Tropicalia ou Panis et Circencis
Foto: Divulgação

Vivemos um momento muito plural na música brasileira. Vários movimentos musicais estão surgindo dentro dos limites do país. O crescimento e popularização do funk, a nova vertente da música baiana, a popularização da eletrônica… Várias frentes estão ganhando força e conquistando novos ouvintes com um gosto cada vez mais rebuscado.

Mas a revolução no panorama da música brasileira não é de hoje. Antes mesmo do funk, a Jovem Guarda, a bossa nova, o Rock BR, o mangue beat e outros movimentos reviraram pelo avesso a música brasileira. Um deles é a Tropicália, que pretendia unir elementos da música moderna internacional à nossa tradicional cultura musical.

Agitado por nomes hoje consagrados como Gilberto Gil, Os Mutantes e Tom Zé, o movimento mudou para sempre a música brasileira. A consolidação veio com um álbum específico, lançado em Julho de 1968: Tropicalia ou Panis Et Circencis. Considerado por muitos como um dos melhores álbuns de música brasileira da história, o lançamento reúne nomes como Gil, Caetano, Os Mutantes, Tom Zé e Gal Costa, todos em início de carreira.

A história

Caetano e Gil “experimentaram” o Tropicalismo com suas memoráveis apresentações em 1967, durante o III Festival da Música Popular Brasileira. Aquilo funcionou como um pontapé para desencadear não apenas a aceitação popular da guitarra “americanizada”, mas também para encorajar um grupo de jovens a seguir em frente e propor uma nova estética à nossa música.

As coisas aconteceram de maneira muito rápida no ano seguinte. O movimento, inicialmente sem pretensões políticas ou sociais, acreditava no amor à música brasileira não como uma espécie de “nacionalismo defensivo” (o que seus intérpretes achavam que simbolizava a MPB e a bossa nova de então). Mas, mais do que meramente provocar a tradição musical do Brasil, o Tropicalismo acreditava na força da música popular e em seu potencial.

Os jovens que deram vida a Panis et Circencis cresceram em um cenário onde a música popular era dominada pela bossa nova. O estilo havia caído no gosto popular há cerca de uma década. Paralelamente a esse sucesso, o mundo, cada vez mais globalizado, via na Europa o surgimento de um novo estilo que se popularizaria mais e mais na Inglaterra: o rock britânico. Os Beatles ganharam fama mundial, e essa fama era acompanhada pelos jovens Caetano, Gil, Rita Lee…

O movimento em si dialoga com o “Manifesto Antropofágico“, obra do escritor Oswald de Andrade que é considerada um dos marcos do Modernismo. Trata-se de fazer a cultura brasileira a partir da antropofagia. Metaforicamente falando, trata-se de incorporar elementos da cultura exterior para resultar em uma mistura que represente a existência de várias facetas culturais em um só país. É isso que o Tropicalismo fez ao unir à tradição musical brasileira elementos da pop art e o som de guitarras elétricas.

Vale lembrar que o Tropicalismo não foi apenas um movimento musical. Também teve vertentes no cinema, nas artes plásticas e na poesia.

Os artistas

Tropicalia ou Panis et Circencis é considerado o principal disco do movimento. Um dos motivos está no fato de ser um disco colaborativo. Caetano uniu Gil, Os Mutantes, Tom Zé, Gal Costa e até Nara Leão para dar voz ao álbum. Eram todos jovens, com carreiras relativamente recentes e fãs da música que estava sendo feita no exterior.

Outro nome importante para a composição do álbum foi Rogério Duprat, que ficou responsável pelos arranjos. Muito da “estranheza” da sonoridade final é atribuída a ele, que buscou romper as fronteiras entre o erudito e o popular. Para completar o time, os poetas Capinam e Torquato Neto contribuíram com algumas das letras.

As músicas

Os dois lados do disco totalizam 12 faixas. Mesmo sendo um dos principais intérpretes, Caetano participou da composição de metade das músicas.

Uma delas foi a faixa título “Panis Et Circencis“. A famosa expressão, traduzida do latim como “pão e circo”, capta um anseio por transformação. A ideia de liberdade é contraposta à metáfora da sala de jantar, onde as crianças estão “destinadas a nascer e morrer”. A canção seria regravada futuramente por vários artistas, incluindo Marisa Monte.

Apesar da força do álbum para o movimento, algumas canções emblemáticas para o Tropicalismo não foram lançadas neste disco. “Alegria, Alegria” e “Domingo No Parque” não entraram. No mesmo ano, Caetano lançaria a emblemática e atemporal “Tropicália” que, apesar de não lançada no álbum coletivo, entrou como a primeira faixa de seu homônimo álbum.

Outras canções que ganhariam destaque dentro do álbum são “Baby“, “Bat Macumba” e “Miserere Nóbis“. As letras, no geral, apostavam em jogos de linguagem baseados na poesia concretista.

As questões política e social

Para muitos, o Brasil de 1968 viva uma crise de representação que se mostrava em várias vertentes, inclusive a política. Na época, o Brasil estava imerso em uma ditadura. Apesar de, a princípio, ser isento de posicionamentos políticos, sendo guiado unicamente pela questão estética, o tropicalismo foi alvo de inúmeras acusações. Posteriormente, com o AI-5, algumas canções do movimento seriam inclusive censuradas.

No entanto, os integrantes do movimento não se associavam nem à esquerda comunista e nem à direita militar. Entre as alegações, os tropicalistas foram acusados de reforçar o imperialismo norte-americano, diante do uso das guitarras elétricas. Enquanto isso, os militares viam o movimento com olhos desconfiados, uma vez que o movimento propunha mudança. Mais tarde, o endurecimento do regime levou ao fortalecimento da censura, que viria a afetar negativamente a vida de diversos músicos. Gil e Caetano, por exemplo, foram exilados, no início de 1969, em Londres.

As performances ao vivo tinham uma pegada social. Os artistas participantes davam interpretações ousadas para as músicas. Eram feitas críticas ao comportamento, e também à questão da abordagem do corpo e da vestimenta na sociedade. Caetano, ao se apresentar com cabelo grande e roupas incomuns, quebrava fronteiras impostas por padrões de gênero, por exemplo. Esse posicionamento influenciou Ney Matogrosso, que ficou conhecido, alguns anos após a atuação dos tropicalistas, como um grande intérprete em cima do palco, ousando ao se apresentar vestido de mulher. Essa atitude serviu de influência para a atual cena LGBT da música brasileira, com artistas como Liniker, Johnny Hooker e Pabllo Vittar.

O legado

Glauber Rocha, que inspirou muitos cineastas com seu estilo tropicalista, afirmou uma vez que “A arte não é só talento. É, sobretudo, coragem”. Foi a coragem de propor algo diferente, não só dele como a dos vários artistas participantes, que eternizou a importância do Tropicalismo.

Na esfera da música, o movimento foi responsável por abrir as portas da música popular. A ideia antropofágica de mesclar o tradicional ao moderno e popular pode ser vista posteriormente em artistas que vão desde Lenine até o BaianaSystem. A questão do comportamento abordada pelo grupo influenciou também diversos artistas atuantes nos dias de hoje.

Se tornou mais recorrente a ideia de se pensar o Brasil não se fechando para as novidades do exterior. Se assim ainda fosse, gêneros como o funk e a música eletrônica jamais criariam raízes aqui. As “aventuras estéticas” do Tropicalismo proporcionaram este pensamento.

Abaixo, você confere o álbum completo e algumas apresentações:

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