Tamino
Foto: Divulgação

Por Nathália Pandeló Corrêa

Guitarra, piano, batidas eletrônicas e até uma orquestra servem de plano de fundo para uma voz ao mesmo tempo potente e rouca, outras tantas vezes doce em meio a falsetes. Tudo isso revela Tamino, cantor belga de apenas 22 anos que chama atenção com seu primeiro disco, Amir, promovido no Brasil pela Universal Music. Após um bem recebido EP de estreia, o artista agora começa a percorrer uma jornada de relevância internacional, excursionando por toda a Europa e atraindo comparações a outras vozes potentes – Jeff Buckley e Thom Yorke – não só pelo alcance, mas também pela intensidade e entrega a cada canção.

Mas Tamino não se deixa enganar pelas comparações elogiosas. Ele sabe que o primeiro disco é a oportunidade de mostrar quem de fato é, sem se apoiar em possíveis influências. Talvez por isso ele tenha se apropriado de forma tão natural de suas origens árabes, colaborando com a orquestra Nagham Zikrayat, composta em grande parte por refugiados sírios e iraquianos. Ele traz essa conexão no sangue e no nome. Sua mãe, cantora e pianista belga, o batizou em homenagem ao príncipe da ópera de Mozart, “A Flauta Mágica”. O pai egípcio é um ex-cantor e o avô Moharam Fouad foi astro de cinema e cantor muito popular nos anos 60 no Egito.

O disco Amir trouxe à tona essas origens, mas sem perder a conexão com a atualidade. Entre “Persephone”, canção que encerra o disco fazendo uma referência à mitologia grega, e o baixo de Colin Greenwood, do Radiohead, há uma ligação menos improvável do que se imagina. A cada faixa – destaque para as ótimas “Cigar” e “Indigo Night” -, Tamino vai na contramão da percepção generalizada do que seria um encontro do mundo árabe com o europeu e mostra que diferentes tradições musicais coexistem e geram reflexão e beleza.

Conversamos por telefone sobre todos esses improváveis encontros e os primeiros passos na carreira do músico, que já adiantou: adoraria vir ao Brasil. Confira:

TMDQA!: Oi Tamino, obrigada por seu tempo. Parabéns pelo disco, queria falar um pouquinho com você sobre. Acho que um dos motivos das pessoas serem atraídas a ele é que soa completamente diferente da maioria das coisas que você ouviria uma rádio ou playlist hoje em dia. Queria saber dessa jornada: como sua herança genética, suas bandas punk na adolescência e suas referências musicais se tornaram Amir? Por ser seu disco de estreia, você diria que é uma coleção de tudo que te fez ser quem é até aqui?

Tamino: Sim, com certeza. Eu vejo esse álbum como uma espécie de carteira de identidade, sabe? Sinto como é a união de muitas coisas. E para seu disco de estreia, você tem a vida toda para construí-lo. Eu escrevi tantas músicas e tinha tantas para escolher, que acho que acabei optando pelas que me definem como artista, de uma forma ou outra.

TMDQA!: Aliás, por que “Amir” [seu segundo nome], e não “Tamino” [o primeiro nome] para o título?

Tamino: Ah sim, essa é uma resposta simples. Eu até pensei em chamar o disco de “Tamino”, mas “Amir” parecia uma escolha que soava melhor e pelo seu simbolismo também. Ambos são meus nomes. Tamino é o primeiro e Amir é o segundo, é um nome composto. E “Amir” significa “príncipe”. Ou seja, alguém não escolhe ser um príncipe, apenas se nasce assim. E eu sinto o mesmo com a música, no sentido de que eu não faço música como escolha, ela simplesmente é a única coisa que eu consigo fazer. E “príncipe” traz uma noção de pessoa jovem também, que tem muito a aprender, nem é rei ainda (risos)… Então tem esse contraste, de ser realeza, majestoso, mas também jovem e sem muita sabedoria ainda.

TMDQA!: Exato, eu já vi você comentar sobre a ingenuidade das suas letras, por serem um resultado de quem você é, com vinte e poucos anos. Mas há uma tristeza inerente também, algo com que todos podem se identificar, não importa a idade. Ou seja, você está basicamente compartilhando pensamentos e sentimentos íntimos para o mundo ouvir – e sei que as pessoas estão dispostas. Você se sente exposto ou vulnerável de alguma forma, ao colocar tanto de si mesmo nas letras? Seria essa uma característica das melhores músicas?

Tamino: Eu acabo não me sentindo tão vulnerável assim, porque se trata de algo que eu mesmo moldei. Eu escolho o que compartilhar, então é editado por mim. Não é como uma sessão de terapia, em que você deve compartilhar tudo (risos). Então pra mim é um trabalho, que eu dei a forma que escolhi. Não acho que a arte precisa ser autobiográfica pra ser boa. Há grandes contadores de história como compositores, que têm uma incrível imaginação e não necessariamente vivenciaram aquelas histórias, mas elas podem ser ótimas da mesma forma. No meu disco, por exemplo, temos “Indigo Night”, que é uma música que conta uma história. Eu não sou o garoto da letra, mas há partes de mim nele.

TMDQA!: Agora falando dos arranjos, é impossível não notar que você gravou com uma orquestra! Sei que não é uma orquestra “comum” – se é que isso existe – e acho que trouxe uma personalidade diferente, não foi necessariamente com aquela grandiosidade que a gente costuma a associar a formações assim. Como foi esse processo de integrar cada músico nas músicas, que são bem minimalistas, e garantir que eles não dominassem a faixa inteira?

Tamino: Boa pergunta… Na verdade, foi muito fácil, porque o que eu mais gostei desses músicos é que eles tinham suas próprias personalidades e a sua musicalidade brilha quando tocam juntos. Eu queria que essa individualidade aparecesse nas gravações, porque acrescentaria muito nas minhas canções e nos arranjos, e foi isso que aconteceu. Eu já escrevi as melodias pensando onde queria encaixar a orquestra, de uma forma que eles as elevassem, como é muito comum na música árabe, amplificando a voz. Ou então que funcionassem sozinhas, nos trechos instrumentais. Acho que houve um bom equilíbrio, e claro que eu tive um ótimo produtor, e a mixagem do álbum também foi muito importante nesse processo.

TMDQA!: Imagino que você já ficou sabendo, mas andam te comparando com artistas que tenho certeza que são um orgulho pra você estar na mesma frase que eles. Acho que tendemos a fazer isso, colocar a música em caixinhas, pra vender ou simplesmente entender melhor. Mas como é sua estreia, imagino que você queira que as pessoas te vejam por quem é, e não por quem você lembra. Então voltando ao básico, sem os lugares comuns – as influências, sua herança cultural, o tal falsete que todo mundo cita nas entrevistas (risos) – o que diria que faz a sua música ser só sua? O que você gostaria que as pessoas notassem enquanto estão ocupadas tentando categorizá-la?

Tamino: Acho que quem estiver disposto a mergulhar na minha música, inevitavelmente vai notar isso, vai encontrar algo de diferente. Mas eu diria que não crio música a partir de música, sabe? Nunca ouço alguma canção e isso me faz compor algo. Nunca olho para um artista ou banda e penso, “ah, é assim que eu vou fazer” (risos). Claro que eu tenho influências importantes, isso transparece, e sempre terei uma dívida com os excelentes compositores que vieram antes de mim. Mas basicamente, as minhas músicas são minhas, vêm do meu coração. Eu poderia falar pra você dos arranjos e da produção e de como isso é diferente do que todo mundo faz, mas isso dá pra ouvir no disco. E isso muda de álbum pra álbum naturalmente, porque você trabalha com outras pessoas. O fator comum sou eu. Sempre vai partir de mim, e não de um objetivo ou desejo de riqueza ou fama, porque essas coisas não importam para mim. Então é isso, são músicas feitas por mim, do jeito que eu poderia fazê-las.

TMDQA!: Acho importante a gente falar das suas raízes no oriente médio, porque eu diria que você tem muito orgulho delas.

Tamino: Sim, com certeza!

TMDQA!: Mas dependendo de onde você está no mundo, pode ser um desafio. Você sabe melhor que eu da situação dos refugiados na Europa, que enfrentam exatamente esses desafios, porque têm a cor de pele “errada”, ou por terem cultura e religião diferentes, etc. A gente só ouve falar de construir muros e não deixar as pessoas entrarem – aqui no Brasil temos uma reação similar à situação da Venezuela, por exemplo. Enfim, acaba que a gente não vê tantos artistas de origem egípcia no mainstream, com relevância mundial, e você está chegando nessa posição. Sem querer fazer pressão, mas você acha que isso pode ajudar a mudar essa percepção? Talvez a música seja esse caminho pra menos ódio e preconceito, certo?

Tamino: O grande poder da música é que ela une as pessoas. Esse é o chamado de qualquer artista. Eu nunca fiz música com um objetivo político, para te ser bem sincero. Eu não olho pra sociedade e penso, “como posso fazer arte que vai melhorar as coisas?”. Mas agora que eu tenho meu trabalho musical, eu reconheço que sim, isso influencia de alguma forma. Eu noto que muitas pessoas não conheciam nada de música e cultura árabe, e de repente elas conhecem um oud, que é um instrumento árabe. E eu acho isso incrível, apesar de nunca ter sido o objetivo do meu trabalho. Mas se ele serve, de alguma forma, como uma porta para que os dois lados se olhem e tenham menos medo um do outro, eu ficarei muito feliz.

TMDQA!: Digamos que esse seria um belo bônus. Bom, sei que você está na Holanda, em turnê, e não temos muito tempo. Mas eu não posso me despedir sem perguntar se há planos de fazer shows aqui no Brasil.

Tamino: Seria a melhor coisa! Eu realmente espero que sim, talvez tocar em algum festival… Eu teria de ver com meu empresário a melhor forma de abrir um espaço para eu ser apresentado ao público do Brasil, mas certamente adoraria.

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