Lulu Santos
(foto: Divulgação/Leo Aversa)

Incansável aos 64 anos de idade e com 33 de carreira, Lulu Santos passa mais de quatro horas semanais dentro de um estúdio na Rede Globo, onde é um dos jurados do programa “The Voice Brasil”.

Nele, o cantor, guitarrista e compositor se expõe, ensina um pouco da fórmula de seus incontáveis hits. Ele tem mais de 20 álbuns na carreira, somando sete milhões de discos vendidos. Neles, 16 singles que ficaram no topo das paradas.

Lulu também aprende. Sempre se emociona com os calouros. E quando está de férias, gosta de tirar alguns meses para viajar com a família e ler. Em janeiro, ao seguir esse roteiro, esbarrou em um livro que mudaria seu ano: a autobiografia de Rita Lee.

As páginas o tocaram tanto que ele interrompeu o descanso para revisitar os maiores sucessos da cantora. Acabou virando um disco, chamado Baby Baby, que acaba de ser lançado, cheio de batidas eletrônicas programas pelo próprio Lulu. Durante a fase de divulgação, Lulu Santos conversou com o Tenho Mais Discos Que Amigos!.

Na entrevista, que você pode ler abaixo, o cantor disse que Rita e Os Mutantes eram a “representação dos Beatles e dos Rolling Stones” no Brasil quando ele era jovem. Sobre o trabalho na televisão, disse que está presenciando, de certa forma, a morte desse meio. E falou ainda sobre a proibição judicial sofrida por Caetano Veloso nos últimos dias.

A entrevista

(foto: Divulgação)

TMDQA!: Rita Lee está aposentada dos palcos há cerca de três anos. O disco mais recente, Reza, é de 2012. O último lançamento dela foi justamente a autobiografia que te inspirou a fazer essa homenagem. Como foi esse redescobrimento mesmo depois que uma artista decide parar?

Lulu Santos: Ela é muito importante pra mim desde sempre. Eu comprei cada um dos álbuns dos Mutantes desde os meus 11 anos de idade. E foram oito álbuns, então por um período de 9 anos, na minha adolescência e juventude, eu estava ouvindo aquilo. Depois tive todos os álbuns da Rita. E isso reverbera na minha vida. O motivo por eu ter feito o álbum é porque, lendo a biografia, eu enxerguei uma espécie de avesso da minha própria vida. Ela determina ali, com uma certa precisão, como ela escreveu cada música, pra nossa ilustração e conhecimento. Mesmo quando, por obrigação do acordo, as canções eram creditadas aos três (Rita, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias), quando na verdade eram só dela. Por isso mesmo eu gravei “Fuga nº 2”, que é de 1967, quando eu tinha 14 anos. Ela singulariza a Rita nos Mutantes, para mim.

TMDQA!: E ela também era jovem, tinha 18 ou 19 anos…

Lulu Santos: Sim, eram todos muito jovens. A gente vivia a ditadura militar, os anos de chumbo. E aquilo era uma representação de vitalidade, alegria, contemporaneidade. Tudo que faltava no ambiente brasileiro. Aquilo era uma representação dos Beatles e dos Rolling Stones.

TMDQA!: Você é um dos grandes fazedores de hits que esse país já teve, e a Rita é outra. Como é pra você, como compositor, pegar um sucesso de outra pessoa pra trabalhar? Têm semelhanças em estrutura?

Lulu Santos: É justamente o contrário: eu não reconheço a mesma estrutura. É como você ganhar um guarda-roupa novo, inteiro, de uma vez. Você vai passar dias experimentando combinações. Eu já tinha feito um disco de Roberto e Erasmo, mas foi a convite de uma instituição, então foi menos orgânico. Nesse caso fui eu quem escolheu fazer. E você observar a obra de outro compositor por dentro é extremamente ilustrativo daquela obra e, comparativamente, com a sua também. A oposição entre o que ela faz e o que eu proponho é muito ilustrativo pra mim. Eu ganho um “insight” sobre o meu jeito de fazer as coisas. Afora isso, as canções são encantadoras, enternecedoras, maravilhosas, históricas pra mim. São a minha história.

TMDQA!: Você sempre foi um grande instrumentista, muito associado à guitarra. Rita Lee foi uma das primeiras mulheres a adotar a guitarra. Qual a importância dela nesse sentido?

Lulu Santos: A “mina roqueira”, né. Mas na verdade eu não lembro da Rita com uma guitarra. Ela, já naquela época, escolhia coisas terceiras. A cena mais intrigante pra mim era a Rita tocando autoharp, que é um instrumento americano, uma espécie de harpa que você seleciona os acordes. E ela botava aquilo no palco, com aquelas roupas… era completamente mitológico. E aí ela inaugura um pouco a ideia da “mina roqueira”. Ela dá prosseguimento, na verdade, porque já tinha tido a Celly Campello. E realmente existe uma linhagem de “minas” ligadas ao rock no Brasil, da qual ela é uma legítima representante. Mas eu a vejo como um elemento distanciador da “clicheria” do rock. Ela, do ponto de vista feminino dela, consegue ver o canhestro que tem na “clicheria” desgastada do roqueiro macho, aquele que toca com as pernas abertas. Ela viu através da cafajestice disso. Tanto que o mais bem-sucedido trabalho dela vem do encontro com o Roberto (de Carvalho), que também é um grande tecladista e traz um senso harmônico mais amplo. É um verdadeiro playground. Então aquele momento em que os dois estão apaixonados um pelo outro, se entregando espiritual, física, mental e artisticamente… isso é um caso raro.

(foto: Divulgação/Leo Aversa)

TMDQA!: Falando um pouco de você agora, de um trabalho que é novo pra você: a televisão semanal. A exposição que o “The Voice Brasil” te dá é boa pra sua carreira?

Lulu Santos: Faz bem pra minha carreira porque clarifica minha sonoridade. Faz determinados mitos de “inatingibilidade” se desfazerem. Vê-se um personagem humano. É impressionante porque a gente fica no ar uma hora e 20 minutos, gravamos durante 4 horas, e não tem texto em momento nenhum. Aquilo é da cabeça da gente, é baseado realmente nas nossas reações. E claro que me deu uma visibilidade. Eu passei 20 anos em rádio, e quando isso começa a ficar diferente, eu pego uma temporada em televisão. Parece que eu peguei o final do rádio e, num certo sentido, o final da televisão também, com toda a transferência e interesse que existe para plataformas digitais. De qualquer forma é uma experiência única e absolutamente enriquecedora que eu tenho maior orgulho de fazer parte.

TMDQA!: E você sempre com um olho na internet também.

Lulu Santos: Eu tenho minhas redes sociais. Recentemente postei uma versão de ukulele de “O Último Romântico” que já tem 55 mil views. Então funciona muito bem.

TMDQA!: Pra finalizar, gostaria de saber se você acompanhou o caso recente envolvendo Caetano Veloso, que foi proibido pela Justiça de fazer um show em apoio a um movimento social. Foi censura? Você sente medo que esse movimento volte e atrapalhe a sua arte?

Lulu Santos: Eu acho melhor não generalizar. Existem momentos em que a própria sociedade, munida de todas as plataformas digitais, se manifesta de forma muito conservadora. A gente viveu durante muito tempo uma sensação de que era tudo um grande cinza indistinto. Não é. Nós (o Brasil) somos divididos e polarizados como qualquer sociedade contemporânea. E é bom saber quem está de que lado. O que aconteceu com Caetano eu não tenho certeza, não conheço os detalhes. Não sei se eles tinham permissão pra fazer um show naquelas condições, o que é uma coisa necessária. Então eu não vou julgar isso com a rapidez de uma opinião de rede social. É uma dessas coisas que é desagradável. A frase de Caetano, dizendo ‘é a primeira vez na democracia que sou proibido de cantar’ é significativa.

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