A polêmica envolvendo o ator Jason Momoa e as falsas acusações de assédio sexual escancaram novamente um dos maiores problemas da comunicação digital: as fake news. Notícias falsas têm tomado conta de todas as áreas e não parece haver força para que a sua disseminação seja contida.

No caso do ator havaiano, um vídeo editado e publicado por usuários brasileiros do Twitter mostrava o suposto momento em que ele apalpava os seios de uma garota. Uma rápida pesquisa levaria ao vídeo original, no qual estava uma boa parte do conteúdo que havia sido cortada, além da informação de que a menina com a qual estava abraçado era a filha dele.

Resultado: a assessoria do ator já entrou em contato com o fã clube brasileiro para identificar o autor do vídeo e as pessoas que o divulgaram, além de acionar as redes sociais para apagar de uma vez o material.

O que aprendemos com o caso de calúnia contra Jason Momoa? Que fake news pode caracterizar crime? Que não devemos acreditar de primeira em tudo o que vemos na internet? Seria o ideal, mas parece que as pessoas insistem em preferir os conteúdos rápidos aos confiáveis.

Abaixo, o vídeo sem cortes da premiere de Aquaman, evento em que Momoa estava com os filhos e que gerou toda a polêmica:

Por que acreditamos em fake news?

Estudos (verdadeiros) já foram realizados para tentar entender os motivos que levam os internautas a eliminarem a desconfiança e acreditarem em tudo o que enxergam na web. O MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) analisou cerca de 126 mil notícias postadas no Twitter por mais de 3 milhões de usuários ao longo de dez anos e a conclusão foi até um pouco óbvia: notícias falsas se espalham na internet de forma muito mais rápida que as verdadeiras. Mas por quê?

Uma das explicações é um conceito chamado viés de confirmação. O viés de confirmação é uma tendência que todos nós temos em aceitar melhor informações que confirmem nossas crenças já existentes, ignorando as que geram algum tipo de questionamento. Não é preciso ir muito além para saber que isso é ruim: o pensamento crítico fica comprometido, mudanças de postura e busca por novos pontos de vista se tornam cada vez mais raras.

Um exemplo de como isso é comum no mundo do entretenimento foi o caso da separação de Johnny Depp e Amber Heard. Ela o acusou de agressão, mas o fandom do ator se mobilizou para desqualificar as denúncias. Não importava quantos depoimentos de pessoas próximas ou fotos surgissem, nada enfiava na cabeça dos fãs que Depp poderia ser um agressor. Posteriormente, no acordo do divórcio, Amber recebeu cerca de US$ 8 milhões, retirou as queixas contra o ex-marido e ambos concordaram em não tocar mais no assunto publicamente.

Amber Heard com marcas de agressão
Marcas de agressão no rosto de Amber Heard, em 2016. (Foto: The Daily Beast)

Para piorar, o cenário atual mostra que as pessoas têm adotado um comportamento de manada também nas suas vidas online. Não apenas ignoramos as informações com as quais não nos identificamos, mas também reagimos de forma violenta e agressiva a elas quando vemos que outras pessoas já o fizeram. Como no caso de Jason Momoa, uma pessoa compartilhou e xingou, outras começaram a fazer o mesmo até virar uma bola de neve, com centenas de pessoas falando sobre aquilo e com pouca – ou nenhuma – preocupação em verificar o que aconteceu de fato.

A era da pós-verdade

O dicionário Oxford elegeu o neologismo “pós-verdade” como a Palavra do Ano em 2016. O termo, já conhecido em ambientes acadêmicos da área de Comunicação, se popularizou com a corrida eleitoral pela presidência dos Estados Unidos, que elegeu Donald Trump ainda naquele ano.

O historiador brasileiro Leandro Karnal, em entrevista ao programa Ponto a Ponto, da Bandnews, em 2017, traça um paralelo entre a fofoca e pós-verdade. “Nas redes sociais, ao fazer a detração (fofoca), estamos perdendo o nexo com a autoria, porque posso usar um avatar falso, o detrator desaparece, jogo as calúnias ao vento e surge o conceito tão popular da pós-verdade”, diz. “Ela pressupõe que eu perca a necessidade, o nexo e o vínculo com o real, e passe a achar que se está na rede é verdadeiro”. Em resumo, tudo o que disserem de ruim sobre quem eu não gosto é verdadeiro – olha o viés de confirmação aí novamente.

O buraco é tão mais embaixo que até Nietzsche já tinha um posicionamento sobre isso, em um campo da filosofia chamado hermenêutica, que estuda a teoria da interpretação. O alemão assumia que não existem fatos, apenas versões. Outros conceitos filosóficos podem ser inseridos na discussão, como o perspectivismo, de Foucault.

E o seu tio achando que estava super por dentro das discussões sobre a sociedade no grupo do WhatsApp…

Fake news não é pós-verdade

Apesar de parecer, fake news não é a mesma coisa que pós-verdade. Fake news é mentira e pronto. A pós-verdade pode ser derivada das notícias falsas (ou até mesmo verdadeiras), tratando-se de uma legitimação da informação por parte de indivíduos que julgam ter direito sobre ela – é mais a cultura da não-checagem das informações do que algo necessariamente mentiroso.

E engana-se quem pensa que usuários distraídos de redes sociais são os únicos difusores da pós-verdade. Alguns dos maiores responsáveis pela relativização da verdade são os grandes veículos de comunicação que publicam conteúdo produzido de forma enviesada há anos (vide a Fox News no período eleitoral norte-americano, que adotava uma postura assumidamente pró-Trump).

Outro “inimigo da verdade” é o imediatismo com o qual os veículos procuram publicar as notícias. Não foram poucos os sites que divulgaram um cartaz com a data de estreia da terceira temporada de La Casa de Papel, ainda em 2018, por exemplo. A Netflix teve que se manifestar para esclarecer que qualquer informação sobre a nova temporada seria lançada apenas em 2019. E olha que seria fácil a pesquisa para checar a veracidade do conteúdo:

Cartaz falso da nova temporada de La Casa de Papel
Primeiro que a moeda é de 1 real e na Espanha é usado o Euro; segundo que nenhuma outra rede social da série divulgou a data da estreia. (Foto: Divulgação)

Fact-checking

Uma das melhores alternativas criadas para combater as fake news é o investimento na checagem de informações. No Brasil, o primeiro grande nome desse setor foi a Lupa, agência que integra a International Fact-Cheking Network (IFCN), rede mundial reunida em torno do Poynter Institute, nos EUA, que possui um rígido código de conduta e princípios éticos.

Outra iniciativa muito bacana é o Aos Fatos, projeto de checagem de informações que tem um site e também replica suas conferências nas redes sociais.

Jason Momoa e os filhos
Jason Momoa e os filhos, mais recentes vítimas das fake news. (Foto: Divulgação)

Como tudo nesse ambiente digital ainda é relativamente novo, nem os próprios jornalistas sabem exatamente o que é certo ou errado no fact-checking. Como mostra o Poynter Institute, em uma pesquisa da Universidade da Flórida com 61 jornalistas e fact-checkers de tempo integral, ampla maioria dos entrevistados disse não haver problema na exposição de posicionamentos políticos e ideológicos pessoais por parte dos profissionais que checam as notícias. O resultado mostra que o “jornalismo antagônico” não é necessariamente algo ruim, desde que embasado – e os próprios profissionais concordam. Há discordância, porém, quanto ao uso da palavra “mentira” para definir quando a checagem realmente encontra alguma coisa.

A moral da história é que conferir se o material que nós compartilhamos diariamente é verdadeiro deixou de ser um recurso eventual e virou uma obrigação, sendo você um profissional de imprensa ou um usuário comum da internet. Seja para evitar constrangimentos pessoais ou para contribuir com a evolução da comunicação como conhecemos, não custa nada dar uma pesquisada antes de clicar no “share”.

Combate às Fake News

Confira o site da IFCN https://ifcndairy.org/. Conheça também a Lupa e Aos Fatos (também integrante da IFCN), maiores agências de “caça” a fake news no Brasil.

O Facebook também já fez parcerias com agências comprometidas com a manutenção da verdade nas informações nas redes sociais. A política de combate às fake news na rede de Mark Zuckerberg pode ser conferida clicando aqui.

OUÇA AGORA MESMO A PLAYLIST TMDQA! ALTERNATIVO

Clássicos, lançamentos, Indie, Punk, Metal e muito mais: ouça agora mesmo a Playlist TMDQA! Alternativo e siga o TMDQA! no Spotify!