A banda brasileira de hardcore Malvina está de volta após três anos sem nenhum lançamento.

Entendendo que o momento que atravessamos no Brasil e no mundo todo pede por reflexões, questionamentos e posicionamentos, o grupo está lançando uma nova canção chamada “Hybrid War”.

Totalmente politizada, a música defende a tese das chamadas “Guerras Híbridas”, que seriam enfrentamentos de várias formas criados em todo mundo com o único objetivo de manter os Estados Unidos como o país mais influente do planeta.

Gravada no Brasil mas mixada e masterizada no lendário Blasting Room, estúdio no Colorado onde grandes títulos do Punk Rock e Hardcore já foram produzidos, a música estreia hoje aqui no TMDQA! com direito a um papo que batemos com os caras a respeito disso tudo.

Veja logo abaixo.

TMDQA!: A banda está voltando após um período de três anos sem lançamentos. O que os motivou para o retorno e como surgiu a vontade de falar sobre a política brasileira logo de cara em um single de reapresentação?

Malvina: Apesar da banda ter tido um hiato de shows e lançamentos, permanecemos ativos na criação e produção, então esse retorno é pra gente uma parte natural do processo.

Em relação à temática, foi um reflexo direto do caos que o país vivencia desde as manifestações de 2013. Quanto mais buscamos compreender a crise atual, mais relações encontramos com a sujeição histórica do Brasil aos EUA e com a nossa origem escravista, expressa no ódio de classe que a classe média externalizou nos últimos 5 anos.

 

TMDQA!: A ideia da nova canção é de que o Brasil seria uma peça nas chamadas “Guerras Híbridas”, que teriam como objetivo fortalecer os EUA. Qual é o ponto de vista de vocês sobre essa questão e como ela é abordada na letra de “Hybrid War”?

Malvina: As estratégias das “Guerras Híbridas” aplicadas pelos Estados Unidos nos últimos anos em países como a Síria e a Ucrânia, consistem em explorar as vulnerabilidades de Estados-alvo através de um amplo estudo da cultura de cada sociedade com a finalidade de opor populações a governos tidos como hostis à agenda estadunidense.

Recentemente, graças a analistas políticos como Andrew Korybko, autor de “Guerras Híbridas” e Pepe Escobar, tivemos acesso a informações que revelam que o Brasil é alvo desse novo tipo de guerra, e que no nosso caso ela se trava de forma muito mais complexa.

Diante dos últimos acontecimentos políticos do país, das “Revoluções Coloridas” de 2013, a campanha de criminalização do Partido dos Trabalhadores pela grande mídia, o Golpe de Estado de 2016, a perseguição do Judiciário ao PT – culminando em uma prisão ilegal do candidato à presidência que liderava as intenções de voto -, à divisão da sociedade e a eleição de um candidato totalmente submisso aos interesses dos EUA, temos um quadro completo de uma Guerra Híbrida bem sucedida.

Ao longo da letra mencionamos alguns elementos chave, além da abordagem do ódio de classe, que foi um dos combustíveis para o Golpe, e exploramos alguns dos fenômenos característicos das Guerras Híbridas, como a multidão manipulada que toma as ruas em protesto contra o governo, a deposição de um líder e a propaganda midiática. Tratamos das consequências imediatas do Golpe de Estado, como o ataque aos direitos básicos da população, a destruição de políticas de desenvolvimento, e a truculência policial, com referência à nossa sujeição histórica aos EUA.

 

TMDQA!: A imensa maioria das bandas opta por ficar de fora de questões políticas e não tomar nenhum lado. Como vocês enxergam o papel da arte e da música na política? Por que entendem que devem abordar seus pontos de vista de forma tão clara?

Malvina: Todas as formas de arte exerceram algum papel na nossa compreensão da realidade. Bandas, livros e filmes foram responsáveis pelo nosso engajamento em questões políticas e e pela adoção de algumas práticas filosóficas, como por exemplo o veganismo.

A arte sempre exerceu uma função social na história, como mecanismo de alienação na forma de entretenimento ou como forma de resistência e crítica.

Esperamos provocar com o nosso trabalho o mesmo efeito que vivenciamos. É lamentável que o retrocesso no país mais desigual do mundo seja pouco abordado pelas bandas, e que essas, talvez inconscientemente, optem por adotar um discurso liberal, com o predomínio do “eu”, e o apelo à “paz interior”.

 

TMDQA!: Ao falar sobre a situação, vocês não acham que a mensagem ficaria mais clara para os brasileiros em uma letra cantada em Português?

Malvina: Em relação à assimilação da mensagem por parte dos brasileiros, essa sem dúvidas se daria de forma mais eficiente se usássemos o Português. A vantagem do inglês, e um dos motivos de o termos adotado em nossas músicas, é que, por ser uma língua universal podemos mandar a nossa mensagem a um público muito mais vasto, conseguimos por exemplo denunciar questões pouco discutidas até mesmo dentro do Brasil a nichos de diferentes continentes, que já se mostraram sensíveis e receptivos ao nosso apelo. É o caso de “Scenario”, que denuncia as remoções de famílias na Zona Oeste do Rio de Janeiro nas obras para os Jogos Olímpicos de 2016.

Tendo em vista que a maior parte dos brasileiros não fala inglês, temos o compromisso de prover as traduções para a nossa língua.

 

TMDQA!: A música foi gravada em estúdios distintos do estado do Rio de Janeiro, mas tem mixagem e masterização no lendário Blasting Room, nos EUA. Como aconteceu o processo?

Malvina: Exatamente, lendário, ao entrar no Blasting Room, posters de discos do Black Flag, Descendents, ALL, Propagandhi e NOFX te encaram ao longo do corredor, é uma a sensação estranha.

Tínhamos combinado com a equipe do estúdio de acompanhar o Jason somente no último dia, no qual faríamos os ajustes e o recall, mas na véspera da primeira sessão, quando tínhamos chegado em Fort Collins, recebemos uma mensagem do Chris para que fôssemos ao estúdio no dia seguinte.

O primeiro dia de mixagem o Jason usou pra definir os timbres do disco, e ficou só em “Hybrid War”. Como a gente também trabalha com áudio e tínhamos bem em mente o que queríamos, ele nos sugeriu que estivéssemos presentes em todas sessões.

Foi uma breve e invejável rotina de muito aprendizado e troca, Livermore teve interesse em saber mais da nossa cultura, tocamos o “Construção” de Chico Buarque bem alto no Blasting Room, contamos algumas das histórias loucas de João Gilberto, e o situamos sobre o momento político que o Brasil passava na época.

A cada música finalizada, sentávamos e ouvíamos repetidamente, tomando notas.

Em uma dessas vezes Jason chegou perguntando se estávamos escrevendo um romance, riu, disse que era bem pior que a gente.

TMDQA!: O que vocês diriam para quem tomar o caminho de apontar para o fato de que uma crítica aos EUA foi finalizada por lá?

Malvina: Seria um erro associar todo o povo estadunidense à agenda de Washington. O Blasting Room tem na sua história um vasto portfólio de críticas ao imperialismo, seus profissionais se empenharam o máximo em prover a melhor qualidade sonora ao nosso trabalho. É crucial esclarecer, em relação às nossas críticas, que enxergamos com nitidez a distinção entre a medidas tomadas pelo Estado Norte Americano e os Estados Unidos em si.

 

TMDQA!: Quais são os planos para o futuro próximo da banda? Vem disco novo por aí?

Malvina: Temos disco novo com lançamento marcado pro dia 26 de Abril. O full “Hybrid War” vai sair por diversos selos pelo mundo; pela Electric Funeral aqui no Brasil, Razor na Argentina, Audioslam no Chile, 20Chords no México, Money Fire nos EUA, Punk & Disorderly no Canadá, Ghost Factory na Itália, Bomber Music na Inglaterra, Morning Wood na Holanda, Mud Cake na Alemanha, Geenger na Croácia, 5FeetUnder na Dinamarca e Mevzu na Turquia. Começaremos a tour do novo disco em Abril aqui no Brasil e pretendemos fazer de Norte à Sul. Uma tour na Europa tá sendo planejada pro fim do ano, junto aos italianos do 30MILES.

 

TMDQA!: Vocês têm mais discos que amigos?

Malvina: Desde que compramos o “Killers” do Iron Maiden há uns 20 anos, pilhas de discos começaram a se formar por toda parte!

Colecionamos discos desde que somos crianças, e por sermos irmãos, o preço sai pela metade pra cada um.

Sempre soubemos explorar essa vantagem, sem dúvidas temos mais discos que amigos!

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