Calum Scott
Foto: Divulgação

Entrevista por Nathália Pandeló Corrêa

Calum Scott pode ter surgido para o mundo no palco do reality show Britain’s Got Talent, em 2015, mas as canções que canta hoje começaram a ser moldadas ainda na infância e adolescência. Essas memórias são boa parte do álbum Only Human, que foi divulgado em Março. Sem pressa de lançar seu primeiro disco, Calum compôs mais de 70 canções até chegar nas 11 que restaram.

Mas ele não deixou os fãs esperando por tanto tempo. Logo após o programa, lançou sua interpretação de “Dancing On My Own”, sucesso de Robyn, canção que lhe rendeu a aprovação dos juízes no teste para a disputa. A releitura virou número 2 entre os singles no Reino Unido. Em 2016, além de dividir os vocais de “Transformar”, o tema oficial dos Jogos Paraolímpicos, com Ivete Sangalo, se apresentou no Rio ao lado da cantora na cerimônia de encerramento.

Os singles de Only Human foram aos poucos mostrando que se tratava de um álbum pop, porém melancólico – o que fez com que o artista logo se visse comparado a nomes como Sam Smith, Adam Levine (do Maroon 5) e Adele. Sem abrir mão dessas referências, Calum fez um disco que apenas ele poderia fazer: um apanhado de memórias e emoções de momentos marcantes em sua vida – como a aceitação de sua sexualidade enquanto homem gay, e a sensação de abandono e solidão que isso pode trazer.

Mas Only Human não se resume a momentos difíceis. O próprio Calum define que nunca esteve tão feliz. Ele compartilhou sobre isso e muito mais com o Tenho Mais Discos Que Amigos! em uma entrevista por telefone. Fazendo o perfeito gentleman inglês, pediu mil desculpas pelo atraso (ele estava em uma reunião sobre o próximo clipe) e fez questão de deixar claro: não vê a hora de voltar ao Brasil.

Confira o papo na íntegra abaixo:

TMDQA!: Olá Calum! Primeiramente, obrigada por seu tempo. Parabéns por Only Human, seu primeiro disco! Sei que muitas das músicas tem uma conexão muito forte com suas próprias experiências. Finalmente elas estão públicas, para todo mundo ouvir. Achei curioso como até as músicas mais pop tocam em assuntos como inseguranças e sensação de não pertencimento. Como é pra você agora voltar aos palcos e compartilhar isso tudo? Imagino que seja uma carga emocional forte.

Calum Scott: Nossa, meu Deus! Tem sido incrível e com certeza é muito emocionante. Algumas dessas músicas eu já tinha escrito há um ano e meio atrás, então é bom finalmente poder compartilhá-las com o mundo. Realmente parece surreal, agora que elas foram divulgadas, as pessoas vêm falar comigo sobre as que gostam mais, as que as deixam felizes e tudo mais. E quando eu comecei a compor, sabia que seria pessoal. Precisava falar das minhas próprias experiências, sobre minha infância, sobre entender minha sexualidade, sobre os relacionamentos que tive e os que não tive também. Eu fiz isso porque decidi que precisava ser alguém com quem as pessoas poderiam se identificar. Eu só saberia fazer essa forma, me aproximando delas. Muito mais que números, existem pessoas reais do outro lado, recebendo a sua música. E eu queria cantar sobre coisas pelas quais todos nós passamos.

TMDQA!: E qual a sua percepção de como suas próprias composições são recebidas?

Calum: Sinto que os fãs realmente abraçaram essas canções. Eles me mandam mensagens sobre se relacionarem de alguma forma com as letras, falam sobre se identificar com algumas das questões que abordo no álbum, e é muito emocionante ver que consegui tocá-los.

TMDQA!: Bom, entre a sua fama no Britain’s Got Talent e o lançamento do disco, você pareceu fazer tudo no seu tempo e realmente se dedicar às músicas, sem pressa, apesar de ter lançado alguns singles nesse meio tempo. Por que foi importante pra você dar esse passo atrás, ter uma distância? Imagino que os fãs que votaram pra você no programa depois ficaram ansiosos pelo que você estava preparando!

Calum: Claro, eu sabia disso mais que todo mundo! (Risos) Sabe, assim que eu fiz o teste para o Britain’s Got Talent, da noite para o dia eu ganhei um público que acolheu aquela música [“Dancing on my own”] e que esperava mais coisas de mim. Mas eu não sabia disso, exatamente, na época. Eu vivia numa bolha que era basicamente o foco no programa, mas de certa forma as pessoas já esperavam algo de mim, e canções originais. Mas até ali eu não tinha escrito músicas minhas ainda, composições próprias. Então eu precisei tirar um tempo para me descobrir enquanto compositor, desenvolver a minha voz de uma outra forma. E sendo sincero, houve muitos momentos em que eu pensei “ok, eu não sei escrever música” ou “isso talvez não seja pra mim, melhor deixar a composição pra outras pessoas”. As coisas só começaram a fluir mesmo quando eu entendi que era necessário escrever pra ser sincero comigo mesmo e com tudo que eu passei. Eu tive momentos dolorosos até aceitar minha sexualidade, e depois fui abandonado pelos amigos, na minha adolescência, por causa de quem eu era. E muita gente nem sabia que eu tinha vivido isso, então eu optei por colocar pra fora. E de certa forma, isso virou a minha terapia. Quando percebi, escrever um disco era secundário, porque eu simplesmente precisava escrever essas canções. E então segui em frente, e acabei compondo 70 músicas. Até que chegou um ponto em que a gravadora falou “Olha, precisamos que você pare de escrever um pouco e comece a gravar” (risos). E aí dei uma pausa, mas escrever se tornou essa forma de falar sobre coisas que eram importantes pra mim.

TMDQA!: Aproveitando que você falou de “Dancing On My Own”: essa música te rendeu aplausos de pé dos juízes no Britain’s Got Talent, mas além disso, ela meio que se tornou o “cover oficial” dessa música – se é que isso existe (risos). Não sei se você está contando, mas o clipe da Robyn tem 40 milhões de visualizações no YouTube, e o seu está na marca de 258 milhões atualmente.

Calum: Uau! Eu sinceramente nem olho mais os números, porque realmente me surpreendem muito! Já é difícil compreender que um clipe teve 100 milhões de visualizações, então imagina passar a marca de 200 milhões. Eu acho surreal!

TMDQA!: Sim! Deixando os números de lado, eu diria que independente disso, essa música mudou sua vida. Você acredita nesse poder que a música pode ter? E tem outra música que você pensa em fazer um cover no futuro e dar a sua cara?

Calum: Com certeza, eu acho que a música tem o poder de mudar vidas. E essa música eu gostei desde a primeira vez que ouvi. Eu sempre fui o cara que queria estar em um relacionamento, mas nunca conseguia estar, sabe? (Risos) E eu me identifiquei muito com essa ideia de dançar sozinho, quando era um pouco mais novo. E alguns anos depois, eu queria mostrar pras pessoas a minha própria visão dessa música. Para a maioria, não havia nada de tão diferente, mas a comunidade LGBT reconheceu o fato de a música estar sendo narrada agora do ponto de vista de um homem gay, e isso fez com que a abraçassem de forma muito sincera, dizendo que essa era uma voz necessária. E sobre o poder de mudar a vida das pessoas, sinto que trazer essa música de volta acabou afetando outras pessoas de forma muito positiva. E eu sou muito sensível, me emociono de verdade ao ler os comentários das pessoas e as histórias que elas compartilham comigo sobre essa canção e sobre as minhas próprias. Eu sempre admirei muito o Michael Jackson pela mensagem dele de mudar o mundo e eu acho que podemos fazer isso por meio da música, que é a nossa linguagem universal.

TMDQA!: Você fala abertamente sobre o que “If our love is wrong” significa pra você e a experiência de assumir sua sexualidade. Imagino que ir a público com isso abriu as portas pras pessoas entrarem em contato com você e falarem sobre essa música ter ajudado a lidar com sua própria sexualidade e aceitação. É assim mesmo? E que conselho você daria a homens e mulheres que passam por esse momento atualmente?

Calum: A primeira parte, sobre o impacto na vida das pessoas, eu vejo algumas comentando que essa música é a favorita delas no disco. E elas chegam pra mim citando partes da letra. Eu acho incrível, porque muita gente me conheceu cantando uma música da Robyn, e eu realmente lhe dou todo o crédito, pois ela é incrível. Mas essa é uma música minha, então há algo de mágico em receber um retorno assim. Sinto que escrevi canções que meu público pode tomar para si, pois falo de situações reais. O simples fato de que eu tenho o privilégio de estar ali no ouvido das pessoas e falando sobre isso é incrível. Já sobre o conselho, eu diria que o mais importante é saber quando você está pronto ou pronta. Eles não precisam sentir que devem se assumir, pois não há um momento certo ou definido pra isso. A hora certa é quando se está pronto. Eu mesmo fui com calma e assumi minha sexualidade quando eu precisei fazê-lo, e já estava com vinte e tantos anos. Compor essa música foi um processo muito emocional, e eu estava morrendo de medo de que as pessoas diriam quando soubessem que sou gay. Então transformei a música em todo esse debate que acontecia dentro da minha própria cabeça. E espero que as pessoas vejam e pensem “o Calum tinha muito medo do que as pessoas iam pensar dele. Ainda assim, veio a público sobre sua sexualidade e hoje ele é mais feliz do que jamais foi” e que pensem: pode ser assim pra mim também. Eu sempre vou estar presente pra comunidade LGBT, porque é preciso força e coragem para chegar a esse momento.

TMDQA!: As pessoas te comparam muito à Adele, ou Sam Smith, ou Maroon 5, ou Bastille – e você até teve a oportunidade de trabalhar com produtores que também trabalharam com esses artistas. É claro que comparações assim podem ser elogiosas, mas também acabam te colocando numa caixinha, meio que para categorizar a sua música de forma conveniente. Fugindo bastante disso, sei que você tem familiaridade com a música brasileira, porque você gravou e se apresentou com a Ivete Sangalo, que é basicamente um patrimônio nacional! Tem alguma banda ou artista que você curte fora desse espectro e que pode surpreender as pessoas?

Calum: É verdade. Eu acho que me comparar com Adele, Sam Smith, Maroon 5 ou mesmo o Ed Sheeran é porque muitos deles cantam do mesmo lugar que eu, ou seja, as suas próprias experiências, coisas que marcaram seu passado. Quando era criança, me lembro muito de estar no carro com a minha mãe, e ela colocava as músicas que gostava. Então fui criado com muita Whitney Houston, Queen, Michael Jackson, Tina Turner, Meat Loaf, Elton John. São artistas que cantam de forma muito emocional e com certeza isso influenciou muito a forma como canto, pois tentava soar como eles. Mas na minha playlist eu tento ouvir todos os tipos de gêneros musicais. Às vezes estou ouvindo Frank Sinatra, então pulo para Drake, e depois vou para Britney Spears (Risos). A Ivete Sangalo é uma das pessoas mais incríveis com quem eu tive a chance de trabalhar. Eu com certeza agarraria a primeira oportunidade de gravar com ela de novo. Só não sei quando isso vai acontecer, talvez depois que ela estiver menos ocupada com as gêmeas. Acho que pode demorar um pouco! (Risos)

TMDQA!: (Risos) Verdade! Bem, infelizmente nosso tempo está acabando. Você sabe que tenho que perguntar: algum plano de voltar ao Brasil?

Calum: Meu Deus, eu adoraria voltar ao Brasil! Eu estive aí para a cerimônia de encerramento das Paralimpíadas, então acabei não tendo muito tempo de conhecer os lugares. Mas o Brasil tem um espaço muito especial no meu coração, porque quando estive aí fui acolhido de braços abertos pelas pessoas e pela mídia. Pode ter certeza que vou voltar sim, e pode até ser mais rápido do que vocês imaginam! Só queria que você passasse adiante para os seus leitores: “obrigado” [em português].

TMDQA!: Com certeza, darei o recado! Obrigada por seu tempo, Calum, e boa sorte com o disco!

Calum: Muito obrigado!

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