Há mais de vinte anos o Mogwai passeia pelos contrastes das ambiências sonoras. Entre luz e sombra, entre a frieza digital e a fluidez analógica, o grupo escocês criou uma discografia intensa, dramática e majoritariamente instrumental. Assim, ajudou a consolidar o pós-rock como um dos gêneros musicais mais relevantes, artisticamente, na transição do século passado para cá.

No segundo semestre, o grupo dá mais um passo nessa direção com Every Country’s Sun, o nono álbum de inéditas do Mogwai, com lançamento previsto para o dia 1º de Setembro. Recentemente, tivemos a primeira prévia do álbum, com o lançamento do ótimo single “Coolverine”.

Os últimos anos têm sido transformadores para o Mogwai, e a mudança vem em boa hora. Após um início brilhante, a banda percorreu altos e baixos nos últimos dez anos, ainda que boa parte do trabalho seja acima da média. Em 2015, o quinteto virou um quarteto com a saída aparentemente amistosa do guitarrista John Cummings, após o regular Rave Tapes (2014). E, depois de uma dupla de trilhas sonoras – para os documentários Atomic e Before The Flood, ambos de 2016 – a banda parece pronta pra resgatar o fervor de alguns anos atrás.

Every Country’s Sun marca a renovação da parceria do grupo com o produtor Dave Fridmann, integrante do Mercury Rev e responsável por alguns dos trabalhos mais importantes da cena alternativa nas últimas décadas, ao lado de artistas como Flaming Lips, MGMTSpoon e Tame Impala.

Foi com o auxílio de Fridmann, em seu estúdio isolado nos arredores de Nova Iorque, que o Mogwai desenhou Come On Die Young (1999) e Rock Action (2001), dois dos melhores álbuns do grupo, e seminais na história do pós-rock, responsáveis por influenciar a sonoridade de incontáveis outras bandas desde então.

E foi nesse mesmo estúdio, quase vinte anos depois, que a banda se escondeu para preparar Every Country’s Sun, como revela o multi-instrumentista Barry Burns em entrevista exclusiva ao Faixa Título. No grupo desde a pré-produção de Come On Die Young, Burns discorreu por telefone sobre o momento atual da banda, o trabalho com Fridmann e as diferenças internas e externas nas últimas duas décadas.

Leia a entrevista abaixo, logo após o clipe de “Coolverine”:

Faixa Título: Como estão as coisas? Como têm sido os últimos tempos para o Mogwai?

Barry Burns: A sensação é a de estar no mesmo emprego há muitos anos (risos). Vivemos um momento muito bom. Acabamos de fazer dois shows com as músicas novas, e elas funcionaram muito bem ao vivo. Ensaiamos bastante para fazer com que as novas funcionem na próxima turnê, e estamos desenvolvendo ideias para outra trilha sonora. Estamos bem ocupados, e isso é bom.

Como você descreveria a sonoridade de Every Country’s Sun? O disco todo é tão sombrio e intenso quanto “Coolverine”?

Na verdade acho que o disco, no geral, é um pouco mais tranquilo. Acho que essa música é um pouco mais melancólica que as outras do álbum. Algumas músicas no disco são bem lentas e silenciosas, mas há muitas guitarras e bastante barulho, também. Então eu não sei se [“Coolverine”] resume a essência do álbum, na verdade. Mas é parte dele, claro.

Vocês tocaram o novo álbum na íntegra em um show surpresa no Primavera Sound 2017, e alguns sites compararam as músicas novas ao que vocês fizeram no Mogwai Young Team (1997) e no Come On Die Young. Você concorda com essas comparações?

Hmmm, eu não sei… Eu nunca pensei nas músicas novas dessa maneira, se soam parecidas com as coisas mais antigas ou não. O álbum tem algumas músicas que lembram o que a gente costumava fazer, mas se você analisar as estruturas de acordes, as harmonias, hoje em dia tudo é bem mais complexo. Musicalmente, nossa abordagem era extremamente simples naquela época, com um ou dois acordes, e não compomos mais assim. Acho que essas comparações surgiram porque voltamos a trabalhar com Dave Fridmann, que produziu o Come On Die Young e o Rock Action, e talvez ele tenha nos feito soar… Eu não diria “retrô”, mas como nós soávamos antigamente.

Como aconteceu esse reencontro com Fridmann?

Nós queríamos trabalhar com ele outra vez havia muito tempo, mas não conseguimos. John [Cummings] não gostou muito de trabalhar com Dave. Mas agora que John saiu da banda, decidimos retomar a parceria com ele. E foi quase como se nunca tivéssemos deixado de trabalhar juntos. Foi muito, muito bom, nos sentimos quase como uma família. Foi muito bom.

Come On Die Young foi o seu primeiro álbum com a banda, certo? O que você lembra daquela época? Quais são as diferenças entre o Mogwai de quase vinte anos atrás para o Mogwai de 2017?

Era tudo muito novo e excitante pra mim, naquela época. Eu não entendia muito bem o que estava acontecendo ao meu redor. Eu não compus nenhuma mús… Quer dizer, compus só uma música pro Come On Die Young, uma peça de piano bem curta [“Oh! How the Dogs Stack Up”]. E agora estou profundamente envolvido com o processo de composição, especialmente porque hoje sou muito mais parte da banda do que quando entrei. No começo, eu era mais como um amigo da banda, não necessariamente parte dela. Então, para mim, muita coisa mudou.

Os timbres digitais, sejam em sintetizadores diversos ou mesmo batidas eletrônicas, sempre fizeram parte da sonoridade do Mogwai de alguma forma. A evolução tecnológica de equipamentos de áudio nos vinte anos em que você está na banda mudou, de alguma maneira, a sua abordagem na hora de compor uma música?

Com certeza absoluta. Vinte anos atrás eu não teria como fazer a maioria das coisas que faço, hoje. Neste momento eu estou no meu estúdio, olhando para o meu computador, e tenho certeza que não conseguiria fazer o que estou fazendo no momento vinte anos atrás. Aqui, estou trabalhando com sons de uma orquestra usando apenas um Macintosh. É incrível o que se pode fazer hoje em dia. Você não precisa nem estar no mesmo país para trabalhar junto – hoje em dia eu moro na Alemanha, e mando minhas gravações para Glasgow [cidade natal da banda] pela internet. Antes, você precisava mobilizar todo mundo, ir para um lugar de ensaios, e às vezes ficava difícil criar algo novo enquanto todos os outros estão fazendo barulhos nas guitarras, na bateria, coisas assim. A tecnologia deu mais “clareza” ao processo.

E qual foi o processo de composição para as músicas de Every Country’s Sun? Foi aquela coisa de tocar e tocar até chegar a boas ideias, ou vocês desenvolviam as canções individualmente pra depois compartilharem as ideias?

Atualmente o nosso processo é mais individual. Antes, a gente se juntava em uma sala e tocava por um tempão até criarmos algo. Mas hoje em dia nós moramos muito longe um do outro, é mais fácil desenvolver as ideias separadamente e depois compartilharmos uns com os outros o que criamos, para trabalharmos juntos a partir daí. Nós já compusemos bastante coisa juntos, mas nesse disco não acho que há nenhuma ideia criada em parceria. As músicas partiram de três compositores diferentes [Burns, o guitarrista Stuart Braithwaite e o baixista Dominic Aitchison], e trocávamos arquivos de Ableton, Logic ou mesmo MP3 pra desenvolver as ideias dali em diante. E fizemos muita coisa juntos no estúdio, também. Nós somos bem rápidos quando começamos a trabalhar em algo, gostamos de nos concentrar no que estamos fazendo e dar o nosso máximo.

Desde Rave Tapes, vocês lançaram Atomic e Before the Flood, duas trilhas sonoras para documentários com propostas bem diferentes. Esses trabalhos influenciaram a produção do novo disco de alguma maneira?

Acho que sim. Provavelmente porque usamos algumas das mesmas abordagens, alguns dos mesmos equipamentos. Por exemplo: se eu descubro um novo plug-in ou efeito que eu acho interessante, eu tento usá-lo o máximo possível. E quando começamos a compor as músicas do Every Country’s Sun, muitos instrumentos que usamos nas trilhas eram os mesmos, com um tipo de som parecido. Eu não diria que são exatamente parecidos, mas há um pouco dessas trilhas no novo álbum, com certeza.

Apesar de ser uma banda com uma discografia quase toda instrumental, o Mogwai sempre foi uma banda com posturas políticas claras [no show do Primavera Sound, por exemplo, Stuart Braithwaite usou uma camiseta com o logo do Public Enemy – “inimigo público”, em português – e uma foto da primeira-ministra britânica, Theresa May]. Eventos recentes como o Brexit ou a eleição de Donald Trumpo influenciaram o novo disco de alguma forma?

Uma das vantagens de trabalhar com Dave [Fridmann] é que nós entramos numa espécie de casulo [para gravar o novo disco], com a intenção de ignorar tudo ao nosso redor. E na verdade foi bem fácil fazer isso, porque estávamos em um lugar completamente isolado, no meio do inverno, em uma casa-estúdio no meio do nada. Não assistíamos a nada na televisão, apenas filmes de terror (risos). Então acabamos nos afastando de tudo isso. De qualquer forma, eu acho que nem sempre é fácil entender como a política influencia a música, especialmente a música instrumental. Mas talvez tudo isso tenha nos influenciado de alguma maneira. Eu não sei. Nós tentamos nos esconder dessas coisas.

Pode-se dizer que o novo disco foi influenciado por filmes de terror, então?

Eu não sei (risos). Acho que não conseguíamos dormir direito depois de levar tantos sustos, e isso influenciava as doze horas de trabalho que tínhamos a partir da manhã seguinte (risos). Provavelmente não é a melhor maneira de se trabalhar, mas é o que aconteceu (mais risos) [ele realmente achou esse comentário muito engraçado por alguma razão].

E quais são os planos do Mogwai para o futuro próximo? Podemos esperar uma longa turnê mundial para promover o novo álbum, ou a ideia é não demorar para gravar outro disco?

Nós gravamos [Every Country’s Sun] em Novembro do ano passado, e tocamos bastante desde então. Por isso, temos a impressão de que já encerramos o ciclo de turnês desse disco, apesar dele nem ter começado (risos). Estamos ansiosos para trabalhar em novas músicas, e provavelmente já temos material suficiente para um novo álbum – só não temos tempo para isso, entre os projetos de trilhas sonoras e a próxima turnê. Mas é legal saber que já temos novas ideias nos esperando.

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