça a missão de desconstruir a ideia de que jazz é inacessível. Eu tenho buscado desmitificar isso com o jazz urbano. Acima de música, trata-se de uma atitude social.

TMDQA!: Você teve que ultrapassar barreiras para se consagrar como um grande músico, em termos financeiros e sociais. Nesses momentos difíceis, o que mais motivou você a seguir seu sonho?

Jonathan: Eu sempre tive uma visão muito imagética, como já te falei. Acho que uma das imagens que eu tinha na cabeça era a de que eu estava em um show de uma banda que eu gostava muito. Do público, eu sentia o pessoal venerando a banda, gritando, aplaudindo os solos de guitarra. Eu lembro de ter falado: “Nossa, quero fazer isso para o resto da minha vida”. A sensação que eu tive no momento daquela decisão foi tão boa. Todas as vezes que eu passava por algum momento em que se pergunta se deveria ou não continuar, lembrava dessa sensação. Eu costumo dizer também que sou um cara com muita sorte, cercado de pessoas maravilhosas. A Tania Artur (produtora e empresária) me ajudou muito.

TMDQA!: Que conselhos você daria para quem está começando, diante dos vários obstáculos do mundo da arte no Brasil? O que você diria para uma pessoa manter a cabeça erguida e seguir em frente?

Jonathan: Eu abri o show do Kamasi Washington aqui no Rio, e foi um marco incrível na minha vida, já que é um cara que me inspira muito. Quando tive a oportunidade de conversar com ele,  perguntei exatamente isso: “que conselho você daria para quem quer viver da arte?”. Ele falou “Acreditar na sua verdade”, ou seja, saber quem você é. Meu conselho é esse: você precisa acreditar na sua verdade, no seu trabalho, no seu potencial.

Eu também pratico meditação, e isso sempre me ajudou a me por no centro da minha vontade. Meu conselho é que a pessoa confie em si mesmo sempre, e medite. Quanto mais conectado consigo mesmo você estiver, mais certeza você terá sobre o seu caminho.

TMDQA!: Você está confirmado para o Locomotiva e para o Rock in Rio. Como é a sensação de levar o seu projeto musical para um público cada vez maior?

Jonathan: O Rock in Rio, por exemplo, é um palco que eu nunca pensei que fosse conquistar, muito mais tocando jazz urbano, que é nicho do nicho. Além disso, vou tocar no Locomotiva, outro festival que adoro. Todos esses caminhos vão me dando cada mais gás, uma injeção de energia.

O Locomotiva é interessante por ser um festival voltado para bandas mais rock, um pouco mais pop. Sou o único artista nesse formato, jazz, mais instrumental, a se apresentar. Ser escalado para um festival como esse é muito importante para mim. Foi outra dose de energia para mim.

TMDQA!: Como é estar em um festival tecnicamente mainstream como o Rock in Rio mesmo sendo um artista, por assim dizer, nada mainstream?

Jonathan: Eu acho que é muito legal ver que o mercado está dando valor para outros gêneros. Ter uma marca grande como o Rock in Rio associada a meu trabalho é ótimo. É olhar para artistas emergentes e dar oportunidade de se apresentarem no mesmo lugar que artistas grandes, mainstream. Para mim, isso é uma grande oportunidade. A ideia é usar o festival para amplificar minha voz.

Foto: Divulgação

TMDQA!: Foge daquela bolha de rotular a nossa música, o que é feito constantemente.

Jonathan: Outro dia, em uma entrevista, um repórter me entrevistou e perguntou sobre eu estar fazendo jazz, uma música originalmente norte-americana. Eu respondi que é brasileira sim. Além de tocar na questão ideológica do jazz urbano, o jazz é mais do que um gênero musical: é uma linguagem. É uma tentativa de nova inovação da MPB. Daqui a pouco, os atuais topos de paradas vão embora, e quem vai assumir depois? É importante estarmos cientes da nossa responsabilidade, como artistas, de ampliar a nossa voz.

TMDQA!: Na verdade, a música brasileira conta exatamente com a questão antropofágica, de misturar tudo, usar diversas referências… É uma característica da nossa musicalidade como um todo.

Jonathan: Sim, e dá para percebermos isso em vários movimentos musicais ao longo da nossa história. Tropicália, bossa nova… A música é universal. Não tem como negar o mundo globalizado em que vivemos. Todo mundo tem uma quantidade infinita de músicas na palma da mão graças à revolução do streaming. Eu acho que é importante ressaltar isso.

TMDQA!: É capaz de seus shows no Locomotiva e no Rock in Rio apresentarem o seu trabalho a um novo público ainda não familiarizado com o jazz urbano. Como você descreveria o seu show para quem ainda não conhece seu trabalho?

Jonathan: Gosto de descrever meu show como uma experiência de jazz urbano psicodélico. Gosto muito da palavra “psicodelia” porque faz as pessoas viajarem. A ideia é que a galera não apenas viaje, mas que busque, assim como eu, a questão espiritual da coisa. No mais, o show é muita quebradeira. É um jazz quebrado, psicodélico, com muito groove para a galera dançar… Queremos deixar as pessoas surpreendidas com o nosso som. Espero que as pessoas se conectem com o nosso trabalho.

TMDQA!: Alguma contribuição final?

Jonathan: Falar com o TMDQA! também é uma honra para mim. Aproveitando o nome do site, acho legal falar que esse disco foi pensado para ser lançado em vinil. É um artefato que eu amo. Ele tem duração de vinil, por sinal. Vou abrir uma pré-venda este mês. E vai sair uma versão remix do disco, que estou produzindo em parceria com alguns DJs.

Published by
Pedro Henrique Pinheiro